Não li o
livro do cantor e compositor Lobão. Chama-se “Manifesto do Nada na Terra
do Nunca”. Talvez não o lesse em outras circunstâncias. E não vai aqui
juízo de valor nenhum. É que já cheguei à fase das releituras.
“Arrogante! Reinaldo quer dizer que leu tudo ou que leu o bastante e que
já está na segunda rodada…” Errado! Essa ambição, eu tinha aos 20 anos…
Aos 51, a gente descobre a absoluta incapacidade não de ler tudo o que
há (isso, desde sempre, esteve fora do horizonte); a gente descobre que
não terá vida o bastante para ler tudo o que quer. A menos que se seja,
como Rousseau, na definição de Fernando Pessoa, um “suíço, castelão e
vagabundo”, que entrega os filhos para a assistência pública. Assim, é
raro, sim, que eu leia coisa nova. Prefiro voltar às que me escaparam
nos livros que já conheço. Só por isso, então, talvez eu deixasse Lobão
de lado. AGORA EU VOU LER. Chegam-me links de críticas de tal sorte
cretinas a seu livro, com tal dose de violência, de preconceito, de
burrice, de vigarice, de fascismo mesmo, que vou ler, sim! Não sei o que
ele diz lá. Talvez eu discorde de um monte de coisa. É provável que
sim! O que eu sei é que alguns patrulheiros — muitos deles compõem a
súcia de vagabundos e preguiçosos sustentada por estatais — resolveram
deixar o livro de lado para atacar o autor.
“Ah, mas
também, onde já se viu falar aquilo de Chico Buarque?…” Pois é. Eu
defendo que as pessoas façam uma livre apreciação até sobre Jesus
Cristo. O Chico Jabuti estaria um degrau acima do Salvador? Eu sei a
patrulha de que fui alvo quando afirmei que Niemeyer era metade gênio (o
arquiteto) e metade idiota (o comunista de butique). E olhem que alguns
amigos meus protestaram. Há quem considere o arquiteto ainda pior do
que o “pensador” porque preso a uma visão stalinista do homem, da
cultura e da arquitetura. Parecia que eu tinha roubado o pirulito da
boca de uma criança pobre… Assim, vou ler o livro de Lobão. Agora eu
considero que isso é um ato de resistência aos fascistas do estatismo.
Hoje, no
Globo, o economista Rodrigo Constantino, que também não tem medo de
comprar briga, escreve um artigo intitulado “Mais Lobão e menos Chico
Buarque”. Assino embaixo. Segue a íntegra. Não se trata de uma
apreciação estética, de uma valoração da obra de cada um — porque aí se
mergulha nas dissensões de gosto. Esse é outro debate. Trata-se de
reconhecer que o Brasil contemporâneo é carente de vozes que contestem o
poder e o establishment. Já há artistas demais na fila para tocar
instrumentos de sopro para o governo. Falta quem toque guitarra,
violino, violoncelo… Segue o artigo de Constantino.
*
A bundamolice comportamental, a flacidez filosófica e a mediocridade nacionalista se espraiam hegemônicas. Todo mundo aqui almeja ser funcionário público, militante de partido, intelectual subvencionado pelo governo ou celebridade de televisão, amigo. É o músico Lobão com livro novo na área. Trata-se de Manifesto do Nada na Terra do Nunca, e sua metralhadora giratória não poupa quase ninguém.
A bundamolice comportamental, a flacidez filosófica e a mediocridade nacionalista se espraiam hegemônicas. Todo mundo aqui almeja ser funcionário público, militante de partido, intelectual subvencionado pelo governo ou celebridade de televisão, amigo. É o músico Lobão com livro novo na área. Trata-se de Manifesto do Nada na Terra do Nunca, e sua metralhadora giratória não poupa quase ninguém.
Polêmico,
sim. Irreverente, sem dúvida. Mas necessário. As críticas de Lobão
merecem ser debatidas com atenção e, de preferência, isenção. O próprio
cantor sabia que a patrulha de esquerda viria com tudo. Não deu outra:
fizeram o que sabem fazer, que é desqualificar o mensageiro com ataques
pessoais chulos, com rótulos como reacionário ou roqueiro decadente.
