Sr. Arthur Chioro, os jovens brasileiros passam diversas
situações de emergência no campo da saúde pública – e duas delas dizem respeito
à psiquiatria porque de3correm de psicopatologias como profundo sentimento de
insegurança, de angústia e ansiedade, e também de transtornos de conduta se nos
estendermos à área da personalidade. Senhor Choro, são duas emergências em uma:
o uso clinicamente desnecessário de medicamentos para a disfunção erétil e a
utilização abusiva de bebidas alcoólicas. Esse coquetel anda circulando na
corrente sanguínea de um grande número de jovens. Pesquisa recente aponta que
31% dos homens no Brasil se valem de estimulante sexual, sendo que 62% o fazem
desnecessariamente e sem orientação médica.
Pura festa? Como médico e professor de medicina, o senhor,
Arthur Chioro, sabe que não. É doença: dor emocional causada pela ansiedade que
leva ao consumo inadequado de substâncias. Não é o medo de não conseguir a
ereção que move o jovem à ingestão de estimulantes sexuais, mas, sim, a
angústia que o atormenta: “se você ficar ansioso, vai falhar”. Basta isso e já
vem a ansiedade, basta isso e vem a tomada inadequada de excitante. Outros estudos,
professor, mostram que um em cada cinco homens que tomaram esse tipo de
medicação, sem dela precisar, passou a usá-la em todas as relações sexuais. É a
dependência psicológica instalada.
Para se ter ereção e atingir o prazer, que envolve o
neurotransmissor dopamina, é necessário que outro neurotransmissor, a serotonina,
esteja equilibrado (recaptação rápida demais causa depressão, recaptação lenta
demais causa excessivo relaxamento). É preciso ainda que haja “paz” suficiente
para a concentração de sangue na região genital e nenhuma ansiedade porque, se
ela estiver presente, o organismo produzirá mais adrenalina, o que impedirá a
ereção. Também a enzima PDES dará ordem, antes do tempo, para o sangue refluir.
Pois bem, o estimulante não atua como ansiolítico, ou seja, a ansiedade
permanece – e disposta a estragar tudo. Aqui entra a segunda substância do
coquetel: a bebida alcoólica que jovens e adolescentes tomam perigosamente como
ansiolítico. Estudo recente da OMS diz que os brasileiros estão bebendo em
média, anualmente, 8,7 litros de álcool puro. A média mundial é de 6,2 litros
por ano. O que parece ser o paraíso (relaxa-se com o álcool e excita-se com o
remédio) é encrenca das grandes: a bebida é depressora do SNC, interfere em uma
infinidade de neurotransmissores, inclusive na serotonina, no glutamato e no
ácido gama aminobutírico (estimuladores e inibitórias). A resposta é simples, e
não vale, professor Choro, eximir-se de sua função de médico e transferir o
problema para o âmbito legal, como se tudo isso fosse exógeno e não endógeno. A
balada virou doença, há pouco dias um garoto de 16 anos foi encontrado em coma
alcoólico numa festa open bar e no local havia estimulantes. Saudável o senhor
forçar o governo a investir em campanhas sobre esse tema na televisão,
cientificamente objetivas (sem a menor orientação moralista) – ainda que Dilma
Rousseff lhe tenha cortado do orçamento mais de R$ 1,1 bilhão. Chega,
professor, de a OMS dizer que abusamos de substâncias. A culpa não é dela. é do
governo que não investe devidamente em campanhas que contemplem a saúde
emocional dos jovens.
Antonio Carlos Prado, editor executivo da revista ISTO É.