Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 17 de dezembro de 2012
Não há nada que um comunista odeie
mais do que o companheiro-de-viagem frouxo, ou escrupuloso, que não o
acompanha em todos os seus desvarios, não endossa todas as suas
mentiras, não acoberta ou aplaude todos os seus crimes.
Uma vez que você lhe
deu alguma compreensão e ajuda, ele jamais o perdoará se você não
continuar a fazê-lo pelos séculos dos séculos, até o amargo fim,
sacrificando no caminho a honra, a consciência e até a capacidade
elementar de perceber o momento em que a tolerância a um erro se
transmuta em cumplicidade com um crime.
Se existe um direito
que todo comunista nega sistematicamente aos seus amigos e benfeitores, é
o de dizer: “É demais. Cheguei ao meu limite. Não posso lhe dar mais
nada.”
Para um comunista, a amizade que não consente em transformar-se em escravidão não é amizade: é traição.
É por isso que a Carta Capital, o Portal Vermelho, a Hora do Povo e
todos os outros canais por onde escoa a massa fecal comunista impressa e
eletrônica despejam agora todo o seu ódio sobre a “mídia burguesa” ou
“mídia golpista”, aquela mesma que, com seu silêncio obsequioso e
cúmplice, reforçado de tempos em tempos por negações explícitas, ajudou o
Foro de São Paulo a crescer em paz e segurança, escondidinho, longe dos
olhos da multidão curiosa, até tornar-se o dominador quase
monopolístico não só da política brasileira, mas de meio continente.
Essa mídia finge
surpresa e escândalo, agora, quando o depoimento de Marcos Valério e o
caso Rosemary terminam de revelar as dimensões oceânicas da sujeira
petista e rompem até a blindagem laboriosamente construída e mantida, ao
longo de pelo menos dezesseis anos, em torno da figura do sr. Luiz
Inácio Lula da Silva.
Mas quem quer que
lesse as atas do Foro, onde o impoluto cavalheiro aparecia presidindo
assembléias ao lado do sr. Manuel Marulanda, comandante da maior
organização terrorista e narcotraficante da América Latina,
compreenderia de imediato não estar diante de nenhum santo proletário,
mas sim de um leninista cínico, disposto usar de todos os meios lícitos e
ilícitos, morais e imorais, para aumentar o poder do seu grupo.
Se a população tivesse
sido alertada disso em tempo, a “era Lula”, com todo o seu cortejo de
crimes e abjeções, teria permanecido no céu das hipóteses, sem jamais
descer e realizar-se no planeta Terra. Não só a grande mídia, mas os
partidos “de direita”, as lideranças empresariais, as igrejas, os
comandos militares e até os propugnadores ostensivos da causa “liberal”,
todos unidos, sonegaram ao povo essa informação vital que teria posto o
país num rumo menos deprimente e menos vergonhoso.
Mas não foi só o Foro,
nem os podres de São Lula, que essa gente escondeu. Durante pelo menos
menos duas décadas, a versão esquerdista da história do regime militar
foi endossada e repetida fielmente em todos os jornais, canais de TV,
escolas e discursos parlamentares, até incorporar-se no imaginário
popular como uma espécie de dogma sacrossanto, a encarnação mesma da
verdade objetiva, acima de partidos e ideologias.
Nenhum “repórter
investigativo”, daqueles que vasculhavam até os últimos desvãos obscuros
da vida particular do sr. Collor de Mello, teve jamais a curiosidade de
perguntar o que fizeram em Cuba, ao longo de trinta anos ou mais, os
terroristas brasileiros que ali se asilaram. Quantos, por exemplo, à
imagem e semelhança do sr. José Dirceu, se integraram na polícia
política e nos serviços de espionagem da ditadura fidelista,
acumpliciando-se a atos de perseguição, tortura e assassinato político
incomparavelmente maiores e mais cruéis do que aqueles pelos quais
viriam depois a choramingar e exigir indenizações no Brasil?
Omitindo essa e outras
partes decisivas da história, nossa mídia e nossas “classes dominantes”
permitiram que uma visão monstruosamente deformada do passado se
incorporasse à linguagem usual da nossa política, deixando que
criminosos amorais e frios ostentassem diante do povo a imagem de
vítimas sacrificiais inocentes e obtivessem disso lucros publicitários e
eleitorais incalculáveis.
Qual o nome dessas
atitudes, senão “colaboracionismo”? Todos aqueles que tinham o poder e
os meios de barrar a ascensão comunopetista fizeram exatamente o
contrário: estenderam o tapete vermelho e, curvando-se gentilmente dos
dois lados da pista, deram passagem a quantos Lulas e Dirceus houvesse,
aplaudindo, como prova de grande evolução democrática, a tomada do país
por um bando de delinqüentes psicopatas, insensíveis e coriáceos, tão
hábeis na simulação de boas intenções quanto incapazes do menor
sentimento de vergonha e culpa, mesmo quando pegos de calças na mão.
Mas, é claro, um belo
dia até o estômago de avestruz do colaboracionista mais impérvio chega
ao limite da sua capacidade digestiva. Com toda a boa-vontade do mundo,
sorrindo, entre lisonjas e rapapés, o sujeito engoliu sapos e mais
sapos, depois cobras e lagartos e por fim jacarés. Mas então pedem-lhe
que engula um dinossauro, e ele por fim desaba: “Não, não agüento. Isso é
demais.”
Foi o que aconteceu com a nossa mídia (e a classe que ela representa) quando vieram as provas do Mensalão.
A reação brutal do
bloco lulocomunista expressa a indignação da criança mimada ante a
repentina supressão dos afagos usuais, que o tempo havia consagrado como
direitos adquiridos.