De
vez em quando, o Brasil se lembra de fazer a coisa certa. A Câmara
concluiu ontem a votação do projeto que muda o Sistema Nacional
Antidrogas — ou, para ser mais preciso, que tenta lhe dar efetividade. O
texto-base, que passou por diversas mudanças (foi retirada, por
exemplo, a internação obrigatória), é do correto deputado Osmar Terra
(PMDB-RS), que também é médico. Ele andou apanhando de certa imprensa
mais do que os… traficantes! Na verdade, o texto foi aprovado contra o
poderoso lobby em favor da descriminação das drogas — que já há algum
tempo pede também a não-punição de “pequenos traficantes”, seja lá o que
isso signifique. O texto aprovado contou com a ativa militância
contrária de amplos setores do PT, especialmente dos deputados José
Genoino (SP), o mensaleiro cheio de opinião, e Paulo Teixeira (SP).
Felizmente, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, costurou e bancou
o acordo. Sim, ministra que é, falava em nome da presidente Dilma
Rousseff. Lamentável é que setores desse mesmo governo, num caso ou de
esquizofrenia ou de descoordenação, banque seminários em favor da
legalização de todas as drogas, a exemplo de um ocorrido recentemente em
Brasília, promovido por um órgão ligado o MEC e com apoio do Ministério
da Saúde.
O texto
cuja votação foi concluída ontem eleva de cinco para oito anos a pena
mínima de traficantes que, atenção!!!, fizerem parte de organização
criminosa. A pena máxima continua a mesma: 15 anos. O PT apresentou um
destaque — contra, reitero, negociação que havia sido empreendida por
Gleisi — para retirar esse dispositivo do texto. “Esse endurecimento da repressão, que não separa traficante de usuário, vai piorar a situação e criar uma falsa ilusão”, afirmou Genoino. “Com essa lei, você poderá pegar quatro pessoas fumando maconha e enquadrar como organização criminosa”, disse Teixeira.
Pela
ordem: Genoino é um homem mesmo singular. Segundo entendo, ele reconhece
a existência de uma “ilusão falsa” e de uma “ilusão verdadeira”. A
primeira, imagino o que seja. Mas e a segunda? Vai ver é o deputado
diante do espelho: “Não, você não fez nada de errado no mensalão”. Por
ilusão, é falsa, mas há uma possibilidade de que ele acredite na
falsidade… Quanto a Teixeira, dizer o quê? Este senhor já concedeu
entrevista a site que faz proselitismo da maconha. Defende ainda que
pessoas surpreendidas com uma quantidade de drogas suficiente para,
ATENÇÃO!, DEZ DIAS DE CONSUMO não sejam importunadas pela lei. Um
viciado em crack pode fumar 30 pedras por dia. Um rapaz de um extinto
grupo musical chamado “Polegar” — Rafael Ilha — confessou publicamente
que chegava a fumar… 60! Fiquemos nas 30… Teixeira quer deixar livre,
leve e solto alguém flagrado com… 300 pedras! Tráfico??? Nada! Seria
apenas consumo. Aquela comissão aloprada que redigiu um anteprojeto de
reforma do Código Penal enviou ao Senado um texto em que propõe que seja
considerada apenas “consumo” a droga suficiente para cinco dias — no
caso em espécie, 150 pedras!!! Como levar essa gente a sério? O
Estado brasileiro seria obrigado, então, a definir a quantidade
considerada, digamos, “padrão” para o consumo diário de substâncias
entorpecentes. Essa conversa é de tal sorte irracional que avalio que
ninguém é assim tão estúpido! Claro que não! Gente que fala essas coisas
quer mesmo é a legalização das drogas e do próprio tráfico.
Daí essa
conversa de “pequeno traficante”… Quem é esse? É aquele que vende droga
para sustentar o pequeno vício? Em quantidades realmente pequenas,
dificilmente seria enquadrado. A hipótese aventada por Teixeira é puro
terrorismo argumentativo. Se quatro pessoas forem flagradas, cada uma
fumando o seu cigarro de maconha, poderão até ser levadas ao juiz, que,
no mais das vezes, se limitará a um advertência. No máximo, terão de
prestar serviço comunitário. Ninguém mais é preso por consumo, e
Teixeira sabe disso. A lei brasileira, a 11.343, já é de uma incrível
liberalidade. Aliás, depois que entrou em vigor, em 2006, o consumo de
drogas aumento muito. E nem poderia ser diferente, não é? Adivinhem qual
eventual punição põe mais medo no consumidor: prisão ou, no máximo,
serviço comunitário?
A nova lei
traz outros aspectos importantes. Ela regulamenta a internação
voluntária e a involuntária — a obrigatória foi retirada do texto. No
primeiro caso, o dependente se submete ao tratamento por vontade
própria; no outro, ela é feita com a autorização da família e o
acompanhamento de profissionais de saúde, que precisam atestar a
necessidade. O texto cuida ainda de um aspecto importante: reconhece as
chamadas comunidades terapêuticas como instrumentos de reinserção do
dependente que está disposto à internação. Essas entidades, hoje em dia,
já recebem dinheiro público. Agora, se a lei for cumprida, seu trabalho
terá o devido acompanhamento.
A questão
gerou bastante polêmica, movimentada pela militância antirreligiosa — em
alguns casos, beirando a cristofobia. Como há grupos evangélicos e
católicos que mantêm essas entidades, começou a gritaria meio boçal: “O
Estado é laico! O Estado é laico!” Claro que é! Os religiosos, por
acaso, estariam impedidos de fazer um trabalho terapêutico por isso?
Ora, peçam, então, o fechamento de todos os hospitais do país ligados a
entidades católicas, por exemplo. Vamos ver no que é que dá. Entidades
religiosas também cuidam de orfanatos e creches. Que tal acabar co eles?
Vai que as criancinhas se tornem cristãs… Ora, haverá condições, se o
texto for aprovado no Senado, de passar a acompanhar o trabalho desses
grupos, de fiscalizá-los adequadamente.
O texto
aprovado na Câmara também permite a dedução no Imposto de Renda, feitas
por pessoas físicas e jurídicas, de doações a entidades dedicadas ao
tratamento de dependentes. E estabelece uma cota de 3% de contratação de
pessoas em tratamento — e sem reincidência — em obras públicas que
empreguem mais de 30 trabalhadores. Oponho-me, é evidente, a esse
cotismo também. Eu o considero, na verdade, absurdo. A ministra Gleisi
tentou retirá-lo. Preferia que houvesse um estímulo à contratação, não a
obrigatoriedade. Mas não deu. Já o o PT, como partido, queria era mais:
achava que os reincidentes deveriam continuar cotistas… Espero que isso
caia no Senado. Prefiro que se reservem 3% das vagas aos que sabem
tocar piano, oboé, clarineta… Ou aos amantes da poesia… Até aos viciados
em Chicabom. Por que um ex-drogado — ou dependente em processo de cura —
teria de ter um privilégio que não se concede a quem resistiu à
tentação da droga? Ora…
Seja como
for, o texto — entendido pelos lobbies pró-maconha e por amplos setores
da imprensa como um “atraso” — é um óbvio avanço. “Avanço, Reinaldo?”
Sim, segundo a ótica dos que consideram que é preciso tomar medidas que
diminuam a exposição das pessoas às drogas e que lugar de traficante é
na cadeia.
Genoino não acha. Nem Paulo Teixeira. “Nem o FHC!”, grita um petralha. Sim, nem FHC.