quarta-feira, 29 de maio de 2013

‘A defesa da classe média’, um artigo de Rodrigo Constantino

PUBLICADO NO GLOBO DESTA TERÇA-FEIRA
Marilena Chauí

RODRIGO CONSTANTINO

Todos vimos, chocados, uma turba ensandecida invadindo agências da Caixa em diferentes estados, após rumores de suspensão do pagamento do Bolsa Família. Impressionou o fato de que a maioria ali era bem nutrida, em perfeitas condições de trabalho em um país com pleno emprego.
Uma  das beneficiadas pelo programa, em entrevista, reclamou que a quantia não era suficiente para comprar uma calça para sua filha de 16 anos. O  valor da calça: trezentos reais! Talvez seja parte do conceito de ”justiça social” da esquerda progressista garantir que adolescentes tenham roupas  de grife para bailes funk.
Não quero, naturalmente, alegar que todos aqueles agraciados pelas benesses estatais não precisam delas. Ainda há muita pobreza no Brasil, ao  contrário do que o próprio governo diz, manipulando os dados. Mas essa pobreza tem forte ligação com esse modelo de governo inchado,  intervencionista e paternalista.
O melhor programa social que existe chama-se emprego. Ele garante dignidade ao ser humano, ao contrário de esmolas estatais, que criam uma perigosa dependência. Para gerar melhores empregos, precisamos de menos burocracia, menos gastos públicos e impostos, mais flexibilidade nas leis trabalhistas, mais  concorrência de livre mercado e um sistema melhor de educação (não confundir com jogar mais dinheiro público nesse modelo atual).
O ex- presidente Lula criticava, quando era oposição, o “voto de cabresto”, a compra de eleitores por meio de migalhas, esquema típico do coronelismo nordestino. Quão diferente é o Bolsa Família, que já contempla dezenas de milhões de pessoas, sem uma estratégia de saída? Um programa que  comemora o crescimento do número de dependentes! O leitor vê tanta diferença assim?
A presidente Dilma disse que quem espalhou os boatos era ”desumano”, “criminoso”, e garantiu que o programa era ”definitivo”, para “sempre”. Isso diz muito. “Nada é tão permanente quanto uma medida temporária de governo”, sabia Milton Friedman. Não custa lembrar que o próprio PT costuma apelar para o ”terrorismo eleitoral” em época de eleição, espalhando rumores de que a oposição pode encerrar o programa. Desumano?  Criminoso?
Depois que o governo cria privilégios concentrados, com custos dispersos, quem tem coragem de ir contra? Seria suicídio político. Por isso ninguém toca no assunto, ninguém vem a público dizer o óbvio: essas esmolas prejudicam nossa democracia e não tiram essas pessoas da pobreza. As esmolas estimulam a preguiça, a passividade e a informalidade. Por que correr atrás quando o “papai” governo dá mesada?
O agravante disso  tudo é que os recursos do governo não caem do céu. Para bancar as esmolas, tanto para os mais pobres como para os grandes empresários favorecidos pelo BNDES, o governo avança sobre a classe média. É esta que paga o preço mais alto desse modelo perverso. Ela tem seu couro esfolado para sustentar um estado paquidérmico e “benevolente”.
Para adicionar insulto à injúria, não recebe nada em troca. Paga impostos  escandinavos para serviços africanos. Conta com escolas públicas terríveis, antros de doutrinação marxista. Os hospitais públicos também são péssimos. A infraestrutura e os meios de transporte são caóticos. A insegurança é total. Acabamos tendo que pagar tudo em dobro, fugindo para o  setor privado, sempre mais eficiente.
Como se não bastasse tanto descaso, ainda somos  obrigados a ver uma das representantes da esquerda, a filósofa Marilena Chauí, soltando sua verborragia em evento de lançamento de livro sobre  Lula e Dilma. Chauí, aquela que diz que o mundo se ilumina quando Lula abre a boca, declarou na ocasião: “A classe média é um atraso de vida. A  classe média é estupidez, é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista.”
É fácil dizer isso quando ganha um  belo salário na USP, pago pela classe média. Chauí não dá nome aos bois, pois é mais fácil tripudiar de uma abstração de classe. Mas não nos  enganemos: a classe média que ela odeia somos nós, aqueles que simplesmente pretendem trabalhar e melhorar de vida, ter mais conforto  material, em vez de se engajar em luta ideológica em nome dos proletários, representados pelos ricos petistas.
Pergunto: quem vai olhar por nós? Que partido representa a classe média? Com certeza, não é a esquerda das esmolas estatais bancadas com nosso suor, que depois ainda vem declarar todo seu ódio a quem paga a fatura.
Perdemos dois ícones da imprensa independente: Dr. Ruy Mesquita e  Roberto Civita. Que a chama da liberdade de imprensa continue acesa!

Contra o poderoso lobby em favor da descriminação das drogas, Câmara aprova projeto que aumenta pena mínima de traficantes e regulamenta internações e comunidades terapêuticas; os petistas Genoino, o mensaleiro, e Paulo Teixeira tentaram impedir; ministra Gleisi apoiou texto aprovado

