Atualmente, um a cada cinco senadores exerce o mandato e participa de decisões políticas importantes para o país sem ter recebido um voto sequer
Gabriel Castro, Laryssa Borges e Marcela Mattos, de Brasília
PARAÍSO - Plenário do Senado Federal; atualmente,
dezesseis parlamentares exercem mandato e usufruem das regalias do cargo
sem ter recebido um voto
(Leopoldo Silva/Agência Senado)
Mesmo entre os políticos acostumados à boa vida bancada pelo dinheiro
público, o Senado é descrito como o paraíso - com a vantagem, como
ironizou o antropólogo e ex-senador Darcy Ribeiro, de que não é preciso
morrer para chegar lá. O salário resvala no teto do funcionalismo: 26
723,13 reais mensais. Os benefícios são muitos: apartamento funcional,
carro e motorista à disposição, verba indenizatória para bancar gasolina
e despesas do gabinete, telefone, passagens aéreas e trabalho
presencial obrigatório apenas de terça a quinta-feira.
O que muitos eleitores ignoram é que quase um a cada cinco integrantes
da Casa chegou lá sem passar pelo crivo das urnas. São suplentes que,
por diferentes razões, integram hoje a cúpula do poder político
brasileiro. Dos 81 senadores com mandato no país, dezesseis fazem parte
dessa categoria atualmente, número que costuma aumentar
consideravelmente em períodos eleitorais, quando os titulares se engajam
em campanhas políticas. A regra atual, em que o senador eleito carrega
consigo dois suplentes, cria distorções a tal ponto que os estados de
Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Norte, por exemplo, têm atualmente
apenas um senador eleito pelo voto. As outras duas cadeiras são ocupadas
por suplentes.
"Não sou contra a presença do suplente, acho que há muito preconceito. A
legitimidade é absolutamente igual. Ele se submeteu ao voto como
integrante de uma chapa", justifica o senador suplente Aníbal Diniz
(PT-AC). Ele ocupa uma vaga no Senado no lugar de Tião Viana, petista
eleito para governar o Acre.
No dia a dia, muitos dos senadores substitutos passam incógnitos pelo
Senado: dificilmente alguém reconheceria, por exemplo, Wilder Morais
(DEM-GO), Paulo Davim (PV-RN) ou Ruben Figueiró (PSDB-MS) nas ruas.
Outros suplentes, entretanto, se acostumaram com o poder e buscaram voo
solo. Alguns dos principais articuladores políticos do Senado chegaram
até lá de carona. É o caso do poderoso empresário Clésio Andrade
(PMDB-MG), que ganhou o mandato de senador com a morte de Eliseu Resende
(DEM-MG), em 2011. Ou do líder do PTB, Gim Argello (DF), que herdou a
cadeira quando Joaquim Roriz (então no PMDB) renunciou ao mandato após
ser alvejado por uma saraivada de denúncias. Argello assumiu o posto em
julho de 2007 e cumprirá praticamente todo o mandato que não era dele:
permanecerá no Senado até o início de 2015.
Também há casos resultantes da desorganização partidária e do xadrez
bizarro das alianças regionais. Em certas situações, o eleitor optou por
um candidato de oposição ao governo federal e acabou sendo representado
por um político da base. No Rio Grande do Norte, por exemplo, os
potiguares votaram na oposicionista Rosalba Ciarlini (DEM), que ganhou
uma cadeira no Senado em 2006. Quatro anos depois, ela foi eleita
governadora e a cadeira no Senado passou para as mãos de Garibaldi Alves
(PMDB), que completa 90 anos no final deste mês e sempre vota conforme
os interesses do governo - o filho dele, Garibaldi Alves Filho, do mesmo
partido, é ministro da Previdência Social.
Caso semelhante ocorreu quando os eleitores de Minas Gerais conduziram
Itamar Franco (PPS) ao Senado, em 2010. Em julho de 2011, após cerca de
seis meses fazendo oposição ao governo Dilma, o ex-presidente da
República morreu.
Com a morte de Itamar, até janeiro de 2019 uma das vagas de senador
mineiro será ocupada por Zezé Perrella (PDT-MG), aliado do governo
federal.
Financiadores - O cobiçado cargo de suplente é
escolhido a dedo conforme o interesse do político titular. É comum que
parte dos parlamentares destine o posto a empresários que financiam suas
campanhas. O cassado Demóstenes Torres
(GO) fez isso com o milionário empreendedor goiano Wilder Morais, que
já declarou à Justiça Eleitoral mais de 14 milhões de reais em doações.
