sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Quando fui radialista


Lauro Adolfo

A primeira emissora de rádio que foi inaugurada na região de Irecê foi a Rádio Regional. Foi uma novidade tão expressiva que nesse ano Nobelino Dourado,seu falecido  proprietário  foi homenageado como o patrono dos radialistas de Irecê. Foi a única vez em que fui locutor de rádio comandando  um programa sertanejo chamado Sertão Querido. O que posso dizer é que apesar de não ganhar nada como acontece nas emissoras de rádio por esse sertão afora, foi muito divertido.
No começo, como não sabia o que dizer, aproveitando minhas habilidades na escrita, escrevia os comentários num papel e a medida que o programa ia seguindo, falava o que tinha escrito arriscando uns improvisos.  Depois peguei prática.
Havia um comercial nas grandes emissoras de rádio da bebida Jurubeba Leão do Norte, onde um sertanejo falava das virtudes afrodisíacas da mesma. O comercial iniciava-se com o sertanejo chegando num bar e pedindo: “O meu filho, me dá uma talagada de jurubeba Leão do Norte aí. Com  jurubeba Leão do Norte eu dou no couro em qualquer quarto de lua”. Aproveitei esse mote e volta e media falava na “talagada”. Foi o que bastou para me chamarem de Lauro Talagada. Na sexta feira, ao microfone eu dizia: “dona Maria, hoje é sexta, o véio trabalhou a semana toda, tá cansado, deixe ele tomar umas talagadas, coitado”. Isso me possibilitou fazer grandes amizades entre os talagadeiros.
Como radialista era novidade por aquelas plagas, tínhamos prestígio de artistas. Promoveram uma festa em Baixão dos Honoratos no município de São Gabriel e fui convidado. Quando cheguei e desci do carro uma pequena multidão que estava a minha espera, começou a murmurar:
- Será que é o Lauro Talagada?
- Não sei. Vá lá e pergunte.
- Ei, você é o Lauro Talagada?
- Sou eu mesmo e pronto para as talagadas.
Aí  foi só alegria. A pequena multidão me cercou, alguém botou um copo de cerveja na minha mão e lá fomos para a festa. Fizeram questão de me mostrar uma geladeira topada de cerveja e perguntaram se dava para encarar a noite. E deu. Amanhecemos o dia na farra e assim começou minha vitoriosa carreira como boca vazia.
Daí então, éramos convidados para tudo quanto era festa. Periguetes tinha a rojão. Chegamos até a montar um time de futebol para possibilitar ainda mais convites. Depois do futebol havia um jantar onde os bocas vazias se fartavam de galinha caipira. Mas, num desses jantares, a comida era pouca. Havia uns belos bifes no centro da mesa e todo mundo estava de olho. Alguém apagou a luz por uns minutos e quando ela acendeu havia um monte de garfos espetados nos bifes.  Eram garfos demais para poucos bifes e não houve acordo.
O mais divertido era os pedidos dos fãs e os presentes que ganhávamos. Como do pessoal de Ibititá que gostava de caçar no Cruel, no município de Jussara. Eu mandava um alô para a turma e avisava: “Se caçarem um caititu, olha o meu aí”. Um dia chego na rádio e recebo um belo pedaço assado de caititu. Naturalmente que tive de dividir com todos os colegas.
A leitura das cartinhas era a parte mais divertida do programa. Coisas como:
Vai cartinha vai
Rolando pela grama
Vai dizer a Lauro
Que adoro o seu programa

Vai cartinha vai
No bico do passarinho
Vai dizer a Lauro
Que eu quero o seu carinho.

Eu tinha uma fã apaixonada chamada Rosália que morava em Canarana. Era quem mais mandava cartinhas. Uma vez ganhei um galo vivo e botei no quintal de casa esperando ouvi-lo cantar ao amanhecer do dia. Acordei de manhã e nada de galo cantar. Quando fui conferir tinham-no roubado. Furioso, esculhambei com os ladrões em meu programa, não sabendo que meus próprios colegas eram os autores do roubo. Foi o que bastou para Rosália me enviar a seguinte cartinha:

Em cima daquela mesa
Tem um prato de biscoito
Quem roubar galo de Lauro
Vai gemer no meu trinta e oito.

Após ler a cartinha solidária, dei o recado aos ladrões:”Venham agora cabras safados roubar galo no meu quintal para gemer no trinta e oito da Rosália”.

Depois vim morar aqui em Morro do Chapéu e nada de rádio, nada de cartinhas, nada de presentes, só as talagadas e os bocas vazias.

‘MADAME PIDONA’, de Miguezim de Princesa: a Marquesa de Santos de Dom Pedro III já virou personagem de cordel

Em 20 de outubro de 2009, a coluna publicou o cordel “Um PAC com a Dilma”, de Miguezim de Princesa. Passados três anos, nosso poeta popular continua em ótima forma: divididos em dez estrofes, os versos de “Madame Pidona” traçam o perfil e resumem o estilo de Rosemary Noronha, a Marquesa de Santos de Dom Pedro III.

O Brasil Maravilha que Lula inventou tornou-se uma capitania saqueada por quadrilhas federais protegidas por governantes de quinta categoria, que se mantêm no poder graças ao apoio de incontáveis vigaristas e da imensidão de cretinos fundamentais prontos para retribuir com o voto a esmola que garante a vida não-vivida. Os idiotas precisam de educação. A bandidagem precisa de cadeia.
O julgamento do mensalão mostrou que as coisas estão mudando. Enquanto a merecida punição não vem, meliantes apadrinhados por Lula e protegidos por Dilma Rousseff devem ser castigados com o sarcasmo, o deboche, o desprezo e a repulsa dos brasileiros decentes. Os versos do cordelista paraibano, por exemplo, doem mais que uma noite na cela. (AN)
MADAME PIDONA
(Miguezim de Princeza)
I
Que madame mais pidona:
Pedia sapato e bebida,
Brinco, anel e trancilim,
Colírio e furosemida,
Pedia até cirurgia
Pra enfeitar a “perseguida”.
II
No dia que ia almoçar
No rodízio de espeto,
Comia picanha, javali,
Coelho, sushi e galeto,
Depois indicava o besta
Para pagar o boleto.
III
Chefiando o gabinete
Da ilustre presidente,
Madame não se cansava
De tanto pedir presente
E, quando via um pacote,
Ela arreganhava os dentes.
IV
No Air Force Fifty One,
Pra cima e pra baixo andava,
Curruchiando com os homens
A quem demais agradava,
Enchia a bolsa de tudo
E ninguém a revistava.
V
O segredo de agradar
Tanto senhor afamado
É que ela todo ano
Reunia o apurado
Para cuidar de um lugar
Por demais apreciado.
VI
Depois de tudo cuidado,
Botava pra derreter,
Fazia o maior salseiro
Na hora do vamos-ver,
Inda pedia ao freguês
Para dar o parecer.
VII
Tinha parecer de cem,
De trezentos e de 1 milhão.
Quando ela estava inspirada,
Deitava touro no chão
E elogiava o besta:
“Cabra do parecerzão!”
VIII
De tanto queimar em brasa,
Formaram uma comissão
Para diminuir um pouco
Toda aquela comichão:
Chamaram um homem das águas,
Outro da aviação.
IX
Para completar o time
Do ar, da água e do chão
E o parecer completo
Render uma boa comissão,
Chamaram um advogado
Que já tinha parte com o cão.
X
Madame era tão pidona
Que chegou a encomendar
A Miguezim de Princesa
Um verso a lhe elogiar,
Mas o poeta, cabreiro,
Respondeu-lhe bem ligeiro:
“Deus me livre de ir lá!”.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Racismo, combate ao racismo e covardias. Uma resposta a um militante que fala grosso comigo e fino com os petistas