De vez em quando, o Brasil se lembra de fazer a coisa certa. A Câmara concluiu ontem a votação do projeto que muda o Sistema Nacional Antidrogas — ou, para ser mais preciso, que tenta lhe dar efetividade. O texto-base, que passou por diversas mudanças (foi retirada, por exemplo, a internação obrigatória), é do correto deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que também é médico. Ele andou apanhando de certa imprensa mais do que os… traficantes! Na verdade, o texto foi aprovado contra o poderoso lobby em favor da descriminação das drogas — que já há algum tempo pede também a não-punição de “pequenos traficantes”, seja lá o que isso signifique. O texto aprovado contou com a ativa militância contrária de amplos setores do PT, especialmente dos deputados José Genoino (SP), o mensaleiro cheio de opinião, e Paulo Teixeira (SP). Felizmente, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, costurou e bancou o acordo. Sim, ministra que é, falava em nome da presidente Dilma Rousseff. Lamentável é que setores desse mesmo governo, num caso ou de esquizofrenia ou de descoordenação, banque seminários em favor da legalização de todas as drogas, a exemplo de um ocorrido recentemente em Brasília, promovido por um órgão ligado o MEC e com apoio do Ministério da Saúde.
O texto cuja votação foi concluída ontem eleva de cinco para oito anos a pena mínima de traficantes que, atenção!!!, fizerem parte de organização criminosa. A pena máxima continua a mesma: 15 anos. O PT apresentou um destaque — contra, reitero, negociação que havia sido empreendida por Gleisi — para retirar esse dispositivo do texto. “Esse endurecimento da repressão, que não separa traficante de usuário, vai piorar a situação e criar uma falsa ilusão”, afirmou Genoino. “Com essa lei, você poderá pegar quatro pessoas fumando maconha e enquadrar como organização criminosa”, disse Teixeira.
Pela ordem: Genoino é um homem mesmo singular. Segundo entendo, ele reconhece a existência de uma “ilusão falsa” e de uma “ilusão verdadeira”. A primeira, imagino o que seja. Mas e a segunda? Vai ver é o deputado diante do espelho: “Não, você não fez nada de errado no mensalão”. Por ilusão, é falsa, mas há uma possibilidade de que ele acredite na falsidade… Quanto a Teixeira, dizer o quê? Este senhor já concedeu entrevista a site que faz proselitismo da maconha. Defende ainda que pessoas surpreendidas com uma quantidade de drogas suficiente para, ATENÇÃO!, DEZ DIAS DE CONSUMO não sejam importunadas pela lei. Um viciado em crack pode fumar 30 pedras por dia. Um rapaz de um extinto grupo musical chamado “Polegar” —  Rafael Ilha — confessou publicamente que chegava a fumar… 60! Fiquemos nas 30… Teixeira quer deixar livre, leve e solto alguém flagrado com… 300 pedras! Tráfico??? Nada! Seria apenas consumo. Aquela comissão aloprada que redigiu um anteprojeto de reforma do Código Penal enviou ao Senado um texto em que propõe que seja considerada apenas “consumo” a droga suficiente para cinco dias — no caso em espécie, 150 pedras!!! Como levar essa gente a sério? O Estado brasileiro seria obrigado, então, a definir a quantidade considerada, digamos, “padrão” para o consumo diário de substâncias entorpecentes. Essa conversa é de tal sorte irracional que avalio que ninguém é assim tão estúpido! Claro que não! Gente que fala essas coisas quer mesmo é a legalização das drogas e do próprio tráfico.
Daí essa conversa de “pequeno traficante”… Quem é esse? É aquele que vende droga para sustentar o pequeno vício? Em quantidades realmente pequenas, dificilmente seria enquadrado. A hipótese aventada por Teixeira é puro terrorismo argumentativo. Se quatro pessoas forem flagradas, cada uma fumando o seu cigarro de maconha, poderão até ser levadas ao juiz, que, no mais das vezes, se limitará a um advertência. No máximo, terão de prestar serviço comunitário. Ninguém mais é preso por consumo, e Teixeira sabe disso. A lei brasileira, a 11.343, já é de uma incrível liberalidade. Aliás, depois que entrou em vigor, em 2006, o consumo de drogas aumento muito. E nem poderia ser diferente, não é? Adivinhem qual eventual punição põe mais medo no consumidor: prisão ou, no máximo, serviço comunitário?
A nova lei traz outros aspectos importantes. Ela regulamenta a internação voluntária e a involuntária — a obrigatória foi retirada do texto. No primeiro caso, o dependente se submete ao tratamento por vontade própria; no outro, ela é feita com a autorização da família e o acompanhamento de profissionais de saúde, que precisam atestar a necessidade. O texto cuida ainda de um aspecto importante: reconhece as chamadas comunidades terapêuticas como instrumentos de reinserção do dependente que está disposto à internação. Essas entidades, hoje em dia, já recebem dinheiro público. Agora, se a lei for cumprida, seu trabalho terá o devido acompanhamento.
A questão gerou bastante polêmica, movimentada pela militância antirreligiosa — em alguns casos, beirando a cristofobia. Como há grupos evangélicos e católicos que mantêm essas entidades, começou a gritaria meio boçal: “O Estado é laico! O Estado é laico!” Claro que é! Os religiosos, por acaso, estariam impedidos de fazer um trabalho terapêutico por isso? Ora, peçam, então, o fechamento de todos os hospitais do país ligados a entidades católicas, por exemplo. Vamos ver no que é que dá. Entidades religiosas também cuidam de orfanatos e creches. Que tal acabar co eles? Vai que as criancinhas se tornem cristãs… Ora, haverá condições, se o texto for aprovado no Senado, de passar a acompanhar o trabalho desses grupos, de fiscalizá-los adequadamente.
O texto aprovado na Câmara também permite a dedução no Imposto de Renda, feitas por pessoas físicas e jurídicas, de doações a entidades dedicadas ao tratamento de dependentes. E estabelece uma cota de 3% de contratação de pessoas em tratamento — e sem reincidência — em obras públicas que empreguem mais de 30 trabalhadores. Oponho-me, é evidente, a esse cotismo também. Eu o considero, na verdade, absurdo. A ministra Gleisi tentou retirá-lo. Preferia que houvesse um estímulo à contratação, não a obrigatoriedade. Mas não deu. Já o o PT, como partido, queria era mais: achava que os reincidentes deveriam continuar cotistas… Espero que isso caia no Senado. Prefiro que se reservem 3% das vagas aos que sabem tocar piano, oboé, clarineta… Ou aos amantes da poesia… Até aos viciados em Chicabom. Por que um ex-drogado — ou dependente em processo de cura — teria de ter um privilégio que não se concede a quem resistiu à tentação da droga? Ora…
Seja como for, o texto — entendido pelos lobbies pró-maconha e por amplos setores da imprensa como um “atraso” — é um óbvio avanço. “Avanço, Reinaldo?” Sim, segundo a ótica dos que consideram que é preciso tomar medidas que diminuam a exposição das pessoas às drogas e que lugar de traficante é na cadeia.
Genoino não acha. Nem Paulo Teixeira. “Nem o FHC!”, grita um petralha. Sim, nem FHC.
Por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Bolsa Família – A CEF, a irresponsabilidade do governo, os estado-dependentes e a máquina de caçar votos. Ou: É esta a cara da pobreza quase famélica?


Segundo consta, essa é cara da miséria profunda do Brasil; de famílias que precisam de R$ 32 a R$ 360 para não ficar na inanição…