Em 2010, as empresas do então suplente Wilder destinaram 700 000 reais
à campanha de Demóstenes.
O suplente Ataídes Oliveira (PSDB-TO), por sua vez, destinou 305 000
reais para o comitê financeiro do Partido da República (PR), legenda do
titular da vaga - e temporariamente afastado - João Ribeiro (PR-TO). Com
a promessa de um dia chegar à cadeira do Senado, o suplente Francisco
Simeão Rodrigues Neto doou para a campanha do senador paranaense Roberto
Requião mais de 857 000 reais. O empresário Raimundo Lira, suplente do
paraibano Vital do Rego, também fez doações do titular da vaga: 870 000
reais declarados.
Além das generosas doações para o caixa de campanha, outra prática
recorrente é a nomeação de parentes para a suplência, situação que, ao
contrário do nepotismo, é permitida pela lei brasileira. Um dos
principais exemplos é Lobão Filho (PMDB-MA), herdeiro da cadeira do pai,
o ministro Edison Lobão (Minas e Energia).
Já Ivo Cassol (PP-RO) fez diferente: nomeou o pai como seu substituto. Reditario Cassol,
do mesmo partido, teve seus minutos de fama durante os três meses que
passou no Senado: defendeu, da tribuna, a aplicação do "chicote" em
presidiários.
O alagoano Fernando Collor (PTB) também preencheu a suplência com
familiares. Ele escolheu seus primos Euclydes Mello e Ada Mello para
substituí-lo. Ada já ocupou o posto de senadora por cerca de um mês em
2008, enquanto Collor se dedicava à campanha do filho Fernando James à
prefeitura de Rio Largo (AL).
Mudança - As críticas ao modelo de dupla suplência
para os senadores não são novas. Mas, a exemplo de outras alterações na
legislação eleitoral, falta consenso para a adoção de novas regras. Uma
das tentativas para a regulação dos mandatos de senadores sem voto foi
debatida durante a fracassada discussão da reforma política em 2011. Uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) capitaneada por José Sarney
(PMDB-AP) extinguia a figura de segundo suplente, proibia a nomeação de
parentes do titular para a primeira suplência e convocava nova eleição
em caso de vacância definitiva. O texto chegou a ser aprovado pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa, mas
está parado desde então.
"O projeto não avançou porque a reforma política não avançou. A minha
experiência, com mais de 40 anos de mandato, é que o Congresso vota
aquilo que o governo ou a sociedade querem", diz o senador Luiz Henrique
(PMDB-SC), que foi relator da proposta e deu parecer favorável à
mudança.
“São senadores sem votos. Isso tem de mudar. O titular coloca alguém da
confiança dele, um parente, filho, esposa ou quem financiou a campanha.
Eles não representam a vontade do eleitorado”, avalia o cientista
político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB). Para ele,
uma forma de garantir representatividade aos suplentes seria, no
afastamento do titular, nomear como senador o segundo mais votado dentro
da coligação. “Eles teriam algum voto e isso fortaleceria as
coligações”, completa. “Até houve propostas de mudança, mas elas estão
no escaninho esperando boa vontade do Congresso para serem aprovadas.”
O cientista político Paulo Kramer, da UnB, também defende a adoção de
um sistema em que o candidato não eleito mais votado assuma em caso de
vacância do cargo: "É a alternativa mais evidente". Ele afirma,
entretanto, que o comodismo dos parlamentares dificulta a realização de
mudanças. "Cada detentor de mandato pensa: 'Mesmo com essas falhas, ou
talvez até por causa delas, eu me elegi. será que vale apenas eu
arriscar e mudar as regras?'"
O próprio senador Lobão Filho, suplente de seu pai, chegou a apresentar
uma proposta para redesenhar o papel do suplente, que também teria de
ser votado para exercer o mandato. A iniciativa do parlamentar
determinava que o partido ou coligação apresentasse dois candidatos para
cada vaga em disputa no Senado. O mais votado seria eleito e o segundo
colocado ocuparia a suplência. "Pretende-se que os suplentes também
recebam votos do povo como ocorre com os titulares, suprindo a carência
de legitimidade e pondo fim à condição de ser apenas indicado",
justificou o senador-tampão. O projeto foi arquivado