Ai, ai…
Quando começo assim, a coisa é de lascar! Recebi uma mensagem de um representante de um grupo de militantes negros que é mesmo do balacobaco! É de uma espantosa covardia política. Já chego lá. Antes, algumas considerações.
O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado ontem pelo STF a nove anos e quatro meses de cadeia, em uma “plenária” para, como definiu José Dirceu, “julgar o julgamento do Supremo”, referindo-se ao ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão e agora presidente do tribunal, indagou e respondeu: [Barbosa] Chegou [ao Supremo] por quê? Porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de reparar um pedaço da injustiça histórica com os negros”. Considero essa fala uma manifestação asquerosa de racismo enrustido. Expus os motivos num texto que deu o que falar, publicado no dia 24. Resta evidente que João Paulo, o futuro presidiário — por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro —, está expropriando Barbosa de seus méritos intelectuais e atribuindo a sua ascensão à benevolência de Lula.
Protestei com dureza, como sabem. E escrevi um outro post perguntando se os movimentos negros continuariam com o seu silêncio covarde e ideologicamente orientado. Com que então um petista pode afirmar tal estupidez? E se a fala estivesse na boca de um político ou jornalista considerados “de direita” ou, sei lá, contrários às cotas raciais? Não foi a primeira vez que um profissional negro de primeira linha se tornou alvo de uma agressão em razão da cor da sua pele. Não faz tempo, o jornalista Heraldo Pereira foi classificado por um anão moral de “negro de alma branca”. O agressor teve de se retratar na Justiça. Os movimentos negros, também nesse caso, se calaram. Afinal, aquele que agredia tem a pretensão de ser um “inimigo da Globo” — logo, é visto como um “progressista”…
Pois bem! Eu não critico pessoas, mas ideias. Eu não me obrigo a concordar com A ou com B em razão de afinidades ideológicas, eletivas ou de qualquer natureza. O ministro Joaquim Barbosa sabe bem o que tenho escrito sobre o julgamento no STF e sua atuação. Também não ignora que temos, sim, divergências sobre vários assuntos. Como costumo dizer, digo “sim” quando acho que é “sim” e “não” quando acho que é “não”. Não sou militante de coisa nenhuma! A principal obrigação de quem está no debate público é dizer o que pensa. E é em busca desse pensamento que milhares de pessoas acessam este blog todos os dias.
Um dia antes de escrever aquele post sobre João Paulo, havia criticado aqui duramente uma resposta que Barbosa dera a um jornalista negro, que lhe indagara se estava “mais sereno” depois de presidir a primeira sessão do Supremo. Disse-lhe o ministro: “A cor da minha pele é igual à sua. Não siga a linha de estereótipos porque isso é muito ruim. Eles [os jornalistas brancos] foram educados e comandados para levar adiante esses estereótipos. Mas você, meu amigo?”.
Não vou demonstrar, mais uma vez, por que a fala é absurda para não repetir argumentos. Peço que notem, adicionalmente, que, assim como João Paulo pretendeu tirar de Barbosa o livre-arbítrio porque ele é negro (o que o obrigaria a votar como queria o PT), Barbosa expropriou os jornalistas brancos da consciência individual: todos teriam sido “educados e comandados para levar adiante os estereótipos”. Existiria, assim, uma categoria de pensamento: a dos “brancos”. Não protesto contra essa fala porque sou branco. Protesto porque ela é falsa.
É provável que Barbosa estivesse irritado, e não lhe faltariam motivos, com a pletora de comentários e especulações sobre como seria a sua gestão à frente do tribunal. Os que não concordavam com o seu voto tentavam caracterizá-lo como um destemperado, um doidivanas, um alucinado, um “Torquemada” — como chegou a citar Ricardo Lewandowski. Ora, ele deve ter clareza de que, se a cor da pele condicionasse pensamento, então o diálogo entre negros e brancos seria mesmo impossível. Sim, há gente dedicada a criar um arremedo de guerra racial no país (ver post a respeito). Não parece que seja o caso do ministro. Ele defende leis de reparação — algumas delas, a meu ver, erradíssimas —, mas é a prova contundente de que brancos ou pretos, ricos ou pobres, o desejável é que as pessoas vão à luta para realizar seus sonhos e suas ambições.
Muito bem! Eis que recebo uma mensagem de um senhor chamado “Reginaldo Bispo”, que se identifica como “Coordenador Nacional do MNU – Movimento Negro Unificado”. Escreve-me ele:
“Reinaldo, 07 em cada 10 militantes do MN, não petistas e não governistas, apoiam e diriam o mesmo que disse o ministro Joaquim Barbosa. E digo mais, deve ter mais que isso entre a população negra não militante e os não negros solidários e não racistas. Assim, reafirmo aqui, se não é pratica de todos, ao menos é pratica predominante entre a maioria dos jornalistas sem compromisso em extirpar o racismo, especialmente dos representantes da Revista VEJA.”
O que responder?O tal Bispo, claro!, quer aparecer e nem se dá conta de que seu texto é uma aporia, uma impossibilidade, uma absurdo ditado pelos próprios termos. Deve ser um noviço da lógica. Como ele se considera dono de uma causa, dispensa-se de pensar com começo, meio e fim e tende a achar que a justeza de sua luta lhe perdoa as tolices. Atenção, Bispo! Se Barbosa estivesse certo naquela fala (duvido que não tenha se arrependido do que disse) e se todos os brancos fossem, então, “educados e comandados” para a discriminação racial, seria impossível haver “não negros solidários e não racistas” porque todos os “não negros” seriam, então, por definição, racistas já que “educados e comandados” para tanto. Entendeu, Bispo, ou quer um desenho?
Há mais, meu senhor! Que história é essa de definir os brasileiros, quem sabe a humanidade, em “negros” e “não negros”. Um branco que decidisse estabelecer a clivagem entre “brancos” e “não brancos”, parece-me, estaria sujeito à acusação de racismo. Quanto à referência à VEJA, Bispo só pretendeu ser sutil: ele estava se referindo a mim, acusando-me de não ter “compromisso em extirpar o racismo”. Não nos seus termos, que considero racistas! Já haviam me mandado certa feita um texto desse rapaz em que ele associa o racismo contra os negros… ao imperialismo. Então tá. Os maiores assassinos de negros no mundo são negros, como sabem a África subsaariana e o Sudão. Tutsis e hutus não se matam porque uns detestem a cor da pele dos outros. A “unificação dos negros” — para lembrar o nome do movimento a que pertence Bispo — é uma ilusão que só existe fora da África. As milícias sudanesas mataram mais de 500 mil pessoas em Darfur em razão de um conflito religioso. A “Mama África” é madrasta má para milhões de negros que pertencem a etnias perseguidas por outras etnias — todas negras. Na Irlanda do Norte, os brancos não se matavam até outro dia porque eram brancos. E também não viam motivos para se unir porque brancos. No Oriente Médio, os árabes não se matam porque são árabes. Mas também não veem motivos para se unir porque árabes…
Qualquer pessoa tem, hoje em dia, acesso a essas informações. Bispo também. O que me causa espanto não é a mensagem que ele me enviou. Estupefaciente, aí sim, é seu silêncio — e de grupos congêneres — diante da agressão de que foi vítima o ministro Joaquim Barbosa. Não é preciso grande esforço para entender o que disse João Paulo. Ele nem mesmo tentou ser sutil. Foi, aliás, de uma clareza arreganhada. Eu discordei de uma fala de Barbosa, mas não questionei suas credenciais para ser ministro do Supremo. Ao contrário: enfatizei o mérito que o conduziu até o topo da carreira do Judiciário. Mas e o petista? E o que anda pelos blogs sujos e “progressistas”?
Não obstante, o tal Bispo tem a boca torta pelo cachimbo. Em vez de reagir ao que disse um deputado federal, que já foi presidente da Câmara — terceiro da linha de sucessão do Executivo —, ele resolveu me atacar. Afinal, ainda que possa ter discordâncias episódicas com o PT e com um petista, trata-se de um militante que redigiu, em companhia de outros, um manifesto em defesa da candidatura de Dilma Rousseff à Presidência em 2010. No texto, eles faziam algumas reivindicações (conforme a redação original):
“Que [Dilma] não mande mais dinheiro do Plano Nacional de Segurança Publica, para as polícias estaduais continuarem matando jovens negros, sem cobrar o respeito aos direitos humanos e da cidadania. Não precisando agradar mais os ruralistas;” 
(…)
“Uma política salarial que resguarde uma diferença máxima de 12 vezes, entre o menor e maior salário recebido no pais, no setor privado e publico, inclusive entre as autoridades dos três Poderes;”
Pois é… A primeira foi cumprida à risca por Dilma e José Eduardo Cardozo, não é, Bispo? O resultado se conta em cadáveres — muitos deles são cadáveres de… negros! Quanto à segunda… Dizer o quê? Por que ele escolheu 12 e não, sei lá, 6 ou 18? Não tenho a menor ideia…
EncerrandoPode vibrar, rapaz! Amanhã, logo cedo, sua caixa de e-mails, as redes sociais, o SMS… Vai ser aquele alvoroço: “O Reinaldo caiu no truque e respondeu à provocação!”. É…, de vez em quando, faço isso mesmo. Mas o faço, desta feita, para evidenciar a sua covardia intelectual. Você e muitos de seus pares militantes, não eu, estão permitindo que uma corrente de difamação ideologicamente orientada associe, de forma depreciativa, traços de comportamento de Barbosa à cor de sua pele. Pior: querem atribuir ao ministro, porque negro, uma pauta sobre a qual ele estaria impedido de opinar livremente.
E Bispo, livre como um táxi, resolve atacar… Reinaldo Azevedo!
Não o convido a ter vergonha, meu senhor, porque isso, definitivamente, é matéria que diz respeito a cada indivíduo, homem ou mulher, branco ou preto, gay ou hétero, corintiano ou palmeirense… Nesse ritmo, os movimentos militantes ainda concederão uma carteirinha a certas correntes ideológicas, facultando-lhes a licença para o racismo e a injúria racial. 
Vá lá, Bispo, pode correr para o abraço!
Texto publicado originalmente às 4h08
Por Reinaldo Azevedo