É ridículo!
É patético!
O governo decidiu empreender uma investigação severa (!!!) para saber quem estava por trás dos tumultos provocados pela boataria envolvendo o pagamento do Bolsa Família. Antes que pudesse encontrar um bode expiatório (ainda está para aparecer um…), a verdade veio à tona: a culpada era a própria Caixa Econômica Federal, que efetua os pagamentos. O banco antecipou a disponibilidade de rendimentos sem prévio aviso, alguém descobriu, a coisa começou a correr de boca em boca, de celular em celular e nas redes sociais — afinal, os pobres e a “pobras” do Brasil já são digitalmente incluídos, certo? —, e aí foi aquilo que se viu.
Tão forte quanto o boato de que o programa poderia acabar era o de que havia um pagamento extra. Ora, como a CEF fizera, de fato, a antecipação, quem foi verificar seu saldo no caixa eletrônico viu que havia mesmo um dinheiro inesperado lá. O pobrezinho, coitado!, sacou do bolso o celular e ligou para o outro pobrezinho. “Ó, tem dinheiro mesmo…” E aí foi aquela correria de gente gorda e feliz — que bom! — buscar a graninha sem a qual, entendo, não é possível sobreviver, né? Foi um espetáculo melancólico, sob vários aspectos.
Em primeiro lugar, destaque-se a irresponsabilidade da Caixa e de figurões do governo. É evidente que a antecipação de um benefício que chega a milhões de pessoas deveria ter sido previamente comunicada aos interessados. Bastava emitir uma nota oficial, e ela chegaria às TV e as rádios. E fim de conversa. O banco deu de ombros, e aconteceu o quiproquó. Maria do Rosário, José Eduardo Cardozo e Dilma Rousseff aproveitaram o episódio para imaginar conspirações. A ministra dos Direitos Humanos, que tem o hábito de pôr as palavras adiante do pensamento, acusou a oposição — como se houvesse alguma maneira de os adversários de Dilma se beneficiarem de um boato que seria de pronto desmentido. Cardozo e Dilma preferiram ver coisas estranhas, sem acusar ninguém. Como a ministra já havia feito o servicinho sujo, as palavras ambíguas do ministro da Justiça e da presidente só deram curso à suspeição infundada e estúpida.
Os bolsistas
Em segundo lugar, mas ainda mais importante porque a questão remete ao futuro, exclamo: “Que bom que não sou tucano!”. Não sendo, dispenso-me de entrar no campeonato de generosidades e posso, então, relatar o que vejo e me conceder o direito ao estranhamento. Vocês deram uma olhadinha nas fotos dos nossos “miseráveis”, que supostamente dependem do Bolsa Família para sobreviver? Uma foto, sei bem, não é estatística, estudo técnico, prancheta contábil, nada disso. E também não chamo, obviamente, a minha percepção de ciência. Estou apenas exercitando o primeiro passo de uma eventual descoberta, que é estranhar o que vejo, fazendo algumas indagações.
Então é essa a cara dos muito pobres? Cada família pode receber do governo, a depender do seu perfil, um mínimo de R$ 32 e um máximo de R$ 306. O Bolsa Família, que reuniu várias bolsas já existentes no governo FHC, foi criado, originalmente, para atender à pobreza extrema.
Quando Lula assumiu o poder, os programas chegavam a 5 milhões de famílias. Hoje, são mais de 13 milhões, atingindo um universo de mais ou menos 40 milhões de… eleitores! Voltem à foto (e procurem outras na rede). Obviamente, esses que correram para a Caixa porque se espalhou a informação de que havia lá um dinheiro inesperado — e não por causa do boato do suposto fim do programa — não constituem a cara da miséria brasileira coisa nenhuma.
É claro que existe pobreza extrema no país e que programas de renda são necessários. Mas será mesmo que deveria atender a tanta gente? A renda oficial, aquela que pode ser controlada pelo Fisco, não costuma ser a renda real das pessoas e das famílias, que encontram caminhos informais para ganhar dinheiro e sobreviver. O que o Bolsa Família faz, isto sim, e vai durar muito tempo, é cevar milhões com o assistencialismo — com evidente desdobramento eleitoral.
Virtuoso ou vicioso?
Aquele espetáculo patético certamente enche os olhos dos populistas: “Ah, finalmente, temos um país mobilizado em defesa de uma causa!”. É nada! Temos uma fatia do país organizada para pegar uns trocos oferecidos pelo Estado. Não! Eu não os chamo de aproveitadores ou coisa do gênero. Nada disso! Se o dinheiro está ali, disponível, dentro da mais estrita legalidade, por que não pegar? A questão é saber que país se está construindo assim e para onde isso nos leva. Não me parece que seja para um bom caminho.
Mas como falar contra? Como apontar que há algo de estupidamente errado nisso? Precisaríamos ter partidos que falassem em nome de outros valores, que dialogassem também com quem efetivamente paga a conta. Mas não há! Ao contrário. A oposição acaba empurrada para a defensiva.
Também não estou dizendo que o Bolsa Família deixa o povo vagabundo. Quem afirmava isso era Lula, em 2003. Dizia que as bolsas deixavam os pobres preguiçosos, e eles paravam de plantar macaxeira!!!
“Olhem o Reinaldo… Critica o Bolsa Família, mas não o Bolsa BNDES!!!” Quem disse que não? E duramente! De novo, os arquivos estão aí. Temos um governo que vai navegando numa fórmula que parece mágica que ensina os pobres do Bolsa Família a ser pobres e os ricos do Bolsa BNDES e a ser ricos — e os dois extremos são, obviamente, muito gratos.
Caminhando para o encerramento
A trapalhada feita pela Caixa, cuja direção mentiu ao informar que não havia operado mudança nenhuma nos pagamentos, serviu para trazer à tona um coquetel de mistificações. E demonstrou também a que ponto pode chegar a fala irresponsável de algumas “otoridades”.
Por Reinaldo Azevedo

Morre Roberto Civita, o criador de VEJA

Roberto Civita durante o Prêmio Jovens Inspiradores 2012 (Foto: Ivan Pacheco)
Por Augusto Nunes, na VEJA.com. Volto mais tarde.
“Gosto de ser editor e o que eu sei fazer é revista”, dizia Roberto Civita. Mesmo depois de 1990, quando a morte de Victor Civita o levou a assumir o comando da Abril e chefiar o processo de diversificação do grupo fundado pelo pai, ele nunca se afastou da atividade que o seduziu definitivamente na década de 60, quando começou a por em prática os conhecimentos assimilados anos antes, na sua segunda temporada nos Estados Unidos. Nascido em Milão, Roberto Civita morou em Nova York de 1939 a 1949, quando veio para São Paulo. O bom desempenho no Colégio Graded garantiu-lhe uma bolsa de estudos nos EUA, onde percorreu, ao longo da década de 50, caminhos que o levariam à descoberta da vocação profissional e à volta definitiva ao Brasil.
Depois de interromper o curso de Física Nuclear na Universidade Rice, no Texas, para diplomar-se em jornalismo e economia na Universidade da Pensilvânia, Roberto Civita conseguiu um estágio na editora Time Inc, que controlava as revistas Time, Life e Sports Illustrated. Durante um ano e meio, familiarizou-se com todos os setores da empresa, da redação à contabilidade. Em 1958, quando Victor Civita perguntou ao filho que acabara de voltar o que pretendia fazer, ouviu a resposta que apressaria a entrada da Abril no universo jornalístico: “Quero fazer uma revista de informação semanal, como a Time, uma revista de negócios como a Fortune e uma revista como a Playboy”, respondeu.
O pai prometeu preparar a empresa para o passo audacioso, consumado em 11 de setembro de 1968, quando chegou às bancas a primeira edição de VEJA. Roberto Civita participou intensamente das experiências pioneiras que resultaram no lançamento de Realidade, Exame, Quatro Rodas ou Playboy. Mas nada o deixava mais emocionado que recordar a trajetória descrita pela primeira revista semanal de informação do Brasil. Foi ele quem a criou. E foi ele o primeiro e único editor de VEJA, hoje a maior publicação do gênero fora dos Estados Unidos.
“Ninguém é mais importante que o leitor, e ele merece saber o que está acontecendo”, lembrava aos recém-chegados. “VEJA existe para contar a verdade. A fórmula é muito simples. Difícil é aplicá-la o tempo todo”. Sobretudo em ambientes hostis à liberdade de expressão, aprendeu Roberto Civita três meses depois do parto da revista. Em 13 de dezembro de 1968, a decretação do Ato Institucional n° 5 transformou o que era um governo autoritário numa ditadura militar sem disfarces. A capa da edição que noticiou o endurecimento do regime exibiu uma foto do general-presidente Arthur da Costa e Silva sentado, sozinho, no plenário do Congresso que o AI-5 havia fechado. Os chefes militares não gostaram da imagem, e ordenaram a apreensão de todos os exemplares. A essa violência seguiu-se a instauração da censura prévia, que só em meados da década seguinte deixaria de tolher os passos de VEJA.
Risonho, cordial, otimista, Roberto Civita sempre acreditou que nenhuma atividade vale a pena se não for praticada com prazer. “Você está se divertindo?”, perguntava insistentemente aos profissionais com quem convivia. Mantinha-se otimista mesmo quando contemplava a face sombria do país. Para ele, o Brasil só conseguiria atacar com eficácia seus muitos problemas se antes aperfeiçoasse o sistema educacional, modernizasse o capitalismo nativo, removesse os entraves à livre iniciativa e consolidasse o estado democrático de direito. “O que VEJA defende, em essência, é o cumprimento da Constituição e das leis”, repetia. Também essa fórmula parece simples. Difícil é colocá-la em prática. Foi o que o editor de VEJA sempre soube fazer.
Por Reinaldo Azevedo

sábado, 25 de maio de 2013

Caixa alterou Bolsa Família na véspera de boato sobre programa

AGUIRRE TALENTO
DE FORTALEZA
DANIEL CARVALHO
DE SÃO PAULO

Um dia antes do início dos boatos que causaram filas e tumultos em 13 Estados brasileiros, a Caixa Econômica Federal alterou, sem aviso prévio, todo o calendário de pagamento do Bolsa Família.
Todos os benefícios, em um total de R$ 2 bilhões, foram liberados de uma só vez nas contas das 13,8 milhões famílias atendidas.
Dona de casa fez saque na sexta-feira anterior ao corre-corre
A informação, confirmada pela Caixa ontem, contraria a versão que o banco estatal vinha divulgando desde o início do caso.
A liberação de todos os benefícios se deu na sexta-feira da semana passada, dia 17. No dia seguinte, movidas por boatos sobre o fim do programa e um suposto pagamento extra pelo Dia das Mães, entre outros, milhares de pessoas foram a agências para sacar o benefício.
O tumulto -que incluiu depredação de caixas eletrônicos- levou petistas a acusar a oposição de estar por trás dos boatos sobre o fim do programa.

