O
governo Dilma leva a sério essa conversa de convicções. Tanto é assim
que tem um monte delas. Até ontem, considerava vital contratar médicos
cubanos; agora, felizmente, mudou de ideia.
Ainda bem, não é? Estava prestes a importar um tipo de trabalho que a
Organização Internacional do Trabalho considera mão de obra escrava. Já
volto ao tema. Continua o esforço para trazer ao país médicos da Espanha
e de Portugal, que não terão de revalidar seu diploma por aqui.
Profissionais de qualquer país poderão ocupar vagas no SUS que não forem
ocupadas por brasileiros. Há algumas precondições: domínio da língua
portuguesa, ter feito um curso com carga horária equivalente à que aqui
se pratica e serem oriundos de países com uma taxa de médicos por 1000
habitantes superior à nossa. Também volto a esse particular. Quero me
ater primeiro ao programa que obriga todo estudante de medicina a prestar dois anos de serviço para o SUS.
Os
autoritários, que sempre pretextam um amor imenso pela humanidade (não
era diferente com Stálin, Mao Tsé-tung, Pol Pot…), vão achar tudo muito
lindo! Afinal, a moçada do jaleco tem de fazer o juramento de
Hipócrates, não é? Se é assim, todo médico tem de ir aonde o doente
está, certo? Sim e não! Ou todo engenheiro tem de ir aonde a ponte não
está; ou todo professor, aonde o conhecimento não está; ou todo
dentista, aonde as cáries ou os banguelas estão… Vamos com calma aí!
Esse troço tem o viés autoritário típico de Aloizio Mercadante. Ele já
decidiu também estatizar os estudantes de direito. O primeiro ministro
do coração de Dilma Rousseff quer obrigá-los a todos a fazer estágio em
órgão público.
Vamos ver:
eu defendo que formandos de universidade pública, do ProUni e do
crédito estudantil subsidiado prestem serviço civil obrigatório, sim,
senhores! Se o estado — na verdade, o conjunto dos brasileiros —
financiou o curso, nada mais justo do que haver uma compensação. Seria
preciso estudar a forma de fazê-lo. Por que só para os médicos? Os
pobres precisam de dentistas, de engenheiros, de enfermeiros, de
nutricionistas, de professores… Nada mais justo do que buscar essa mão
de obra entre aqueles que foram especialmente beneficiados pelo estado —
com a gratuidade total ou parcial (na forma de subsídio) de seus
respectivos cursos. Aliás, o tempo de serviço civil obrigatório deveria
variar de acordo com a modalidade de financiamento.
Mas é um
abuso óbvio “estatizar” a mão de obra de quem estudou por sua conta, sem
recorrer a nenhuma forma de auxílio do estado. Por que um estudante de
uma escola privada, que resolveu financiar seu próprio curso, teria de
submeter às mesmas condições? Em nome de quê? Ora, institua-se no país a
possibilidade do serviço civil obrigatório para formandos de terceiro
grau da escola pública (ProUni e crédito estudantil). Eles saberão,
desde sempre, que estarão sujeitos à convocação —, e isso certamente
pesará na sua decisão ao escolher uma universidade.
Notem que
não acho a obrigatoriedade ruim em si, não! Só que ela poderia ser feita
atendendo-se ao fundamento democrático. Mas aí não combina com o bigode
de Mercadante. Se não houver o traço autoritário, não fica bem.
Médicos estrangeiros
Sim, sim, pode-se dizer que é melhor ter um médico engrolando português do que ter médico nenhum; pode-se dizer que o atendimento básico é importante e que males futuros podem ser evitados nessa fase e coisa e tal. Tudo bem! Ainda assim, continua um absurdo que médicos estrangeiros possam atuar no Brasil sem revalidar aqui seus respectivos diplomas, e isso demanda uma prova que avalie a proficiência do profissional. “Ah, mas eles não poderão executar todos os procedimentos…” Pois é: por definição, teremos médicos pela metade.
Sim, sim, pode-se dizer que é melhor ter um médico engrolando português do que ter médico nenhum; pode-se dizer que o atendimento básico é importante e que males futuros podem ser evitados nessa fase e coisa e tal. Tudo bem! Ainda assim, continua um absurdo que médicos estrangeiros possam atuar no Brasil sem revalidar aqui seus respectivos diplomas, e isso demanda uma prova que avalie a proficiência do profissional. “Ah, mas eles não poderão executar todos os procedimentos…” Pois é: por definição, teremos médicos pela metade.
Se esse
negócio prosperar, começaremos a entrar em contato com os “causos”, e
aí, então, veremos. Um médico espanhol ou português poderão fazer, por
exemplo, uma traqueostomia de emergência para evitar que um paciente
morra de edema de glote? “Ah, quantos casos desses acontecem?” Não sei.
Poderão fazer incisões no caso de picada de cobra? Há situações em que
cirurgias de emergência, mesmo sem as condições adequadas, fazem a
diferença entre a vida e a morte.
Que
segurança terá o governo — e, pois, os pacientes — na contratação desses
profissionais? Por que pessoas qualificadas em seus países de origem
procurariam trabalhar em situação adversa no Brasil? Sim, há os
abnegados, os que gostam de atuar em regiões inóspitas, mas isso traduz
um perfil muito específico do profissional. Não raro, quem escolhe esse
caminho opta por atuar em organizações humanitárias.
Se o país
está em busca de profissionais competentes, ainda que para o primeiro
atendimento, por que dispensá-los do exame? Se competentes, serão
aprovados; se não forem, qual é o sentido de contratá-los a não ser
certa má consciência original: “Ah, para pobre, está bom; melhor isso do
que nada…”?
Médicos cubanos
Agora que o governo desistiu de trazer os seis mil médicos cubanos, entendemos a enormidade que estava em curso. Tratava-se de um acordo com a ditadura. Os médicos que viriam ao Brasil não seriam donos de seu próprio destino, como não são os que atuam na Venezuela. Parte dos seus vencimentos seria confiscada em favor da ilha dos irmãos Castro. Estariam, no Brasil, submetidos às regras cubanas, não às brasileiras.
Agora que o governo desistiu de trazer os seis mil médicos cubanos, entendemos a enormidade que estava em curso. Tratava-se de um acordo com a ditadura. Os médicos que viriam ao Brasil não seriam donos de seu próprio destino, como não são os que atuam na Venezuela. Parte dos seus vencimentos seria confiscada em favor da ilha dos irmãos Castro. Estariam, no Brasil, submetidos às regras cubanas, não às brasileiras.
Os que
foram enviados à Venezuela deixaram suas respectivas famílias na ilha.
Assim, terão de voltar, queiram ou não. Ainda é melhor do que viver
naquele inferno, ganhando não mais do que uma espécie de ração. Mas
parece evidente que a relação se enquadra na Convenção 29,
da Organização Internacional do Trabalho, que caracteriza trabalho
escravo ou forçado. E o Brasil é signatário de um tratado para pôr fim
ao trabalho escravo, não é mesmo?
Por Reinaldo Azevedo