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

José Eduardo Cardozo virou agora “supernanny” de corruptos?



Patriotas sérios e de ar compenetrado como José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, já vi muitos. Até a semana passada, ele estava empenhado em “oferecer ajuda”, por meio da imprensa, para São Paulo “enfrentar” a violência. Não ficou claro, até agora, que ajuda seria. Nem precisa. O seu objetivo e o do jornalismo que lhe deu trela era mesmo satanizar a gestão adversária. Deu certo! No coroamento da patuscada, João Santana lançou a candidatura de Lula ao governo de São Paulo.  Ah, sim: para as demais 26 unidades da Federação com taxas de homicídio superiores às de São Paulo, Cardozo  não tem proposta nenhuma… Ao fazer essa lembrança, estou caracterizando uma moral privada e uma ética pública.
Abaixo, reproduzo um post de Lauro Jardim na coluna “Radar”. Volto em seguida.
Cardozo na blindagemRosemary Noronha já tem muito a agradecer a José Eduardo Cardozo. Embora não tenha atendido o seu telefonema na manhã do dia da operação Porto Seguro, é ele quem está cuidando da blindagem dela no Senado. Cardozo passou o dia em contato com parlamentares da base aliada. A ordem é: não admitir a convocação de Rose e, se possível, dos irmãos Rubens e Paulo Vieira . Como se sabe, a primeira batalha foi ganha.
O segundo capítulo da guerra será amanhã, na sessão da CCJ. E Cardozo continua na luta. Por isso, está conversando com seus pares e lembrando que o potencial ofensivo de um eventual depoimento de Rose no Congresso é incalculável. A avaliação é que Rosemary não tem nenhum preparo para suportar a pressão dos opositores ao governo. Além disso, após a operação da Polícia Federal, Rose perdeu o pouco que tinha, menos a solidariedade dos petistas, claro.
A base aliada já entendeu. Obviamente, o ideal é blindar todo e qualquer membro do governo, mas, se não der para vencer todas, que o Congresso ouça apenas os caciques de AGU, ANA, Anac e até o próprio Cardozo. No caso dos comandantes das agências reguladoras e da AGU, a questão crucial são os pareceres emitidos. E acredita-se que Luís Inácio Adams, Marcelo Guaranys e Vicente Andreu Guillo darão conta de atenuar os danos do bombardeio a que eles seriam submetidos, seja na Câmara ou no Senado. Já no tópico Rosemary, o risco não está na caneta, mas na língua. Se ela resolver abrir a boca, sai de baixo.
VolteiQue papelão, não?! O homem que, até a semana passada, se mostrava tão empenhado em supostamente defender os paulistas da sanha dos bandidos; que aparecia em certa imprensa como um espécie de paladino da segurança pública, falando apenas em nome do bem, do belo e do justo, agora se dedica a uma operação partidária das mais mesquinhas: impedir o depoimento da tal Rosemary e, pasmem!, do próprio Paulo Vieira, apontado como chefe da quadrilha instalada no coração do poder.
Aí há sempre aquele que não ligou ainda lé com lé, cré com cré. “Ué, não entendi por que você falou daquele Cardozo da Segurança Pública para poder falar deste outro, que virou supernanny de corrupto…” Eu explico. Estou deixando claro que, tanto lá como cá, tanto antes como agora, ele cumpria uma tarefa partidária, não uma tarefa de homem de estado.
Como e por que um ministro da Justiça se mobiliza para impedir o depoimento ao Parlamento de larápios flagrados em delito? Em nome do quê? O PT e os partidos da base não dispõem de líderes na Câmara e no Senado? Se a questão é, assim, tão delicada para o Planalto, há os próprios líderes do governo nas duas Casas. Por que há de ser o ministro da Justiça?
É um acinte que seja Cardozo a assumir essa função quando a Polícia Federal, que conduziu a investigação até aqui, é subordinada à pasta de que ele é o titular. No poder, o PT só não faz coisas de que até Deus duvida porque Deus não duvida de nada; já viu iniquidades maiores. Mas que os homens de bom senso e de boa índole se escandalizam, ah, isso se escandalizam…
Por Reinaldo Azevedo