Filas após boato de fim do Bolsa Família

 
Polícia foi chamada para conter tumulto na agência da Caixa de Queimados (RJ) provocado por boato sobre Bolsa Família
 
MUDANÇA
 Segundo a regra oficial, o pagamento do Bolsa Família é feito de forma escalonada, seguindo a ordem do último número no cartão. Em maio, por exemplo, aqueles com cartão de final "1" receberiam o pagamento a partir do dia 17, e, assim por diante, até os com o final "0", no dia 31.
A Folha descobriu essa mudança no calendário, negada durante toda a semana pela Caixa, por meio de uma dona de casa da região metropolitana de Fortaleza.
Diana dos Santos, 34, do município de Caucaia, apresentou à reportagem comprovante do saque do benefício na sexta-feira, o que mostra a antecipação do pagamento em 12 dias.
"Recebo Bolsa Família há anos e nunca pagaram antecipado. Aí achei estranho, mas fiquei feliz e peguei o dinheiro. Acho que outras pessoas também conseguiram receber antecipado, foram avisando aos conhecidos e virou essa confusão", disse.
Confrontada pela Folha a Caixa mudou a versão oficial. Afirmou que, por causa de ações em busca de "melhorias no Cadastro de Informações Sociais", o banco "optou por permitir o saque pelos beneficiários independentemente do calendário individual" na sexta-feira, dia 17.
A Caixa disse que antecipou o benefício em outras ocasiões, como em calamidades, e disse que não informou os beneficiários sobre essa antecipação do pagamento.
Carro-chefe social da gestão petista, o Bolsa Família tem orçamento anual de R$ 23,95 bilhões. Cada família recebe R$ 151,09 em média.
Ainda no domingo, o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família, divulgou nota para negar o fim do programa e afirmar que o calendário de pagamentos estava mantido.
No dia seguinte, a presidente Dilma Rousseff chamou de "criminoso" e "desumano" o responsável pelos boatos. Dois dias depois, o ex-presidente Lula associou a boataria a "gente do mal".
Após ordem do governo, a Polícia Federal começou a investigar a história. Entre os casos investigados, estão o de pessoas que dizem ter recebido ligações com gravação eletrônica falando sobre o fim do programa.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Arqueólogos comprovam: habitantes da primeira colônia inglesa nos EUA recorreram ao canibalismo para sobreviver à ineficiência do sistema coletivista em que viviam


A caveira de Jane, com marcas de faca na testa (à dir.), e o seu rosto reconstituído (à esq.)


A caveira de Jane, com marcas de faca na testa (à dir.), e o seu rosto reconstituído (à esq.) (Fotos: Carolyn Kaster / AP)
Texto de Duda Teixeira, publicado em edição impressa de VEJA
OS OSSOS DO SOCIALISMO
Os habitantes da primeira colônia inglesa nos Estados Unidos recorreram ao canibalismo para sobreviver à ineficiência do sistema coletivista em que viviam
Aos 14 anos, a jovem Jane chegou em um navio de suprimentos a Jamestown, a primeira colônia inglesa na América, em 1609. A causa de sua morte, meses depois, é um mistério, mas sabe-se que seu cadáver foi desmembrado para ser devorado por um grupo de colonos. Seu crânio foi aberto e a carne do seu rosto foi destrinchada por uma pessoa sem experiência com a faca, o que pode ser constatado pela hesitação das marcas deixadas na testa e na mandíbula.
A tíbia foi descarnada por alguém com maior conhecimento do ofício. Esses ossos, encontrados no ano passado no que sobrou do porão de uma antiga cozinha, são o primeiro indício arqueológico do canibalismo nas colônias pioneiras, onde hoje fica o estado americano de Virgínia. Essa prática já havia sido registrada em cartas e outros relatos históricos. A descoberta foi revelada no início deste mês.
O horripilante destino de Jane, como a garota foi batizada pelos arqueólogos, é uma exceção, restrita à penúria enfrentada pelos moradores de Jamestown no inverno do fim de 1609 e início de 1610. Uma anomalia daquelas que só acontecem quando o ser humano atravessa condições
extremas o bastante para fazer desmoronar qualquer tabu.
Jane foi devorada por seus pares como consequência do fracasso do modelo de produção coletiva implantado nos primeiros anos da colonização dos Estados Unidos. A propriedade era comunitária, e o fruto do trabalho era dividido igualmente entre todos. Era, portanto, uma experiência que antecipava os princípios básicos do comunismo. Deu no que deu.
Pintura do século XVIII que mostra a construção de Jamestown (Foto: Getty Images)
Pintura do século XVIII que mostra a construção de Jamestown (Foto: Getty Images)
Sem estímulo para o trabalho, os habitantes de Jamestown eram incapazes de produzir um excedente de alimentos para os períodos de estiagem ou de inverno. No ano em que Jane foi canibalizada, seis de cada dez colonos sucumbiram à fome. A tragédia levou os primeiros americanos a rever o modelo econômico e a instituir a propriedade privada.
A partir desse momento, quem trabalhasse melhor ganharia mais e poderia se resguardar para os períodos de vacas magras. Foi essa mudança, nascida do trauma de um inverno em que os colonos caíram na selvageria, que permitiu aos Estados Unidos se tornar o maior gerador de riqueza do planeta e o berço do capitalismo moderno.
Jamestown, um forte triangular nas proximidades do Rio James, foi fundada em 1607. No início, a relação entre os ingleses e os integrantes da tribo powhatan era amigável. Os índios davam-lhes alimentos em troca de peças de metal. “Não havia moeda naqueles tempos. Tudo era feito por escambo”, diz o arqueólogo americano William Kelso, que encontrou os ossos de Jane.
Foi naquele período que uma menina de 11 anos, Pocahontas, se enamorou do capitão John Smith, que liderava os colonos. A relação entre os dois, edulcorada recentemente em desenho animado pela Disney, acabou em 1609, quando o capitão foi ferido e retornou à Europa. Os colonos já não tinham nada para oferecer aos índios em troca de comida.
Findo o comércio, começaram as hostilidades. “Os índios sitiaram o forte. Ninguém podia sair para conseguir alimentos”, diz Kelso. Situação parecida aconteceu em outra colônia, Plymouth, fundada pelos colonos que chegaram no navio Mayflower e que também adotaram a propriedade comunitária. Eles venderam a roupa do corpo aos índios em troca de milho. Outros roubaram grãos dos índios. Alguns se tornaram seus escravos.
No auge da penúria de 1609, em Jamestown, centenas de novos habitantes chegaram em navios de suprimento, entre os quais Jane, e comeram todo o alimento disponível em três dias. A fome veio em seguida. Segundo um relato posterior do então governador, George Percy, os moradores
devoraram cavalos, cachorros, gatos e ratos. Depois, comeram sapatos e todo o couro que encontraram.
Quando as opções se esgotaram, começou o canibalismo. Percy contou que ordenou a execução de um dos seus homens, que matou e canibalizou a esposa grávida. Se não fosse o sistema de produção fracassado, a situação dificilmente teria chegado a esse ponto. O coletivismo fora implantado
pela Companhia da Virgínia, empresa responsável pela empreitada em Jamestown, por temor de que, se os colonos tivessem sua própria terra do outro lado do Atlântico, deixariam de enviar o que produziam para Londres.
Apesar do solo fértil, da abundância de peixes, das matas ricas em veados e perus, porém, os homens não encontraram estímulos para trabalhar. “Os colonos não tinham o mínimo interesse na terra”, escreveu o historiador americano Philip Bruce no fim do século XIX. A paz e a prosperidade só começaram a se tornar realidade em Jamestown a partir de 1611, com a chegada do administrador inglês Thomas Dale.
Ele se surpreendeu ao notar que, em meio à fome, os homens dedicavam-se a vagabundear pelas ruas. A raiz do problema, ele percebeu, era o sistema comunitário. Dale então determinou que cada homem deveria receber três acres de terra e só precisaria trabalhar um mês por ano para a matriz. A decisão despertou os traços hoje bem conhecidos do capitalismo americano: o empreendedorismo e a aptidão para a competição.
Localização de Jamestown, no estado norte-americano da Virgínia
Localização de Jamestown, no estado norte-americano da Virgínia
Mais produtivos, os colonos passaram a vender milho aos índios em troca de peles de animais. O comércio trouxe a paz. Em 1775, a economia americana já era 100 vezes maior do que em 1630. Os americanos, nesse tempo, também já eram mais altos que os ingleses. Antes, chegaram ao máximo da degradação humana.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

