quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Como agem os prefeitos desse sertão nordestino



       O prefeito é eleito para gerir as verbas advindas dos governos estadual, federal e outros órgãos da administração pública, com honestidade e espírito público. Este tem como dever, estimular as manifestações culturais, zelar pelo progresso do município e ser fiel guardião da democracia. E os vereadores são eleitos para garantir que todos esses atos serão praticados pelo chefe do executivo municipal com inteira responsabilidade. Esses têm poderes amplos para cassar o mandato do prefeito que não esteja exercendo sua função com probidade administrativa..
   Contudo, o que se vê, notadamente no interior nordestino, é os prefeitos desrespeitarem abertamente todos os princípios que norteiam seus cargos. São inimigos do progresso, do desenvolvimento cultural e são ferozes adversários da democracia. Os recursos financeiros que deveriam ser aplicados em saúde, educação e obras básicas, servem apenas para aumentar seu patrimônio pessoal. Alguns passam de pobretões irrecuperáveis ao serem eleitos, a desfrutar de uma riqueza súbita, adquirindo fazendas, cabeças de gado, apartamentos na capital, mudando-se para uma casa luxuosa e trocando de carro como se troca de camisa. Alguns nem vergonha tem de transferir mulher e filhos para a capital, matriculando os meninos nos melhores colégios e submetendo suas esposas a uma recauchutagem geral para ver se as mesmas adquirem ares de primeira dama. É claro que todo esse investimento é feito com recursos surrupiados da educação, da saúde, dos transportes e obras públicas. Mas como garantir que todos esses recursos sejam transferidos para as suas mãos sem correr nenhum risco? Fácil: colocando gente  de confiança nas secretarias estratégicas para garantir que os recursos sejam manipulados com segurança. Sem esquecer do tesoureiro de absoluta confiança e o especialista em finanças públicas para garantir o acerto da contabilidade  junto ao Tribunal de Contas. Não é por  outra razão que o tesoureiro é sempre o melhor amigo do prefeito. 
Às vezes rouba-se muito e falta dinheiro para pagar o funcionalismo municipal e principalmente, aos fornecedores. Então acontece aquela praga tão bem conhecida por todos que lidam com prefeituras: atrasa-se os pagamentos. Os pequenos funcionários passam necessidades, (os secretários-parentes, contadores e tesoureiro tem seus salários pagos religiosamente em dia) e os comerciantes e empresários ficam a beira da falência. E quem chiar não vai receber nada durante meses. Se se tornar adversário então, nunca mais! É preciso dizer amém para todos seus atos  sob pena de perseguição feroz. Ninguém escapa: delegados e soldados de polícia, professores, diretores de escola, presidentes de sindicatos, comerciantes, empresários, presidentes de ligas esportivas, médicos, enfermeiras, vereadores adversários, jornais, emissoras de rádio, presidentes de associações comunitárias, até promotores públicos (tenta-se de tudo para “amaciar” o juiz eleitoral). Quem quiser entrar na folha de pagamento tem que se submeter. Saddam Hussein?  Besteira! Ninguém é pior do que prefeito de interior. Se não faz faxina étnica é porque não tem poderes para tanto.
Mas o que detém esse ditadorzinho é o avanço cultural. Nada pode lhe trazer maior ódio do que o esclarecimento da opinião pública. Por isso tem de se fiscalizar rigidamente as emissoras de rádio e o jornal local, se houver (o cargo de secretário de cultura é apenas decorativo). Oferece-se boas recompensas para colocá-los a seu serviço. Na emissora de rádio do cupincha do prefeito falará somente quem ele liberar e o jornal fará apenas elogios a sua profícua administração. Se por acaso esses órgãos de comunicação não quiserem se submeter, ficarão a pão e água. Para garantir a completa falência, todo comerciante e empresário que fizer anúncios nos mesmos, serão tirados da lista de fornecedores da prefeitura.
E os vereadores? Esses políticos eleitos para zelar pela boa administração? Vã esperança!  Quase todos são tomados pela cobiça e querem também desfrutar das mordomias. E tudo lhes é dado pelo prefeito desde que se comportem como aqueles macaquinhos: não ouvem, não falam e não vêem nada quando o assunto se refere a ele. Como “recompensa” ao prefeito camarada, aprovam uma emenda que dê a ele gordas diárias quando se desloca para a capital, e a metade da mesma, quando viaja para qualquer município. E o absurdo de tudo isso é que o prefeito viaja para a capital para visitar a família, que lá está residindo, e ganha quantas díárias ali permanecer. Se vai para alguma de suas fazendas, logicamente localizadas em municípios vizinhos, também ganha diária. Afinal, é muito fácil declarar que estava a serviço do município ao qual governa. E o prefeito, para garantir esse privilégio, adquire um novo prédio para a Câmara, com gabinetes particulares e telefone para todos os vereadores. E para esses vereadores submissos, além do salário, haverá sempre uma  outra fonte de recursos. A traição política é incentivada e a falta de caráter, recompensada. Mas nada traz maior dividendos do que as votações importantes como a eleição do presidente da Câmara e a aprovação da contas públicas ou o orçamento anual com a tão cobiçada verba de representação. Nessas ocasiões o prefeito chega a tirar do próprio bolso para garantir votação favorável.
E o povo, essa entidade fantasma que todos gostam de se arvorar como defensores? Pobre povo! Ninguém sofre tanto! Os comerciantes, empresários, delegados, polícias, jornalistas, radialistas, professores, diretores de escola, promotores públicos, tem lá suas fontes de recursos. Mas o povo não tem nada. Estão a mercê do prefeito e sua quadrilha. Quem não for correligionário morrerá de fome, não recebendo a cesta básica e o peixe da semana santa. Haverá somente a esperança de receber alguma coisa, em véspera de eleição, quando o dinheiro e a cesta básica correm soltos. Se alguém quiser vender alguma mercadoria na feira ou em qualquer local público, terá de pedir o aval da prefeitura. E não há como escapar, pois numa cidade pequena, todos sabem da vida de todos. Sabe-se quem é adversário, quem é correligionário, quem anda falando mal do prefeito, quem anda elogiando. As paredes tem ouvidos e os bares e pontos comerciais estão coalhados de puxa-sacos. A atmosfera é sufocante, contrária a manifestação do livre pensamento. Deste modo, o que se espera é apenas a manutenção do atraso secular e o crescimento da ignorância. Uma cidade-fantasma onde reina o silêncio dos mortos. Ou dos inocentes.