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Depois do Mensalão



Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 17 de outubro de 2012
          
 Agora que os mensaleiros estão no fundo do poço, não cessam de erguer-se vozes indignadas de petistas, comunistas e socialistas fiéis que os condenam como oportunistas e traidores. Mas por que deveria algum líder ou militante ser atirado à execração pública pela simples razão de ter cumprido à risca a sua obrigação de revolucionário? Não é certo que a estratégia marxista-leninista ordena e determina não só atacar o Estado burguês desde fora, mas corrompê-lo desde dentro sempre que possível para em seguida acusá-lo de depravado e ladrão e substituí-lo pelo Partido-Estado? Não é notório que, na concepção mais ampla e sutil de Antonio Gramsci, inspirador e guia da nossa esquerda há meio século, a corrupção do Estado não basta, sendo preciso estendê-la a toda a sociedade, quebrantar e embaralhar todos os critérios morais e jurídicos para que, na confusão geral, só reste como último símbolo de autoridade a vontade de ferro da vanguarda partidária? Não é óbvio e patente que, se na perspectiva gramsciana o Partido é “o novo Príncipe”, ele tem a obrigação estrita de seguir os ensinamentos de Maquiavel, usando da mentira, da trapaça, da extorsão, do roubo e do homicídio na medida necessária para concentrar em si todo o poder, derrubando pelo caminho leis, instituições e valores?  
        Na perspectiva marxista, nenhum dos artífices do Mensalão fez nada de errado, exceto o crime hediondo de deixar-se descobrir no final, pondo em risco o que há de mais intocável e sagrado: a boa imagem do Partido e da esquerda em geral.
        Para não perceber uma coisa tão evidente, é preciso desviar os olhos para os aspectos mais periféricos e folclóricos do episódio, apagando da memória a essência, a natureza mesma do crime cometido. Que foi, afinal, o Mensalão? Uma gigantesca operação de compra de consciências. E para quê as consciências foram compradas? Para enriquecer os srs. José Dirceu, Genoíno, Valério e mais alguns outros? De maneira alguma. Foram compradas para neutralizar o Legislativo e concentrar todo o poder nas mãos do Executivo, portanto do Partido dominante. Que pode haver de mais leal, de mais coerente com a tradição marxista?
        Toda a geração que, cinqüentona ou sessentona, chegou ao poder nas últimas décadas foi educada num sistema moral onde as culpas pessoais são insubstantivas em si mesmas, dependendo tão-somente da cor política e transmutando-se em virtudes tão logo tragam vantagem ao “lado certo” do espectro ideológico. Bem ao contrário: segundo o que essa gente aprendeu desde os tempos da universidade, qualquer concessão à “moral burguesa”, se não é útil como jogo-de-cena provisório, é delito maior que a consciência revolucionária não pode tolerar. Nessa ótica, que pode haver de mau ou condenável em juntar dinheiro por meios ilícitos para comprar consciências burguesas e forçá-las a trabalhar, volens nolens, para o Partido Príncipe? Uma vez que se abandonou a via da revolução armada – não por reverência ante a vida humana, mas por mera oportunidade estratégica --, que outro meio existe de instaurar a “autoridade onipresente e invisível” senão a corrupção sistemática dos adversários e concorrentes?
        Não faltará quem, movido pela incapacidade geral brasileira de conceber que um político, ao meter-se em tal embrulho, o faça movido por ambições muito mais vastas que o mero desejo de dinheiro, levante aqui a objeção: Mas os mensaleiros não ficaram ricos?
        Ficaram, é claro, mas desejariam vocês que eles depositassem todo o dinheiro sujo na conta do Partido, atraindo suspeitas sobre a própria organização em vez de protegê-la sob suas contas pessoais como bons agentes e testas-de-ferro? Ou desejariam que, de posse de imensas quantias, continuassem levando existências modestas, dando a entender que eram apenas paus-mandados em vez de expor-se como vigaristas autônomos e bandidos comuns sem cor política, que é como agora são vistos por uma opinião pública supremamente inculta, sonsa e – novamente -- ludibriada?
        Pois induzir o povo a vê-los exatamente assim, salvaguardando a boa reputação do esquema de poder partidário que os criou e ao qual serviram, é precisamente o objetivo de toda essa corja de moralistas improvisados que agora os cobre de impropérios em nome da pureza e idoneidade da esquerda.
        Os mensaleiros não são, é claro, bodes expiatórios inocentes. São culpados parciais incumbidos de pagar sozinhos pela culpa geral de uma organização que há trinta anos vem usando do discurso moral, com notável eficiência, como disfarce e instrumento do crime.
        Os que agora tentam se limpar neles são ainda piores que eles. Pois o que fazem é tentar levar o povo a esquecer que os mensaleiros de hoje são os moralistas de ontem, os mesmos que, nas CPIs dos anos 90, brilharam como paladinos da lei e da ordem, enquanto já iam preparando, sob esse manto cor-de-rosa, o esquema de poder monopolístico do qual o Mensalão viria ser nada mais que instrumento. E para que fariam isso, se não fosse para aplanar o terreno para novos e maiores crimes?
        Se os indignados porta-vozes do antimensalismo esquerdista tivessem um pingo de sinceridade, teriam se insurgido, anos atrás, contra o acobertamento petista das Farc, organização terrorista e assassina, perto de cujos crimes o Mensalão se reduz às proporções de um roubo de picolés num carrinho da Kibon. Como não o fizeram, a narcoguerrilha colombiana cresceu até tornar-se, sob a proteção do Foro de São Paulo, a maior distribuidora de drogas no mundo, prestes a receber do sr. Juan Manuel Santos, sabe-se lá em troca de quê, as chaves do poder político.

Lula, o “homem cordial”, não concedeu passaporte diplomático apenas à sua família nuclear, não; Rose também tinha o seu. Assim, sim!


Lula já confessou que dormiu lendo Chico Buarque. A esperança de que fique acordado lendo o pai de Chico, Sérgio Buarque de Holanda, um intelectual respeitável, é inferior a zero. Está tudo lá, insisto, em “Raízes do Brasil”. Lula é o emblema do “homem cordial”, do homem incapaz de separar as questões públicas das privadas.

E é, também, emotivo, naquela particular maneira de que trata Sérgio… Não pensem que ele concedeu passaporte diplomático apenas à sua família, como posso chamar?, nuclear, não! Eis aí um homem inclusivo, que põe o coração e as emoções acima da razão e não reconhece como legítimos os limites do estado burocrático e impessoal. Também Rosemary Nóvoa Noronha tinha o seu passaporte vermelho, como informam Matheus Leitão e Rubens Valente na Folha de hoje. Não por acaso. A apenas chefe do escritório da Presidência em São Paulo acompanhou Lula a 30 compromissos no exterior, totalizando 23 países. Sabem como é… A equipe de Lula em Brasília era pequena, carente de mão de obra especializada. Segue trecho da reportagem.
*
A Presidência da República concedeu um passaporte que prevê tratamento especial a Rosemary Nóvoa de Noronha em viagens internacionais para acompanhar Luiz Inácio Lula da Silva, então titular do Palácio do Planalto. Entre 2007 e 2010, ela viajou com o então presidente para 23 países, em virtude de pelo menos 30 eventos -de posses de presidentes a encontros de chefes de Estado. Rose, como é conhecida, ex-chefe do escritório regional da Presidência em São Paulo, foi indiciada na semana passada na Operação Porto Seguro da Polícia Federal.
Ela é acusada de fazer parte de uma organização infiltrada no governo para obtenção de pareceres técnicos fraudulentos. No sábado, Rose foi exonerada do cargo de confiança que ocupava. Em janeiro de 2007, a pedido da Presidência, o Ministério das Relações Exteriores concedeu a ela um passaporte diplomático, conhecido como “superpassaporte”. Caracterizado pela capa vermelha, ele é destinado a poucas autoridades. O documento, emitido sem custo para o titular, permite acesso a fila de entrada separada nos aeroportos e torna dispensável o visto nos países que o exigem. O tratamento tende a ser menos rígido.
O passaporte de Rose esteve válido até 31 de dezembro de 2010, véspera da posse da presidente Dilma Rousseff. Em 2011, o documento não foi renovado. Não há registro de viagens internacionais de Rose a serviço do governo desde então.
(…)
Por Reinaldo Azevedo

sábado, 24 de novembro de 2012

O PT rasga a fantasia: “Negro filho da mãe! Negro traidor! Negro que não carrega bandeira! Negro vira-casaca! Negro ingrato! Negro negro!”