No universo da fala humana, o dilmês só responde e corresponde à mente de Dilma

CELSO ARNALDO ARAÚJO

Os diferentes níveis de linguagem – basicamente, o culto, o coloquial, o técnico e o literário – são intransponíveis e incomunicáveis para quem só domina um deles. Dilma Rousseff, caso raro no fascinante território da fala humana, não domina nenhum dos quatro. Daí porque, na extrema ousadia de ultimamente citar ou transcrever Nelson Rodrigues, cujas sentenças lapidares têm um rigor léxico e sintático quase matemático, ela soe muito pior do que qualquer personagem do submundo da periferia da vida como ela é. O agora centenário Nelson não deve, porém, revirar-se no jazigo perpétuo 18340-A, quadra 43, do São João Batista, por ser interpretado de maneira tão imprópria por uma presidente da República.
Pois Dilma também já demonstrou, mais de uma vez, enorme dificuldade em reproduzir com fidelidade frásica a fala bruta de um matuto do sertão, ceifando na raiz a mais pura pérola de sabedoria de um dito popular ─ como ocorreu na já célebre alegoria, ouvida de um popular no nordeste, segundo a qual as mulheres são metade da população e mães da outra metade. Mesmo tentando resgatar o pensamento de um iletrado, é Dilma quem não tem as letras.
Mas aqui fala um dilmólogo de primeira hora: Dilma tem um diferencial competitivo no terreno da linguagem ─ ela é proficiente num quinto nível de linguagem, o dilmês, do qual é usuária única.
Nessa condição, como Nelson para ela, Dilma é irreproduzível. Um desafio a quem experimentar conjugar o dilmês: ouça um único parágrafo de Dilma em qualquer discurso, sobre qualquer tema, mas não anote nada. Depois, tente transcrever fielmente, palavra por palavra, no papel, o que acha que ouviu. O resultado final ─ sempre mais fluente que o original, porque mediado por um raciocínio comum ─ estará a anos-luz do dilmês legítimo. Para confirmar, volte a ouvir a fala presidencial, sem intermediários, comparando-a agora com o texto que pretendeu registrá-la. Convença-se então de que o dilmês é indescritível, intranscritível, por qualquer outra mente.
Daí porque o dilmês não se presta a transcrever nada do modo como foi dito por quem quer que seja ─ de Nelson Rodrigues a uma beneficiária do Bolsa Família no interior do Piauí. No universo da fala humana, o dilmês só responde e corresponde à mente de Dilma Rousseff.
Imagino Dilma reciclando duas das mais sintéticas e bem esculpidas frases de Nelson Rodrigues ─ ambas com apenas cinco palavras, um sujeito, um verbo, um artigo indefinido e um predicado:
“O brasileiro é um feriado”.
“O Marx é uma besta”.
Agora imagine o que Dilma faria, no discurso de inauguração de um dos estádios da Copa, com essas duas duplas de cinco palavrinhas cunhadas por seu novo guru de infância. Um esboço:
“Nelson Rodrigues, ele, um cronista famoso no que se refere à fama que ele teve como cronista, dizia que o brasileiro não falta ao trabalho nem no feriado porque ele próprio é um feriado”
“E aí, como falou lá atrás um dia esse homem muito engraçado, Nelson Rodrigues, eu queria dizer para vocês, que ele dizia, eu diria assim, que Marx se fazia de besta, mas era um homem que inspirava ideias”.
Ficou mais ou menos? Melhor que isso, só Dilma.

Prece do brasileiro

Carlos Drumond de Andrade

Meu Deus,
só me lembro de vós para pedir,
mas de qualquer modo sempre é uma lembrança.
Desculpai vosso filho, que se veste
de humildade e esperança
e vos suplica: Olhai para o Nordeste
onde há fome, Senhor, e desespero
rodando nas estradas
entre esqueletos de animais.
Em Iguatu, Parambu, Baturité,
Tauá
(vogais tão fortes não chegam até vós?)
vede as espectrais
procissões de braços estendidos,
assaltos, sobressaltos, armazéns
arrombados e – o que é pior – não tinham nada.

Fazei, Senhor, chover a chuva boa,
aquela que, florindo e reflorindo, soa
qual cantata de Bach em vossa glória
e dá vida ao boi, ao bode, à erva seca,
ao pobre sertanejo destruído
no que tem de mais doce e mais cruel:
a terra estorricada sempre amada.
Fazei chover, Senhor, e já! numa certeira
ordem às nuvens. Ou desobedecem
a vosso mando, as revoltosas? Fosse eu Vieira
(o padre) e vos diria, malcriado,
muitas e boas… mas sou vosso fã
omisso, pecador, bem brasileiro.

Comigo é na macia, no veludo/lã
e matreiro, rogo, não
ao Senhor Deus dos Exércitos (Deus me livre)
mas ao Deus que Bandeira, com carinho
botou em verso: “meu Jesus Cristinho”.
E mudo até o tratamento: por que vós,
tão gravata-e-colarinho, tão
vossa excelência?
O você comunica muito mais
e se agora o trato de você,
ficamos perto, vamos papeando
como dois camaradas bem legais,
um, puro; o outro, aquela coisa,
quase que maldito
mas amizade é isso mesmo: salta
o vale, o muro, o abismo do infinito.

Meu querido Jesus, que é que há?
Faz sentido deixar o Ceará
sofrer em ciclo a mesma eterna pena?
E você me responde suavemente:
Escute, meu cronista e meu cristão:
essa cantiga é antiga
e de tão velha não entoa não.
Você tem a Sudene abrindo frentes
de trabalho de emergência, antes fechadas.
Tem a ONU, que manda toneladas
de pacotes à espera de haver fome.

Tudo está preparado para a cena
dolorosamente repetida
no mesmo palco. O mesmo drama, toda vida.
No entanto, você sabe,
você lê os jornais, vai ao cinema,
até um livro de vez em quando lê
se o Buzaid não criar problema:
Em Israel, minha primeira pátria
(a segunda é a Bahia)
desertos se transformam em jardins
em pomares, em fontes, em riquezas.
E não é por milagre:
obra do homem e da tecnologia.

