Falar de certas coisas exige muita habilidade para não
chocar as almas sensíveis. Tome-se como exemplo o ato de expelir gases
intestinais em suas duas formas: a ruidosa e a silenciosa. A ruidosa dá-se o
nome de peido e a silenciosa de bufa.
Quando esses atos são praticados em público todos se afastam do centro
irradiador da catinga mas ninguém ousa pronunciar as palavras nojentas já
relacionadas para designar o crime cometido. Essa atitude visa manter a
aparência de civilidade sem a qual seria difícil sustentar as relações sociais.
Mas alguém tem de levar a culpa. Nesse caso a vitima é o cachorro ou o gato.
Mas nesse sertão a falta de respeito é grande e nada disso
vigora por aqui. Basta um elemento soltar um pum e logo vão apontado o dedo
para o autor assim que é identificado. Inclusive, para desespero do sujeito,
chamam-no logo de bufão. Desse jeito não
há dignidade que se sustente diante de um palavrão desses. E do jeito que vão
as coisas, é pior que ser chamado de ladrão. Para que a vergonha possa ser
suportada, adere-se então a esculhambação geral.
Mas nos centros
civilizados (a galera que nos desculpe) o ato de soltar gases dá-se o nome de
traque e pum. Se a palavra peido causa horror a palavra bufa é inadmissível em qualquer
ambiente. Quando alguém pronuncia esse palavrão, as mães aflitas retiram as
crianças da sala. Todos riem ou se escandalizam quando alguém é chamado de
bufão, o que no dicionário significa sujeito vaidoso e de prosa ruim, um
palhaço em suma. De qualquer modo peido e bufa estão banidos da alta sociedade
e até desconfia-se que a comida de rico não produza gases. A matéria sólida
então deve ser algo quase invisível.
Fazendo minha pesquisa no dicionário descobri que
peido-alemão é um barbante embebido num produto químico que ao ser queimado,
solta um fedor insuportável, o qual me levou a conclusão que os alemães são campeões
nessa matéria.
Mas toda essa introdução mal cheirosa é para falar de um
cara que se deu bem na vida soltando seus traques de derrubar quarteirão. Tão
fedorentos eram seus gases intestinais que peido-alemão nem chegava perto. E
ele começou bem cedo, ainda bebê. A babá sentiu logo o seu poder criminoso um
dia ao trocar suas fraldas. A pobre coitada quase desmaiou ao sentir o odor daquele
gás quase tão venenoso quanto o gás mostarda. Mas continuou em seu ofício na
esperança de que aquele episódio fosse apenas esporádico e talvez as tripinhas
do garoto se recuperassem de algum mal desconhecido e voltasse a soltar seus
traques, se não inodoros, ao menos toleráveis. Logo ela pediu demissão do
emprego porque o menininho não deu trégua. Era só ela ameaçar trocar as fraldas
e lá vinha tiro. E assim aconteceu com todas que se habilitaram ao emprego.
Sem entender o motivo de tanta deserção por parte das
empregadas, a mamãe não teve outra alternativa a não ser cuidar do seu bebê. E
um dia, após tirar as fraldas e passar talquinho no bumbum do garoto, ela
começou a fazer cafuné com o nariz bem na porta de saída dos gases, como fazem
todas as mamães. E foi naquele momento que o bebezinho querido soltou um pum
tão fenomenal que mamãe ficou com o rosto todo branco coberto pelo talco. Ela,
ao receber aquele petardo bem no nariz, primeiro ficou paralisada pelo impacto,
depois caiu de costas em coma profundo. O médico ao constatar a gravidade do
quadro ordenou sua internação numa UTI, o que levou alguns dias para mamãe se
recuperar. Foi aí então que ela compreendeu porque nenhuma empregada queria
cuidar daquela fofura. Daí em diante, com grande constrangimento, mamãe mandou
providenciar uma máscara contra gases, não aquela descartável que se vende em
farmácias, mas uma profissional com duas ventosas do lado.
Nem vou relatar as desventurar dos seus familiares ao ter de
conviver com aquele garoto. Basta dizer que seu quarto era separado dos irmãos
e à mesa era vigiado ferozmente por seu pai. O banheiro era lá no quintal para afastar
o perigo de asfixiar toda a família. Ele que já tinha descoberto o poder que
tinha em mãos (ops, no traseiro), não sofreu bullying na escola. Era só um
coleguinha desprevenido vir com ares de valentia para agredi-lo que ele soltava
um dos seus traques meia bomba para afugentar a vítima. E ele era tão sádico
que primeiro deixava o agressor agarra-lo para depois acionar seu sistema de
defesa. Ninguém ousava se aproximar, tão fulminante era sua capacidade gasosa.
Professor que ousasse lhe dar nota baixa estava exposto a experimentar o que
muitos evitavam apavorados. E assim completou seus estudos com relativa
tranquilidade tirando notas excelentes.
Só havia uma nota triste nessa história: a solidão que ele
sofria. Todo mundo o evitava, até as garotas temerosas de serem vitimadas pelo
pum criminoso. Mas como em todo lugar há os perdedores, ele tinha lá sua turma.
Eram os garotos da escola, fregueses contumazes do bullying. Andando com ele
ninguém ousava se aproximar. Ao completar seu período escolar foi para a
capital tentar melhor sorte.
Lauro Adolfo
(No próximo post, a segunda parte da trajetória de nosso
personagem