A questão sempre rondou as más consciências, era enunciada de modo oblíquo, falada nos cantos, nos becos, nas bocas, nas tocas — como diria o sambista… Era sugerida, mas jamais pronunciada. Ontem, finalmente, o ainda deputado João Paulo Cunha (PT-SP), condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, rasgou a fantasia e o verbo, revelou o que realmente pensa o PT, deixou aflorar seu [do partido] racismo asqueroso e primitivo. Inconformado com a atuação do ministro Joaquim Barbosa, que assumiu nesta quinta a presidência do STF, Cunha mandou ver: “[Barbosa] Chegou [ao Supremo] porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de reparar um pedaço da injustiça histórica com os negros”.
Que nojo de João Paulo Cunha!
Já explico onde estava este senhor quando vomitou o racismo de seu partido. Quero me ater um pouquinho ao conteúdo de suas palavras porque elas provam, por A mais B, algumas considerações que andei fazendo neste blog, ao longo dos anos, sobre a questão racial.
No dia 11 de outubro de 2011, escrevi um texto sobre a relação que o PT mantém com as chamadas minorias. Lá se pode ler este trecho (em azul):
Será mesmo o PT um partido especialmente afeito à defesa das mulheres, dos negros, dos gays, dos direitos humanos  – de grupos e temas, enfim, que seriam discriminados pela sociedade “reacionária”? Uma ova! Essa gente tem é um desprezo solene por todas essas causas e só as utiliza como instrumento de sua luta pelo poder. O PT defende, sim, o negro, desde que esse negro carregue a bandeira do partido – se não for assim, o sujeito é acusado de “preto de alma branca”. O PT defende, sim, a mulher, desde que ela carregue a bandeira do partido – se não for assim, ela é acusada de agente de machismo. O PT defende, sim, os gays, desde que o gay carregue a bandeira do partido; se não for assim, ele será acusado de bicha reacionária.
Bingo!
Pensemos na enormidade da fala de João Paulo, que representa o pensamento da ampla maioria do PT e de Lula — que também já andou cochichando essa ignomínia por aí em versos, trovas e palavrões, como é de seu hábito.
Na formulação petista, Joaquim Barbosa não chegou ao Supremo por seus méritos, mas porque é preto. Assim, quem o nomeou ministro foi a vontade de Lula, que lhe teria prestado, então, um favor, fazendo uma concessão a uma “raça” — afinal, sabem como é, o PT é contra as injustiças… Mais: por ser negro, Barbosa estaria impedido de julgar segundo os autos, as leis e a sua consciência. A cor da pele lhe imporia, logo à partida, um determinado conteúdo. É por isso, ministro Joaquim Barbosa, que critiquei tão duramente a resposta que Vossa Excelência deu a um repórter. Ainda que ele pudesse estar fazendo uma provocação, condicionar a visão de mundo das pessoas à cor de sua pele é manifestação do mundo das trevas intelectuais, que é de onde parte a fala de João Paulo.
Lula, o PT e os petistas esperavam um negro grato, de joelhos, beijando a mãos dos nhonhôs. Queriam um Joaquim Barbosa doce como uma negro forro, que se desfizesse em amabilidades com o seu ex-senhor e se sentisse feliz por ter sido um dos escolhidos da senzala para receber o galardão da liberdade. Em vez disso, o que se tem, na visão dos petistas, é um negro ingrato, que decidiu olhar a lei, não quem o nomeou; que decidiu se ater aos crimes cometidos pelos réus, não à cor de sua própria pele; que decidiu seguir as regras do estado democrático e de direito, não o projeto de poder de um partido.
Negro filho da mãe!
Negro traidor!
Negro que não carrega bandeira!
Negro vira-casaca!
Negro ingrato!
Negro negro!
Não é de hoje, certamente, que Barbosa recebe pressões. Agora entendo com mais precisão uma resposta que deu numa entrevista concedida à Folha em 2008:
“Engano pensar que sou uma pessoa que tem dificuldade de relacionamento, uma pessoa difícil. Eu sou uma pessoa altiva, independente e que diz tudo que quer. Se enganaram os que pensavam que, com a minha chegada ao Supremo Tribunal Federal, a Corte iria ter um negro submisso. Isso eu não sou e nunca fui desde a mais tenra idade. E tenho certeza de que é isso que desagrada a tanta gente. No Brasil, o que as pessoas esperam de um negro é exatamente esse comportamento subserviente, submisso. Isso eu combato com todas as armas.”
Voltemos a João Paulo e aos petistas. Assim como um escravo dependia da boa vontade de seu dono para obter a alforria, esses meliantes morais estão a dizer que Barbosa dependeu da boa vontade de Lula para ascender ao Supremo. Como ele ousa jogar a lei na cara daquele que tem a certeza de que lhe fez um favor e uma concessão?
Raramente um negro foi tão ofendido por um partido! Raramente os negros como um todo foram tratados com tanto desdém. Que desastre moral para boa parte dos movimentos negros, que certamente se calarão porque funcionam como esbirros do petismo! Este, se querem saber, é o pior de todos os racismos. A besta ao quadrado que sai por aí a vomitar injúrias raciais de modo explícito não é, ao menos, cínica. Os que cobram de um negro a fatura por tê-lo nomeado para a corte suprema do país — onde a única coisa decente a fazer é ser independente — deixam claro que usam as causas apenas como instrumento de poder.
O PT é craque nisso! Lembrem-se que campanhas eleitorais de Lula e de Dilma reuniram cotistas e bolsistas do ProUni — um programa federal, que não pertence ao governo, mas ao Estado — para que expressassem a sua gratidão a seus “benfeitores”, a seus “donos”, a seus nhonhôs… O país do PT não é aquele dos homens livres. O partido só entende a linguagem da ordem e do pau-mandado, como sabe o relator da CPI do Cachoeira, Odair Cunha (PT-SP), que entrega a redação do relatório ao comando de seu partido para que tente as suas vendetas.
Barbosa que se cuide! O ódio dessa gente não é pequeno. A qualquer momento a sua reputação pode ser alvo de um franco-atirador do mundo das denúncias.
Achincalhe da JustiçaJoão Paulo disse aquela enormidade numa “plenária” feita em Osasco para satanizar o STF e declarar a inocência dos mensaleiros, a que compareceram José Dirceu e José Genoino. Rui Falcão, presidente do PT, e os deputados Jilmar Tatto (SP), líder do PT na Câmara, e Arlindo Chinaglia (SP), líder do governo na Casa, faltaram.
Dirceu pregou abertamente o confronto com o Supremo. Mais do que isso: segundo entendi, quer o tribunal submetido a júri popular, à moda maoísta: segundo ele, o PT deve ir às ruas para “fazer o julgamento do julgamento”. Huuummm… Quanto mais trela lhe dá o jornalismo que lhe serve de porta-voz, mais valente ele fica. Daqui a pouco, o Marcola e o Fernandinho Beira-Mar também proporão formas de luta contra o Judiciário.
Dirceu deixou claro que não aceita as decisões da Justiça de seu país. Conclamou: “É preciso ir as ruas, discutir, debater o que esta acontecendo. Não aceitamos. Estamos revoltados e indignados e somos vítimas de um julgamento injusto”. É evidente que o homem ultrapassou a linha da crítica e do direito a manifestações. Está pregando abertamente a resistência a uma decisão da Justiça. E isso, como sabem, é crime!
Por Reinaldo Azevedo