Você, meu brasileiro,
não acha que já é tempo de aprender
e de atender àquela brava gente
fugindo à caridade de ocasião
e ao vício de esperar tudo da oração?
Jesus disse e sorriu. Fiquei calado.
Fiquei, confesso, muito encabulado,
mas pedir, pedir sempre ao bom amigo
é balda que carrego aqui comigo.
Disfarcei e sorri. Pois é, meu caro.
Vamos mudar de assunto. Eu ia lhe falar
noutro caso, mais sério, mais urgente.
Escute aqui, ó irmãozinho.

Meu coração, agora, tá no México
batendo pelos músculos de Gérson,
a unha de Tostão, a ronha de Pelé,
a cuca de Zagalo, a calma de Leão
e tudo mais que liga o meu país
e uma bola no campo e uma taça de ouro.
Dê um jeito, meu velho, e faça que essa taça
sem milagres ou com ele nos pertença
para sempre, assim seja… Do contrário
ficará a Nação tão malincônica,
tão roubada em seu sonho e seu ardor
que nem sei como feche a minha crônica.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

As restrições impostas pela ditadura dos irmãos Castro ignoram fronteiras: ‘Médicos cubanos seguem cartilha até na Bolívia’

PUBLICADO NO GLOBO


ANDRÉ DE SOUZA

Mesmo longe de casa, os médicos cubanos não saem do controle do governo daquele país. Foi o que aconteceu com os que foram trabalhar na Bolívia em 2006, no âmbito do acordo de cooperação firmado entre os dois países. Os médicos ficaram sujeitos a uma série de restrições impostas pelo governo de Cuba.
Regulamento editado na época diz que o profissional deve informar imediatamente às autoridades cubanas caso tenha uma relação amorosa com alguma boliviana. Além disso, para que o namoro possa ir adiante, a parceira do médico deve estar de acordo com o “pensamento revolucionário” das missões cubanas.
Os profissionais também foram proibidos de falar com a imprensa sem prévia autorização, de pedir empréstimos aos nativos, e de manter amizade com outros cubanos que tenham abandonado a missão.
Outra proibição é a de beber em lugares públicos, com algumas poucas exceções, como festividades nacionais cubanas, aniversários e despedidas de outros médicos cubanos do país. Pelo regulamento, eles não poderiam sequer falar, sem prévia autorização, sobre seu estado de saúde com seus amigos e parentes que vivem em Cuba.
Eles também foram impedidos de sair de casa depois das 18h sem autorização de seu chefe imediato. Ao pedir permissão, os médicos deviam informar onde iam, os motivos da saída, e se estavam acompanhados de cubanos ou bolivianos.
Se quisessem sair da área onde residiam e trabalhavam, também precisariam de autorização. Se fossem sair de um dos departamentos bolivianos (o equivalente aos estados brasileiros), a autorização deveria vir do chefe máximo da missão naquele departamento.
Segundo o regulamento, o não cumprimento dos deveres resulta em infração, o que pode levar o médico a ser processado e punido pela Comissão Disciplinar. Entre as punições previstas estão a advertência pública, a transferência para outro posto de trabalho no país e o regresso a Cuba.
O GLOBO tentou falar com a embaixada cubana em Brasília para saber se a resolução foi atualizada, mas foi informado que o atendimento só será possível nesta sexta-feira.
As condições de trabalho dos médicos cubanos são alvo de críticas do Conselho Federal de Medicina (CFM). Em representação entregue ontem à Procuradoria Geral da República, o Conselho diz que os cubanos estão sujeitos a regras que “ofendem a nossa soberania nacional, bem como os direitos fundamentais previstos na Carta Magna, que também são assegurados aos estrangeiros, e passíveis inclusive de tutela via mandado de segurança e habeas corpus, nos casos previstos na Constituição Federal de 1988 e nas respectivas leis”.
Além da Bolívia, há vários médicos cubanos atuando na Venezuela. Os três países são politicamente aliados.

Indicador defasado 'esconde' 22 milhões de miseráveis do país



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JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BRASÍLIA
O número de miseráveis reconhecidos em cadastro pelo governo subiria de zero para ao menos 22,3 milhões caso a renda usada oficialmente para definir a indigência fosse corrigida pela inflação.
É o que revelam dados produzidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social, a pedido da Folha, com base no Cadastro Único, que reúne informações de mais de 71 milhões de beneficiários de programas sociais.
Desde ao menos junho de 2011 o governo usa o valor de R$ 70 como "linha de miséria" --ganho mensal per capita abaixo do qual a pessoa é considerada extremamente pobre.
Ele foi estabelecido, com base em recomendação do Banco Mundial, como principal parâmetro da iniciativa de Dilma para cumprir sua maior promessa de campanha: erradicar a miséria no país até o ano que vem, quando tentará a reeleição.
Editoria de Arte/Folhapress
miserável inflação
Mesmo criticada à época por ser baixa, a linha nunca foi reajustada, apesar do aumento da inflação. Desde o estabelecimento por Dilma da linha até março deste ano, os preços subiram em média 10,8% --2,5% só em 2013, de acordo com o índice de inflação oficial, o IPCA.
Corrigidos, os R$ 70 de junho de 2011 equivalem a R$ 77,56 hoje. No Cadastro Único, 22,3 milhões de pessoas, mesmo somando seus ganhos pessoais e as transferências do Estado (como o Bolsa Família), têm menos do que esse valor à disposição a cada mês, calculou o governo após pedido da Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.
Esse número corresponde a mais de 10% da população brasileira e é praticamente a mesma quantidade de pessoas que tinham menos de R$ 70 mensais antes de Dilma se tornar presidente e que ela, com seis mudanças no Bolsa Família, fez com que ganhassem acima desse valor.
Os dados possibilitam outras duas conclusões. Primeiro, que um reajuste da linha anularia todo o esforço feito pelo governo até aqui para cumprir sua promessa, do ponto de vista monetário.
Segundo, que os "resgatados" da miséria que ganhavam no limiar de R$ 70 obtiveram, na quase totalidade, no máximo R$ 7,5 a mais por mês --e mesmo assim foram considerados fora da extrema pobreza.
Além do problema do reajuste, o próprio governo estima haver cerca de 700 mil famílias vivendo abaixo da linha da miséria e que estão hoje fora dos cadastros oficiais.
outro cenário.
A reportagem pediu outra simulação ao governo, usando agosto de 2009 como o início do estabelecimento da linha de R$ 70. Nessa época, um decreto determinara o valor para definir miséria no Bolsa Família.
Nesse outro cenário (inflação acumulada de 23,4%), o número de extremamente pobres seria ainda maior: 27,3 milhões de pessoas. A data marcou a adoção do valor no Bolsa Família, mas não em outros programas, diz o governo

