quarta-feira, 31 de julho de 2013

O pum assassino – I

Falar de certas coisas exige muita habilidade para não chocar as almas sensíveis. Tome-se como exemplo o ato de expelir gases intestinais em suas duas formas: a ruidosa e a silenciosa. A ruidosa dá-se o nome de peido e a silenciosa de bufa.  Quando esses atos são praticados em público todos se afastam do centro irradiador da catinga mas ninguém ousa pronunciar as palavras nojentas já relacionadas para designar o crime cometido. Essa atitude visa manter a aparência de civilidade sem a qual seria difícil sustentar as relações sociais. Mas alguém tem de levar a culpa. Nesse caso a vitima é o cachorro ou o gato.
Mas nesse sertão a falta de respeito é grande e nada disso vigora por aqui. Basta um elemento soltar um pum e logo vão apontado o dedo para o autor assim que é identificado. Inclusive, para desespero do sujeito, chamam-no logo de bufão.  Desse jeito não há dignidade que se sustente diante de um palavrão desses. E do jeito que vão as coisas, é pior que ser chamado de ladrão. Para que a vergonha possa ser suportada, adere-se então a esculhambação geral.
 Mas nos centros civilizados (a galera que nos desculpe) o ato de soltar gases dá-se o nome de traque e pum. Se a palavra peido causa horror a palavra bufa é inadmissível em qualquer ambiente. Quando alguém pronuncia esse palavrão, as mães aflitas retiram as crianças da sala. Todos riem ou se escandalizam quando alguém é chamado de bufão, o que no dicionário significa sujeito vaidoso e de prosa ruim, um palhaço em suma. De qualquer modo peido e bufa estão banidos da alta sociedade e até desconfia-se que a comida de rico não produza gases. A matéria sólida então deve ser algo quase invisível.
Fazendo minha pesquisa no dicionário descobri que peido-alemão é um barbante embebido num produto químico que ao ser queimado, solta um fedor insuportável, o qual me levou a conclusão que os alemães são campeões nessa matéria.
Mas toda essa introdução mal cheirosa é para falar de um cara que se deu bem na vida soltando seus traques de derrubar quarteirão. Tão fedorentos eram seus gases intestinais que peido-alemão nem chegava perto. E ele começou bem cedo, ainda bebê. A babá sentiu logo o seu poder criminoso um dia ao trocar suas fraldas. A pobre coitada quase desmaiou ao sentir o odor daquele gás quase tão venenoso quanto o gás mostarda. Mas continuou em seu ofício na esperança de que aquele episódio fosse apenas esporádico e talvez as tripinhas do garoto se recuperassem de algum mal desconhecido e voltasse a soltar seus traques, se não inodoros, ao menos toleráveis. Logo ela pediu demissão do emprego porque o menininho não deu trégua. Era só ela ameaçar trocar as fraldas e lá vinha tiro. E assim aconteceu com todas que se habilitaram ao emprego.
Sem entender o motivo de tanta deserção por parte das empregadas, a mamãe não teve outra alternativa a não ser cuidar do seu bebê. E um dia, após tirar as fraldas e passar talquinho no bumbum do garoto, ela começou a fazer cafuné com o nariz bem na porta de saída dos gases, como fazem todas as mamães. E foi naquele momento que o bebezinho querido soltou um pum tão fenomenal que mamãe ficou com o rosto todo branco coberto pelo talco. Ela, ao receber aquele petardo bem no nariz, primeiro ficou paralisada pelo impacto, depois caiu de costas em coma profundo. O médico ao constatar a gravidade do quadro ordenou sua internação numa UTI, o que levou alguns dias para mamãe se recuperar. Foi aí então que ela compreendeu porque nenhuma empregada queria cuidar daquela fofura. Daí em diante, com grande constrangimento, mamãe mandou providenciar uma máscara contra gases, não aquela descartável que se vende em farmácias, mas uma profissional com duas ventosas do lado.
Nem vou relatar as desventurar dos seus familiares ao ter de conviver com aquele garoto. Basta dizer que seu quarto era separado dos irmãos e à mesa era vigiado ferozmente por seu pai. O banheiro era lá no quintal para afastar o perigo de asfixiar toda a família. Ele que já tinha descoberto o poder que tinha em mãos (ops, no traseiro), não sofreu bullying na escola. Era só um coleguinha desprevenido vir com ares de valentia para agredi-lo que ele soltava um dos seus traques meia bomba para afugentar a vítima. E ele era tão sádico que primeiro deixava o agressor agarra-lo para depois acionar seu sistema de defesa. Ninguém ousava se aproximar, tão fulminante era sua capacidade gasosa. Professor que ousasse lhe dar nota baixa estava exposto a experimentar o que muitos evitavam apavorados. E assim completou seus estudos com relativa tranquilidade tirando notas excelentes.
Só havia uma nota triste nessa história: a solidão que ele sofria. Todo mundo o evitava, até as garotas temerosas de serem vitimadas pelo pum criminoso. Mas como em todo lugar há os perdedores, ele tinha lá sua turma. Eram os garotos da escola, fregueses contumazes do bullying. Andando com ele ninguém ousava se aproximar. Ao completar seu período escolar foi para a capital tentar melhor sorte.

 Lauro Adolfo

(No próximo post, a segunda parte da trajetória de nosso personagem