O prefeito é eleito para gerir as
verbas advindas dos governos estadual, federal e outros órgãos da administração
pública, com honestidade e espírito público. Este tem como dever, estimular as manifestações
culturais, zelar pelo progresso do município e ser fiel guardião da democracia.
E os vereadores são eleitos para garantir que todos esses atos serão praticados
pelo chefe do executivo municipal com inteira responsabilidade. Esses têm
poderes amplos para cassar o mandato do prefeito que não esteja exercendo sua
função com probidade administrativa..
Contudo,
o que se vê, notadamente no interior nordestino, é os prefeitos desrespeitarem
abertamente todos os princípios que norteiam seus cargos. São inimigos do
progresso, do desenvolvimento cultural e são ferozes adversários da democracia.
Os recursos financeiros que deveriam ser aplicados em saúde, educação e obras
básicas, servem apenas para aumentar seu patrimônio pessoal. Alguns passam de
pobretões irrecuperáveis ao serem eleitos, a desfrutar de uma riqueza súbita,
adquirindo fazendas, cabeças de gado, apartamentos na capital, mudando-se para
uma casa luxuosa e trocando de carro como se troca de camisa. Alguns nem
vergonha tem de transferir mulher e filhos para a capital, matriculando os
meninos nos melhores colégios e submetendo suas esposas a uma recauchutagem
geral para ver se as mesmas adquirem ares de primeira dama. É claro que todo
esse investimento é feito com recursos surrupiados da educação, da saúde, dos
transportes e obras públicas. Mas como garantir que todos esses recursos sejam
transferidos para as suas mãos sem correr nenhum risco? Fácil: colocando
gente de confiança nas secretarias
estratégicas para garantir que os recursos sejam manipulados com segurança. Sem
esquecer do tesoureiro de absoluta confiança e o especialista em finanças
públicas para garantir o acerto da contabilidade junto ao Tribunal de Contas. Não é por outra razão que o tesoureiro é sempre o
melhor amigo do prefeito.
Às
vezes rouba-se muito e falta dinheiro para pagar o funcionalismo municipal e
principalmente, aos fornecedores. Então acontece aquela praga tão bem conhecida
por todos que lidam com prefeituras: atrasa-se os pagamentos. Os pequenos
funcionários passam necessidades, (os secretários-parentes, contadores e
tesoureiro tem seus salários pagos religiosamente em dia) e os comerciantes e
empresários ficam a beira da falência. E quem chiar não vai receber nada
durante meses. Se se tornar adversário então, nunca mais! É preciso dizer amém
para todos seus atos sob pena de
perseguição feroz. Ninguém escapa: delegados e soldados de polícia,
professores, diretores de escola, presidentes de sindicatos, comerciantes,
empresários, presidentes de ligas esportivas, médicos, enfermeiras, vereadores
adversários, jornais, emissoras de rádio, presidentes de associações
comunitárias, até promotores públicos (tenta-se de tudo para “amaciar” o juiz
eleitoral). Quem quiser entrar na folha de pagamento tem que se submeter.
Saddam Hussein? Besteira! Ninguém é pior
do que prefeito de interior. Se não faz faxina étnica é porque não tem poderes
para tanto.
Mas
o que detém esse ditadorzinho é o avanço cultural. Nada pode lhe trazer maior
ódio do que o esclarecimento da opinião pública. Por isso tem de se fiscalizar
rigidamente as emissoras de rádio e o jornal local, se houver (o cargo de
secretário de cultura é apenas decorativo). Oferece-se boas recompensas para
colocá-los a seu serviço. Na emissora de rádio do cupincha do prefeito falará
somente quem ele liberar e o jornal fará apenas elogios a sua profícua
administração. Se por acaso esses órgãos de comunicação não quiserem se
submeter, ficarão a pão e água. Para garantir a completa falência, todo
comerciante e empresário que fizer anúncios nos mesmos, serão tirados da lista
de fornecedores da prefeitura.
E
os vereadores? Esses políticos eleitos para zelar pela boa administração? Vã
esperança! Quase todos são tomados pela
cobiça e querem também desfrutar das mordomias. E tudo lhes é dado pelo
prefeito desde que se comportem como aqueles macaquinhos: não ouvem, não falam
e não vêem nada quando o assunto se refere a ele. Como “recompensa” ao prefeito
camarada, aprovam uma emenda que dê a ele gordas diárias quando se desloca para
a capital, e a metade da mesma, quando viaja para qualquer município. E o
absurdo de tudo isso é que o prefeito viaja para a capital para visitar a
família, que lá está residindo, e ganha quantas díárias ali permanecer. Se vai
para alguma de suas fazendas, logicamente localizadas em municípios vizinhos,
também ganha diária. Afinal, é muito fácil declarar que estava a serviço do
município ao qual governa. E o prefeito, para garantir esse privilégio, adquire
um novo prédio para a Câmara, com gabinetes particulares e telefone para todos
os vereadores. E para esses vereadores submissos, além do salário, haverá
sempre uma outra fonte de recursos. A
traição política é incentivada e a falta de caráter, recompensada. Mas nada
traz maior dividendos do que as votações importantes como a eleição do
presidente da Câmara e a aprovação da contas públicas ou o orçamento anual com
a tão cobiçada verba de representação. Nessas ocasiões o prefeito chega a tirar
do próprio bolso para garantir votação favorável.
E
o povo, essa entidade fantasma que todos gostam de se arvorar como defensores?
Pobre povo! Ninguém sofre tanto! Os comerciantes, empresários, delegados,
polícias, jornalistas, radialistas, professores, diretores de escola,
promotores públicos, tem lá suas fontes de recursos. Mas o povo não tem nada.
Estão a mercê do prefeito e sua quadrilha. Quem não for correligionário morrerá
de fome, não recebendo a cesta básica e o peixe da semana santa. Haverá somente
a esperança de receber alguma coisa, em véspera de eleição, quando o dinheiro e
a cesta básica correm soltos. Se alguém quiser vender alguma mercadoria na
feira ou em qualquer local público, terá de pedir o aval da prefeitura. E não há
como escapar, pois numa cidade pequena, todos sabem da vida de todos. Sabe-se
quem é adversário, quem é correligionário, quem anda falando mal do prefeito,
quem anda elogiando. As paredes tem ouvidos e os bares e pontos comerciais
estão coalhados de puxa-sacos. A atmosfera é sufocante, contrária a
manifestação do livre pensamento. Deste modo, o que se espera é apenas a
manutenção do atraso secular e o crescimento da ignorância. Uma cidade-fantasma
onde reina o silêncio dos mortos. Ou dos inocentes.