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Lula e a falta de ética

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA


Sob o comando de Lula, o PT antecipou o início da campanha presidencial, cuja eleição se realiza daqui a 17 meses, de modo que tudo o que as lideranças do partido e do governo fazem e dizem deve ser considerado de uma perspectiva predominantemente eleitoral. E desse ponto de vista ganham importância as mais recentes declarações do chefe do PT que, do alto de seu irreprimível sentimento de onipotência, anda sendo acometido por surpreendentes surtos de franqueza. No lançamento de um livro hagiográfico dos 10 anos de governo petista, Lula garantiu que não existe político “irretocável do ponto de vista do comportamento moral e ético”. “Não existe”, reiterou. Vale como confissão.
Lula está errado. O que ele afirma serve mesmo é para comprovar os seus próprios defeitos. Seus oito anos na chefia do governo foram de uma dedicação exemplar à tarefa de mediocrizar o exercício da política, transformando-a, como nunca antes na história deste país, em nome de um equivocado conceito de governabilidade, num balcão de negócios cuja expressão máxima foi o episódio do mensalão.
É claro que Lula e o PT não inventaram o toma lá dá cá, a corrupção ativa e passiva, o peculato, a formação de quadrilha na vida pública. Apenas banalizaram a prática desses “malfeitos”, sob o pretexto de criar condições para o desenvolvimento de um programa “popular” de combate às injustiças e à desigualdade social. Durante oito anos, Lula não conseguiu enxergar criminosos em seu governo. Via, no máximo, “aloprados”, cujas cabeças nunca deixou de afagar. O nível de sua tolerância com os “malfeitos” refletiu-se no trabalho que Dilma Rousseff teve, no primeiro ano de seu mandato, para fazer uma “faxina” nos altos escalões do governo.
O que Lula pretende com suas destrambelhadas declarações sobre moral e ética na política é rebaixar a seu nível as relativamente pouco numerosas, mas sem dúvida alguma existentes, figuras combativas de políticos brasileiros que se esforçam – nos partidos, nos três níveis de governo, no Parlamento – para manter padrões de retidão e honestidade na política e na administração pública.
O verdadeiro espírito público não admite mistificação, manipulação, malversação. Ser tolerante com práticas imorais e antiéticas na vida pública pode até estigmatizar como réprobos aqueles que se recusam a se tornar autores ou cúmplices de atos que a consciência cívica da sociedade – e as leis – condenam. Mas não há índice de popularidade, por mais alto que seja, capaz de absolver indefinidamente os espertalhões bons de bico que exploram a miséria humana em benefício próprio. Aquela tolerância, afinal, caracteriza uma ofensa inominável não só aos políticos de genuíno espírito público que o País ainda pode se orgulhar de possuir, como à imensa maioria dos brasileiros que na sua vida diária mantêm inatacável padrão de honradez e dignidade.
Não é à toa que as manifestações públicas de Luiz Inácio Lula da Silva, além das manifestações de crescente megalomania, reservam sempre um bom espaço para o ataque aos “inimigos”. A imagem de Lula, o benfeitor da Pátria, necessita sobressair-se no permanente confronto com antagonistas. Na política externa, são os Estados Unidos. Aqui dentro, multiplicam-se, sempre sob a qualificação depreciativa de “direita”. Mas o alvo predileto é a mídia “monopolista” e “golpista” que se recusa a endossar tudo o que emana do lulopetismo.
Uma das últimas pérolas do repertório lulista é antológica: “Acho que determinados setores da comunicação estão exilados dentro do Brasil. Eles não estão compreendendo o que está acontecendo”. Essa obsessão no ataque à imprensa, que frequentemente se materializa na tentativa de impor o “controle social” da mídia no melhor estilo “bolivariano” – intenção a qual a presidente Dilma, faça-se justiça, tem se mantido firmemente refratária -, só não explica como, tendo a conspirar contra si todo o aparato de comunicação do País, o lulopetismo logrou vencer três eleições presidenciais consecutivas. O fato é que Lula e seus seguidores não se contentam com menos do que a unanimidade

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Burgueses e artistas



 João Pereira Coutinho

Vive como um burguês para que possas reservar toda a radicalidade para a tua arte. Eis o espírito de uma conhecida frase de Flaubert. Haverá conselho mais sábio para qualquer artista ou candidato a? Duvido. Ele transporta duas grandes verdades --e uma grande inferência.
Comecemos pelas verdades. Não existe arte, grande arte, sem ordem, grande ordem. Não falo apenas de um mínimo de ordem pessoal, embora isso ajude: escreve-se melhor quando não existe a angústia suplementar de não haver dinheiro para pagar o uísque das crianças.
Mas também se escreve melhor quando não existe a angústia suplementar de podermos ser perseguidos, presos ou mortos. Exceções?
Sempre houve: casos pungentes de criatividade humana no meio do lodaçal. Mas quem deseja ser essa exceção?
Como dizia o estimável Saul Bellow, eu não conheço o Tolstói dos zulus. Ou o Proust do Sudão. Ofensivo, dizem as brigadas politicamente corretas. Pena que não apresentem esse Tolstói ou esse Proust. Sem provas, ofensiva é a inteligência das brigadas.
Os artistas "boêmios", ou pretensamente "boêmios", só marcham contra a civilização burguesa precisamente porque existe uma. Sem uma civilização burguesa, o lugar deles era a irrelevância, o anonimato ou coisa pior.
E não existe imagem mais patética do que ver o ódio do artista rebelde contra o exato mundo burguês (ou capitalista, tanto faz) que sustenta e promove a sua rebeldia. Flaubert, que nunca morreu de amores por esse mundo, teve pelo menos a honestidade de expressar a sua ambivalência perante ele.
Mas a frase de Flaubert transporta uma segunda verdade: é a tua arte que conta, não a tua vida. É a arte que deve ser julgada, não a tua relação problemática com o sabão ou com as maneiras.
Anos atrás, lembro-me de um velho professor de estética que me contava, maravilhado, que a primeira vez que conhecera o grande escritor e artista português Almada Negreiros, o autor estava sentado no sofá da sala, assistindo ao noticiário, como qualquer "pater familias" depois de mais um dia de labuta.
Almada, o modernista Almada, o futurista Almada, que pintou Fernando Pessoa e deixou "Nome de Guerra", um dos mais primorosos textos do século 20 lusitano --de pantufas em casa! Quem nunca escreveu de pantufas, ou de robe, ou até de pijama, não pode saber o que existe de conforto espiritual no exercício. Recomendo, recomendo.
E recomendo uma inferência suplementar a partir de Flaubert: se não fores um gênio, não te esforces tanto por parecer um. Os gênios não se esforçam. Eles são. A essência precede a aparência, não o contrário. Quando se começa pelo fim, normalmente é porque não há grande coisa no princípio.
Conheço casos. Gente que acredita que a ausência de um livro recomendável, de um quadro recomendável ou de um filme recomendável pode ser compensada com a pose certa de escritor, pintor ou cineasta.
Não pode, meu bem. Quando não existe obra digna desse nome, não é boa ideia uma pessoa apaixonar-se pelo próprio nome. Até porque há paixões que podem não ser correspondidas.
É por isso que o destino usual do artista falsamente inusual é um poço de ressentimentos. Ou, melhor dizendo, a exigência infantil de que o mundo em volta reconheça o tamanho do seu ego. Risível. Não é o ego que tem de ser grande. É a obra. Sempre a obra. Só a obra.
Vive como um burguês para que possas reservar toda a radicalidade para a tua arte. Que o mesmo é dizer: abandona a tua pose no latão de lixo. Não simules conhecimento que não tens. Aprende com quem sabe. Não queiras ser "transgressivo" na tua vida. Aprende primeiro a usar os talheres. E quando quiseres ser "transgressivo", vai lavar os pratos (e os talheres). Isso passa.
Não esperes que o mundo se curve à tua passagem. És tu que te deves curvar à passagem do mundo. E antes de abrires a boca para te rires do que não entendes nem és capaz de fazer --"Woody Allen está a ficar repetitivo, não?"--, cala a boca, ri de ti próprio e pergunta quando foi a última vez que fizeste um filme razoavelmente decente. Ou um romance. Ou um quadro.
E se achares que já fizeste esse filme, ou esse romance, ou esse quadro, então esquece. Podes ir buscar a tua pose no fundo do latão.