Fogem do debate.
Lobão tem
coragem de remar contra a maré vermelha, ao contrário da esquerda
caviar, a turma radical chic descrita por Tom Wolfe, que vive em
coberturas caríssimas, enxerga-se como moralmente superior, e defende o
que há de pior na humanidade. No tempo de Wolfe eram os criminosos
racistas dos Panteras Negras os alvos de elogios; hoje são os invasores
do MST, os corruptos do PT ou ditadores sanguinários comunistas.
O roqueiro
rejeita essa típica visão brasileira de vitimização das minorias, de
culpar o sistema por crimes individuais, de olhar para o governo como um
messias salvador para todos os males. A ideia romântica do Bom Selvagem
de Rousseau, tão encantadora para uma elite culpada, é totalmente
rechaçada por Lobão.
Compare
isso às letras de Chico Buarque, ícone dessa esquerda festiva, sempre
enaltecendo os humildes: o pivete, a prostituta, os sem-terra. A
retórica sensacionalista, a preocupação com a imagem perante o grande
público, a sensação de pertencer ao seleto grupo da Beautiful People são
mais importantes, para essas pessoas, do que os resultados concretos de
suas ideias.
Vide Cuba.
Como alguém ainda pode elogiar a mais longa e assassina ditadura do
continente, que espalhou apenas miséria, sangue e escravidão pela ilha
caribenha? Lobão, sem medo de ofender os intelectuais influentes, coloca
os pingos nos is e chama Che Guevara pelos nomes adequados: facínora,
racista, homofóbico e psicopata. Quem pode negar? Ninguém. Por isso
preferem desqualificar quem diz a verdade.
Lobão, que
já foi cabo eleitoral do PT, não esconde seu passado negro, não opta
pelo silêncio constrangedor após o mensalão e tantos outros escândalos.
Prefere assumir sua imbecilidade, como ele mesmo diz, e mudar. A fraude
que é o PT, outrora visto como bastião da ética por muitos ingênuos, já
ficou evidente demais para ser ignorada ou negada. Compare essa postura
com a cumplicidade dos intelectuais e artistas, cuja indignação sempre
foi bastante seletiva.
Outra área
sensível ao autor é a Lei Rouanet, totalmente deturpada. Se a intenção
era ajudar gente no começo da carreira, hoje ela se transformou em bolsa
artista para músicos já famosos e estabelecidos, muitos engajados na
política. Lobão relata que recusou um projeto aprovado para uma turnê
sua, pois ele já é conhecido e não precisava da ajuda do governo.
Compare isso aos ícones da MPB que recebem polpudas verbas estatais, ou
que colocam parentes em ministérios, em uma nefasta simbiose prejudicial
à independência artística.
O
nacionalismo, o ufanismo boboca, que une gente da direita e da esquerda
no Brasil, também é duramente condenado pelo escritor. Quem pode
esquecer a patética passeata contra a guitarra elétrica que os
dinossauros da MPB realizaram no passado? Complexo de vira-latas, que
baba de inveja do império estadunidense. Dessa patologia antiamericana,
tão comum na classe artística nacional, Lobão não sofre. O rock, tal
como o conhecimento, é universal. Multiculturalismo é coisa de
segregacionista arrogante.
No país do
carnaval, futebol e novelas, onde reina a paralisia cerebral, a
mesmice, o conformismo com a mediocridade, a voz rebelde de Lobão é uma
rajada de ar fresco que respiramos na asfixia do politicamente correto,
sob a patrulha de esquerdistas que idolatram Chico Buarque e companhia
não só pela música.
Em um país
de sonâmbulos, anestesiados com uma prosperidade ilusória e
insustentável; em um país repleto de gente em busca de esmolas e
privilégios estatais; em um país sem oposição, onde até mesmo Guilherme
Afif Domingos, que já foi ícone da alternativa liberal, rendeu-se aos
encantos do poder; o protesto de Lobão é mais do que bem-vindo: ele é
necessário. Precisamos de mais Lobão, e menos Chico Buarque.