sábado, 17 de novembro de 2012

Diário da Dilma: Malandro é o curupira, que só faz gol de calcanhar


PUBLICADO NA EDIÇÃO DE NOVEMBRO DA REVISTA PIAUÍ
1º DE OUTUBRO ─ Só confusão essa gente me apronta! Queria muito ter ido ao velório da Hebe. Até minha mãe queria ir comigo. Não pude e até já esqueci o que me inventaram no dia. Provavelmente um desses encontros que o Patriota me agenda com vice-ministro da bauxita do Mali.
2 DE OUTUBRO ─ Lembrei: o Mali foi na antevéspera, ontem foi comício para empurrar candidato do PT. Depois vem o Lula fazendo aquela discurseira de que o PT é povo. Um velório daqueles não se perde!
Tô cheia de usar vermelho por causa desses comícios! Encomendei uns blazers bacanas de verão, laranja, azul Klein, rosa-choque, mas o Lula insiste em me botar de vermelho. Pareço um tomate.
3 DE OUTUBRO ─ Pelas saias rodadas de Evita! Que vexame esse apagão, menina! Os nossos jogadores ali, parados no escuro, com medo de assalto. Nessas horas é que dou graças a Deus de o Moreno estar nas Minas e Energia. Cada vez que o vejo, penso: ali caminha a síntese perfeita da distinção com a competência. O que impressiona é que a Cris não está nem aí. Essa mulherzinha ainda vai dar trabalho, pode escrever.
Ratinho Jr. francamente. E eu simpatizava com Curitiba.
4 DE OUTUBRO ─ Que fiasco o Obama no debate! Logo ele, tão engraçadinho, tão espirituoso… Foi como se, antes de entrar no palco, ele e Serra tivessem trocado de carisma. Andaram me dizendo que ele e a Michelle estão meio assim-assim. Isso me deixou triste, eles são um casal tão bem.
A Ideli não confessa, mas é louca pelo Romney. Cada vez que a tevê dá um close naquele queixo talhado a buril, ela dá uma tremelicada. É sutil, mas eu percebo.
5 DE OUTUBRO ─ Sabe onde me enfiaram agora? Na exposição de um tal de Cara-vaggio! Legal até, mas o povão está interessado nisso? Tive de fazer biquinho e cara de raciocínio, o que é péssimo para as comissuras. Vou mandar a conta do refil do botox para a União e não quero nem saber.
Por falar em biquinho, deixei bem claro que meto o meu onde quero. Recado com duplo destinatário: o entojo do Serra e o espaçoso do Lula.
6 DE OUTUBRO ─ Cheguei em Porto Alegre, mas ainda não decidi em quem vou votar. Tem candidato do PT aqui? Vim mesmo pra ver Gabrielzinho, senão justificava lá de Brasília.
Olha que fofura: perguntei pro Gabrielzinho em quem devia votar. “Gan-gán stái-le!” Pitchuco! Aflição de lindeza! Se ainda fosse cédula, votava no coreano gorducho.
7 DE OUTUBRO ─ Pena o Hugo Chávez não ter uma Dilminha para poder revezar um pouco. O povo acaba cansando, sabe?
Haddad entrou. Raios. Lá vou eu de novo tirar do armário aquele camisolão vermelho.
8 DE OUTUBRO ─ Não foi dessa vez que ganhei o Nobel. Mas faturei o Prêmio Claudia 2012! Mandela tem? Não. Kofi Annan tem? Não. Obama tem? Não. Sorry, periferia, talk to the hand…
9 DE OUTUBRO ─ Recebi o presidente da Irlanda. Sempre fico confusa e nunca sei a diferença entre Grã-Bretanha, Reino Unido e País de Gales. Conversamos sobre o Bono, que o Patriota me soprou que é de lá. É raro, mas às vezes o Itamaraty ajuda.
10 DE OUTUBRO ─ Ainda não sei o que vou dar para o Gabrielzinho de Dia das Crianças. Um laquezinho da Turma da Mônica? Um cargo comissionado? Uma festinha temática do coreano gorducho? Presidenta tem que tomar decisões importantes o tempo todo. Exemplo: depois do ministério da Marta, vai me sobrar o Chalita. Se tivesse um ministério do Santo Terço, estava feito.
11 DE OUTUBRO ─ Hum, hum, hum… o Palocci está se fazendo de bobo e vem nas reuniões com o Lula. Já estou sentindo o tamanho da encrenca!
12 DE OUTUBRO ─ Mandei a Abin descobrir quem matou o Max. Não aguento esse suspense! Eles disseram que iam dar um jeito. “Dar um jeito…” Vê se pode! Mandei avisar: quem quebra galho é macaco gordo! Chega de improvisos!
13 DE OUTUBRO ─ “Lua minguante em Libra: mantenha distância emocional para lidar com os assuntos que surgirem no período. Ponha-se no lugar do outro. Não é hora de exageros ou atitudes radicais. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Boa lua para casar.” Mamãe assinou a revista Claudia. Tenho me sentido melhor.
14 DE OUTUBRO ─ Comentei com o pessoal na tranca sobre esse neto do Arraes. O franguinho de olho verde está colocando as manguinhas de fora! E o Lula me fez o favor de armar aquela patuscada no Recife. O homem está perdendo a mão. É por essas e outras que ele não é sequer cogitado pelo júri do Prêmio Claudia.
15 DE OUTUBRO ─ De onde foi que esse janotinha do Eduardo Paes tirou a ideia de sugerir o Cabral no lugar do Temer em 2014? Que coisa mais fora de hora! Só pela ideia, já tive de criar doze cargos para o PMDB! E vem mais por aí. O Temer quer uma vaga no STF. Ele acha que o Supremo está muito em foco, precisa do PMDB lá…
16 DE OUTUBRO ─ Hoje tem show de Caetano e Gil aqui em Brasília. Adoro os dois. Tomara que cantem as canções mais fáceis. Certa vez, numa ação, quase fiquei para trás de tão encafifada que estava com essa história de amanhecer tomate e anoitecer mamão. Quando dei por mim, a Kombi já estava arrancando e eu ali, solfejando feito uma tonta, a minutos de a tigrada chegar.
17 DE OUTUBRO ─ Tadinho do Zé Dirceu. Será que tem consulado do Equador em São Paulo?
O que eram aqueles vestidos rosa chiquerérrimos das primeiras-damas americanas no debate? Elas combinaram? Estou por fora de alguma nova tendência?
18 DE OUTUBRO ─ Minha Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus! Lobão foi internado! Será que foi overdose de charme? Ou foi alergia àquela tintura “Asa da Graúna” intensidade 21? Onde está o Kalil que não atende?
Deu no Twitter: parece que ele sentiu febre e mal-estar. Garanto que saiu na friagem de Manaus sem levar agasalho. Esse homem nunca pensa em si; é só trabalho, trabalho, trabalho.
19 DE OUTUBRO ─ O pessoal da Abin deixou um relatório aqui. Parece que interrogaram o João Emanuel Carneiro. Disseram que, se ele não entregasse, forçariam a Globo a transferi-lo para Malhação. Fizeram bem. Estou com o nome. Só para garantir, mandei a Helena confirmar com o Octávio Florisbal. Como era caso consumado, ele não só confirmou como fará a gentileza de me mandar o capítulo para a Bahia. Vou assistir antes do comício; dependendo do clima, incendeio a militância revelando o nome ali mesmo.
21 DE OUTUBRO ─ Daqui a pouco esse Joaquim Barbosa me alcança em popularidade. O homem vai ganhar uma estátua em Higienópolis. Ele soube aproveitar o momento: malandro é o curupira, que só faz gol de calcanhar.
22 DE OUTUBRO ─ Preciso arrumar tempo pra fazer uma hidratação no cabelo. Aquela nuvem tóxica de laquê ainda acaba me deixando careca. O pior é que o cabelo não desarma nem lavando. O bom é que posso tomar chuva sem perder a pose, funciona como uma marquise.
23 DE OUTUBRO ─ Avenida Brasil exaltava a nova classe C. Agora, o tema da nova novela é a pacificação das favelas. Nunca antes na história deste país um governo fez tanto pela teledramaturgia.
24 DE OUTUBRO ─ Gente, chá de hortelã ajuda a melhorar a azia. Lembrete: avisar ao cerimonial para levar na próxima viagem a país esquisito.
26 DE OUTUBRO ─ Vou oferecer um ministério para o PSDB se eles prometerem escolher o Serra para a próxima eleição presidencial.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