O Brasil precisa de mais Lobão, o roqueiro, e de menos Chico Buarque, o propagandista do regime


Não li o livro do cantor e compositor Lobão. Chama-se “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”. Talvez não o lesse em outras circunstâncias. E não vai aqui juízo de valor nenhum. É que já cheguei à fase das releituras. “Arrogante! Reinaldo quer dizer que leu tudo ou que leu o bastante e que já está na segunda rodada…” Errado! Essa ambição, eu tinha aos 20 anos… Aos 51, a gente descobre a absoluta incapacidade não de ler tudo o que há (isso, desde sempre, esteve fora do horizonte); a gente descobre que não terá vida o bastante para ler tudo o que quer. A menos que se seja, como Rousseau, na definição de Fernando Pessoa, um “suíço, castelão e vagabundo”, que entrega os filhos para a assistência pública. Assim, é raro, sim, que eu leia coisa nova. Prefiro voltar às  que me escaparam nos livros que já conheço. Só por isso, então, talvez eu deixasse Lobão de lado. AGORA EU VOU LER. Chegam-me links de críticas de tal sorte cretinas a seu livro, com tal dose de violência, de preconceito, de burrice, de vigarice, de fascismo mesmo, que vou ler, sim! Não sei o que ele diz lá. Talvez eu discorde de um monte de coisa. É provável que sim! O que eu sei é que alguns patrulheiros — muitos deles compõem a súcia de vagabundos e preguiçosos sustentada por estatais — resolveram deixar o livro de lado para atacar o autor.
“Ah, mas também, onde já se viu falar aquilo de Chico Buarque?…” Pois é. Eu defendo que as pessoas façam uma livre apreciação até sobre Jesus Cristo. O Chico Jabuti estaria um degrau acima do Salvador? Eu sei a patrulha de que fui alvo quando afirmei que Niemeyer era metade gênio (o arquiteto) e metade idiota (o comunista de butique). E olhem que alguns amigos meus protestaram. Há quem considere o arquiteto ainda pior do que o “pensador” porque preso a uma visão stalinista do homem, da cultura e da arquitetura. Parecia que eu tinha roubado o pirulito da boca de uma criança pobre… Assim, vou ler o livro de Lobão. Agora eu considero que isso é um ato de resistência aos fascistas do estatismo.
Hoje, no Globo, o economista Rodrigo Constantino, que também não tem medo de comprar briga, escreve um artigo intitulado “Mais Lobão e menos Chico Buarque”. Assino embaixo. Segue a íntegra. Não se trata de uma apreciação estética, de uma valoração da obra de cada um — porque aí se mergulha nas dissensões de gosto. Esse é outro debate. Trata-se de reconhecer que o Brasil contemporâneo é carente de vozes que contestem o poder e o establishment. Já há artistas demais na fila para tocar instrumentos de sopro para o governo. Falta quem toque guitarra, violino, violoncelo… Segue o artigo de Constantino.
*
A bundamolice comportamental, a flacidez filosófica e a mediocridade nacionalista se espraiam hegemônicas. Todo mundo aqui almeja ser funcionário público, militante de partido, intelectual subvencionado pelo governo ou celebridade de televisão, amigo. É o músico Lobão com livro novo na área. Trata-se de Manifesto do Nada na Terra do Nunca, e sua metralhadora giratória não poupa quase ninguém.
Polêmico, sim. Irreverente, sem dúvida. Mas necessário. As críticas de Lobão merecem ser debatidas com atenção e, de preferência, isenção. O próprio cantor sabia que a patrulha de esquerda viria com tudo. Não deu outra: fizeram o que sabem fazer, que é desqualificar o mensageiro com ataques pessoais chulos, com rótulos como reacionário ou roqueiro decadente. Fogem do debate.
Lobão tem coragem de remar contra a maré vermelha, ao contrário da esquerda caviar, a turma radical chic descrita por Tom Wolfe, que vive em coberturas caríssimas, enxerga-se como moralmente superior, e defende o que há de pior na humanidade. No tempo de Wolfe eram os criminosos racistas dos Panteras Negras os alvos de elogios; hoje são os invasores do MST, os corruptos do PT ou ditadores sanguinários comunistas.
O roqueiro rejeita essa típica visão brasileira de vitimização das minorias, de culpar o sistema por crimes individuais, de olhar para o governo como um messias salvador para todos os males. A ideia romântica do Bom Selvagem de Rousseau, tão encantadora para uma elite culpada, é totalmente rechaçada por Lobão.
Compare isso às letras de Chico Buarque, ícone dessa esquerda festiva, sempre enaltecendo os humildes: o pivete, a prostituta, os sem-terra. A retórica sensacionalista, a preocupação com a imagem perante o grande público, a sensação de pertencer ao seleto grupo da Beautiful People são mais importantes, para essas pessoas, do que os resultados concretos de suas ideias.
Vide Cuba. Como alguém ainda pode elogiar a mais longa e assassina ditadura do continente, que espalhou apenas miséria, sangue e escravidão pela ilha caribenha? Lobão, sem medo de ofender os intelectuais influentes, coloca os pingos nos is e chama Che Guevara pelos nomes adequados: facínora, racista, homofóbico e psicopata. Quem pode negar? Ninguém. Por isso preferem desqualificar quem diz a verdade.
Lobão, que já foi cabo eleitoral do PT, não esconde seu passado negro, não opta pelo silêncio constrangedor após o mensalão e tantos outros escândalos. Prefere assumir sua imbecilidade, como ele mesmo diz, e mudar. A fraude que é o PT, outrora visto como bastião da ética por muitos ingênuos, já ficou evidente demais para ser ignorada ou negada. Compare essa postura com a cumplicidade dos intelectuais e artistas, cuja indignação sempre foi bastante seletiva.
Outra área sensível ao autor é a Lei Rouanet, totalmente deturpada. Se a intenção era ajudar gente no começo da carreira, hoje ela se transformou em bolsa artista para músicos já famosos e estabelecidos, muitos engajados na política. Lobão relata que recusou um projeto aprovado para uma turnê sua, pois ele já é conhecido e não precisava da ajuda do governo. Compare isso aos ícones da MPB que recebem polpudas verbas estatais, ou que colocam parentes em ministérios, em uma nefasta simbiose prejudicial à independência artística.
O nacionalismo, o ufanismo boboca, que une gente da direita e da esquerda no Brasil, também é duramente condenado pelo escritor. Quem pode esquecer a patética passeata contra a guitarra elétrica que os dinossauros da MPB realizaram no passado? Complexo de vira-latas, que baba de inveja do império estadunidense. Dessa patologia antiamericana, tão comum na classe artística nacional, Lobão não sofre. O rock, tal como o conhecimento, é universal. Multiculturalismo é coisa de segregacionista arrogante.
No país do carnaval, futebol e novelas, onde reina a paralisia cerebral, a mesmice, o conformismo com a mediocridade, a voz rebelde de Lobão é uma rajada de ar fresco que respiramos na asfixia do politicamente correto, sob a patrulha de esquerdistas que idolatram Chico Buarque e companhia não só pela música.
Em um país de sonâmbulos, anestesiados com uma prosperidade ilusória e insustentável; em um país repleto de gente em busca de esmolas e privilégios estatais; em um país sem oposição, onde até mesmo Guilherme Afif Domingos, que já foi ícone da alternativa liberal, rendeu-se aos encantos do poder; o protesto de Lobão é mais do que bem-vindo: ele é necessário. Precisamos de mais Lobão, e menos Chico Buarque.
Por Reinaldo Azevedo