“Nenhum dano decorrente da liberdade de imprensa é maior que os que ela ajuda a evitar”

Na sexta-feira, a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da CNA (Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária), publicou um excelente artigo na Folha sobre liberdade de imprensa e o tal “controle social da mídia”, uma das lutas a que se dedicam patriotas como José Dirceu e Rui Falcão. Leiam o texto.
Obsessão por censura
Nada conspira mais contra a democracia que a relativização de seus valores -entre eles (e sobretudo), a liberdade de imprensa. A tentativa de submeter os veículos de comunicação a um “controle social” é uma forma oblíqua de censura, com o indisfarçável propósito de mantê-la subjugada politicamente.
No Brasil, esse controle é ainda uma proposta obsessiva de parte expressiva do PT. Na Argentina, na Venezuela e no Equador, países que se consideram democráticos, é uma trágica realidade.
A uniformidade dos discursos preocupa, sobretudo quando se sabe que obedece a uma articulação continental entre grupos políticos hegemônicos que postulam um mesmo projeto: uma América do Sul socialista.
Os resultados têm sido nefastos para a imprensa e para a democracia. Em face disso, no fim do mês passado, empresários de rádio e televisão de diversos países sul-americanos, reunidos na 42ª Assembleia-Geral da Associação Internacional de Radiodifusão (AIR), em Montevidéu, aprovaram o envio de missão especial à Argentina, no dia 7 do mês que vem, para acompanhar a entrada em vigor, naquele país, da nova Lei de Meios.
Essa lei, com pequenas variantes, já havia sido tentada aqui, quando da edição do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, há quatro anos, felizmente repelida pela presidente Dilma Rousseff ainda quando candidata.
Todas as tentativas de enquadramento da imprensa, ao longo da história -e não foram poucas-, resultaram numa mesma constatação: não é possível fazê-lo sem ferir o princípio básico da democracia, que é a liberdade de informação e expressão.
O único controle democrático sobre a mídia é o que está na lei, mais especificamente no Código Penal. Os crimes decorrentes de seu uso indevido são três: injúria, calúnia e difamação, já devidamente capitulados, e geram reparações que, no limite, podem levar o infrator a sair do mercado.
Liberdade, como é óbvio, não exclui responsabilidade penal para quem dela abusa. Mesmo assim, os que reclamam da imprensa o fazem como se não estivesse submetida a limites legais, o que tornaria indispensável providenciá-los. É esse, em síntese, o teor sofístico das sucessivas conferências de imprensa do PT.
A imprensa é um termômetro: mostra a febre, mas não a cria, nem a cura. Xingá-la, no entanto, tornou-se parte de um curioso processo de catarse, que só convence a quem dele carece.
O ex-presidente Lula mantém relações esquizofrênicas com o tema. Já reconheceu diversas vezes que deve sua projeção política à imprensa, que, ainda ao tempo do regime militar, o acolheu com entusiasmo, como liderança popular emergente, arrostando riscos.
Mas diz que os jornais lhe dão azia, que o combatem injustamente e coisas afins, esquecido de que essas críticas convivem lado a lado, e em franca desvantagem numérica, com os que o louvam. Não há uníssono na imprensa.
A propósito, é improvável que haja um segmento da sociedade brasileira tratado com mais severidade -e frequentemente com injustiça- que o dos produtores rurais, em regra apresentados como vilões e retrógrados.
Não obstante, não se registra uma única declaração de suas instituições reclamando da imprensa ou pedindo restrição ao seu livre exercício. Nossa opção é democrática: o debate, o exercício do contraditório.
Hoje, com a internet, não há notícia que escape de divulgação. Se houver alguma informação alvo de sabotagem generalizada na mídia convencional -algo altamente improvável-, acabará vazando pela internet e chegando ao público.
Outra lenda: o monopólio das TVs, ponto central e recorrente dos questionamentos.
Há, no Brasil, em pleno funcionamento, nada menos que cinco redes nacionais privadas (Globo, Record, SBT, Bandeirantes e Rede TV!), além de emissoras educativas estatais e redes regionais, sem contar as TVs por assinatura.
Não há monopólio. Há liderança, que só pode ser quebrada mediante opção do telespectador.
Qualquer outra medida implica censura. Uma coisa é certa: nenhum dano decorrente da liberdade de imprensa é maior que os que ela ajuda a evitar

Bernard Lewis aos 95

Bernard Lewis, um dos meus heróis intelectuais, escreveu finalmente as suas memórias. Aos 95 anos. Intitulam-se "Notes on a Century: Reflections of a Middle East Historian" (notas sobre um século: reflexões de um historiador do oriente médio, W&N, 400 págs.) e raros foram os livros que me deram tanto prazer intelectual em 2012.
Li Lewis devagar, como quem tem medo que o livro acabe depressa. E quando cheguei ao fim, voltei ao início com a mesma cadência lenta.
A palavra que se aplica ao senhor é coragem: durante mais de 70 anos, Lewis foi "primus inter pares" dos historiadores do Oriente Médio. Leu tudo, escreveu sobre tudo, conheceu meio mundo, viajou por outro meio. E nunca se refugiou nas piedades politicamente corretas que contaminam o discurso sobre a matéria.
Um "orientalista", como lhe chamou pejorativamente Edward Said, interessado em construir representações falaciosas sobre o outro para melhor o dominar?
Aos 95 anos, Lewis não perde tempo com latidos menores e Said é destruído em duas linhas: o Orientalismo, ensina o prof. Lewis sem levantar a voz, não começou com a colonização do islã pela cristandade. Curiosamente, começou antes: com a colonização da cristandade pelo islã. Se Said tivesse passado sete décadas a comer pó em arquivos, saberia disso. Adeus, Said.
Eis o ponto: para Lewis, o Ocidente é um fato cultural e civilizacional, não uma plataforma de guerrilha, a favor ou contra. E é tão arrogantemente absurdo atribuir ao Ocidente a culpa pelos males do mundo como era fazer do Ocidente o centro incomparável do mundo. Será preciso chegar aos 95 anos para escrever o óbvio? Para escrever que imperialistas e anti-ocidentalistas partilham o mesmo tipo de mentalidade eurocêntrica? Suspiros.
Até porque o Ocidente, na pena de Lewis, não ganha favores especiais, sobretudo quando os vícios superam as virtudes. Um exemplo: durante a Segunda Guerra Mundial, com a falta de comida no Norte de África, os soldados americanos enviaram produtos enlatados para a região. Como presunto e carne de porco. As populações locais, indignadas com a ofensa às mais basilares regras da dieta muçulmana, recusaram violentamente a generosidade de Washington. Os americanos não entenderam porquê.
Lewis conta episódios desses com a naturalidade de quem esteve lá: como soldado inglês e testemunha da ignorância dos ocidentais sobre uma civilização antiga, rica, complexa. E, como todas as civilizações, falível por definição.
Algumas das melhores páginas das memórias de Lewis lidam com o tema arcano da escravatura no mundo muçulmano. Sim, eu sei: falar da escravatura é falar uma vez mais do Ocidente, sempre do Ocidente, apenas do Ocidente, como se esse crime fosse propriedade exclusiva de homens brancos, cristãos e europeus.
Não é, não: a escravatura no Islã começou antes dos europeus e continuou depois dos europeus. Na Arábia Saudita, a prática foi abolida em 1962. Ontem, com a café da manhã.
E, a respeito da ignomínia, conta Lewis um episódio sobre o tráfico negreiro: aconteceu em Espanha, durante uma conferência sobre o tema. Lewis conversava com Patrick Harvey, outro "orientalista" célebre e um especialista na Espanha moçárabe.
Então surgiu em cena um estudioso afro-americano que resolvera rebatizar-se com um nome muçulmano. Lewis quis saber porquê. O outro disse-lhe: "Para renunciar aos nomes daqueles que nos compraram." Patrick Harvey, que escutava a conversa, comentou apenas: "E adotar os nomes daqueles que vos vendiam?"
A pena de Lewis é assim: pedagógica, breve e fulminante. Trata de pequenas coisas (o mandamento bíblico "não matarás" é, numa tradução mais rigorosa do hebraico, "não assassinarás", uma importante diferença) e trata das grandes coisas. Como as polêmicas contemporâneas sobre as guerras do Iraque, o conflito israelense-palestino e, "last but never least", a chamada "primavera árabe".
Lewis não se furta a nenhuma delas e aproveita o embalo para esclarecer os incréus. Sim, ele apoiou Bush (pai) na primeira guerra do Iraque. Não, ele não apoiou Bush (filho) na segunda guerra do Iraque. Em 1991, depois de libertarem o Kuwait, os americanos deveriam ter terminado o serviço em Bagdad. Não o fizeram. Esse "Kuwait Interruptus", como lhe chama Lewis, foi a causa dos desastres posteriores.
Como o desastre de 2003, quando Bush (filho) voltou a marchar contra Saddam Hussein. Em 2003, o caminho deveria ter sido outro: apoiar e reconhecer um "Governo Livre do Iraque" que, a partir do norte, trataria de derrubar Saddam por dentro. E apontar as baterias diplomáticas e até militares para o Irã, a maior ameaça para a paz na região.
Há quem discorde. E a discórdia bate sempre no mesmo argumento: se o Irã chegar à bomba, existe no regime iraniano uma "racionalidade" qualquer que o faria portar-se condignamente e evitar a destruição de Israel e a inevitável retaliação americana contra o Irã.
Eu próprio assisti várias vezes a esse debate: apesar de possuir armamento químico e biológico, Teerã nunca o usou contra Israel. Nem permitiu que o Hezbollah, no Líbano, ou o Hamas, em Gaza, o fizessem.
Infelizmente, arsenal nuclear altera as regras do jogo. E é precisamente pela natureza fulminante de um ataque nuclear que as comparações passadas com a "racionalidade" do regime não colhem para Bernard Lewis. Se o Irã chegar à bomba, escreve ele, os confortos da "destruição mútua assegurada", que aguentaram os cavalos durante a Guerra Fria, não funcionarão para um regime fanatizado e messiânico.
E Israel? E sobre o intratável conflito israelense-palestino? Uma vez mais, Bernard Lewis não se refugia em argumentos gastos. Prefere contar uma história sobre a história: em 1974, Yasser Arafat preparava-se para o seu discurso triunfal na Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Mas, a caminho de Nova York, o líder da OLP fez uma paragem em Túnis, capital da Tunísia, onde o presidente Habib Bourguiba o recebeu com um jantar. Depois do repasto, o líder tunisino ter-lhe-á dito: vá a Nova York e surpreenda tudo e todos ao aceitar a resolução 181 da ONU (informação: a resolução 181 recomenda o estabelecimento de um estado judaico e de um estado árabe na Palestina; foi com base nesta resolução que o estado de Israel foi proclamado em 1948).
Aceitar a resolução, explicou Bourguiba, obrigaria a ONU, os americanos e até os israelenses a aceitar um estado palestino independente.
Arafat recusou enfaticamente a sugestão. Ou era toda a Palestina, ou não seria Palestina nenhuma. Todos conhecemos o resto dessa história sangrenta. Foi Palestina nenhuma. Até hoje.
E hoje? Lewis, aos 95 anos, com sete décadas de estudo sobre o Oriente Médio, não poderia ficar em silêncio com a "primavera árabe", sobre a qual se escreveram longos tratados de analfabetismo histórico e sentimentalismo pueril.
Como escreveu o filósofo John Gray há uns tempos, faz parte da "fé progressista" acreditar nas virtudes terapêuticas de uma qualquer revolução. Acreditar, no fundo, que o derrube de um ditador acabará sempre por trazer a aurora de um regime decente e livre.
Lewis, tal como Gray, não compra essa versão dos fatos: sem o fortalecimento de uma sociedade civil digna desse nome e sem instituições políticas capazes de garantir direitos e liberdades fundamentais para a dignidade da pessoa humana, a "primavera" será tomada de assalto por radicais islâmicos interessados em parar, com violência e obscurantismo, qualquer processo de modernização do Islã.
Porque o Islã, explica Lewis, está ainda nos alvores de um caminho --social, cultural, econômico e religioso-- que a Europa já trilhou há mais de cinco séculos. O que significa que a religião tem uma importância pública e social --como fonte de autoridade, lealdade e definição de identidades-- como já não se vê na Europa depois das sucessivas vagas de modernidade que aportaram ao Velho Continente: do Renascimento à Reforma, do Iluminismo à Revolução Industrial.
E o Islã não beneficia de nenhum preceito religioso que, à semelhança do que sucedeu na Cristandade, seja capaz de dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César.
O caminho será longo. Se a "primavera árabe" falhar, e ela tem tudo para falhar, será um caminho interrompido.
Agora que os Estados Unidos reelegeram Barack Obama, alguém deveria enviar para Washington uma cópia das magistrais memórias de Bernard Lewis. Para que o presidente reeleito aprenda que, às vezes, o pior ainda pode estar por vir.
João Pereira Coutinho
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na versão impressa