A
Venezuela caminha para um impasse institucional, mais um, produzido
pelo chavismo, que se mostra incapaz de seguir as leis criadas pelo
próprio bolivarianismo. Que notável! Democracia e estado de direito não
são conceitos sinônimos, embora assim costumem ser tomados. Por essa
razão, neste blog, sempre que me refiro a esse par, opto pelo conectivo:
“estado democrático E de direito”. A Venezuela é hoje
uma ditadura porque um grupo usa de modo ilegítimo a estrutura
repressiva do estado para impor a sua vontade, tolhendo direitos
individuais e impedindo o pleno exercício das liberdades públicas. É
possível, em tese, haver uma “ditadura de direito” desde que os próceres
do regime se encarreguem de fazer valer as leis que estão escritas,
ainda que repressivas. Ocorre que não há tirania no mundo que consiga
responder ao imponderável. Por isso os regimes de força costumam ser
também discricionários, mandando às favas as leis que eles próprios
impuseram.
Estamos
prestes a assistir a um espetáculo grotesco na Venezuela, que tende a
coroar com a discricionariedade a ditadura. Caso isso se confirme, estou
curioso para saber como reagirá o governo Dilma. Mas isso fica para o
post seguinte. Voltemos ao ponto. A Constituição da Venezuela
foi escrita e referendada sob os auspícios da “revolução bolivariana”.
Ali estão alguns dos pilares do regime chavista, que instituiu o
unicameralismo, mudando, inclusive o nome do país para “República
Bolivariana da Venezuela”.
Essa
Constituição — inegavelmente “bolivariana”, pois — não é nem omissa nem
ambígua sobre o que fazer quando um presidente eleito não pode tomar
posse. O Artigo 231 não poderia ser mais claro:
“O
candidato eleito ou candidata eleita tomará posse do cargo de
presidente ou presidente da República no dia dez de janeiro do primeiro
ano de seu período constitucional, mediante juramento diante da
Assembleia Nacional. Se, por qualquer motivo, o presidente ou presidente
da República não puder tomar posse diante da Assembleia Nacional, ele o
fará diante do Tribunal Supremo de Justiça”.
Leiam com
atenção. Não há uma só palavra que aponte para a hipótese de uma posse
automática, ainda que de um presidente reeleito, ou de uma prorrogação
de mandato. Os chavistas estão vendo uma brecha inexistente na
possibilidade de o presidente assumir o mandato diante do Tribunal
Supremo de Justiça. Alegam que o texto é omisso sobre a data em que isso
poderia ser feito.
A
possibilidade de o eleito tomar posse diante do tribunal, não da
Assembleia, é apenas uma das “defesas” do bolivarianismo contra um
eventual choque entre o presidente e o Parlamento, que poderia, ainda
que numa hipótese remota, ser hostil ao futuro mandatário. Trata-se
apenas de uma prevenção contra um eventual boicote ao futuro mandatário.
Nesse caso, a Justiça lhe daria a posse. OU POR OUTRA: ESSE TRECHO DA
CONSTITUIÇÃO RESPONDE A UM IMPASSE POLÍTICO QUE FOSSE PROVOCADO PELOS
PARLAMENTARES; NADA TEM A VER COM A IMPOSSIBILIDADE DE O PRESIDENTE
TOMAR POSSE.
Há mais: o
texto constitucional não para por aí. O Artigo 233 estabelece o caminho
em caso de impedimento absoluto do presidente da República:
“(…) se procederá uma nova eleição universal, direta e secreta, dentro dos trinta dias consecutivos seguintes”. Enquanto não se tem o novo presidente, “se encarregará da Presidência da República o presidente ou presidente da Assembleia Nacional”.
“(…) se procederá uma nova eleição universal, direta e secreta, dentro dos trinta dias consecutivos seguintes”. Enquanto não se tem o novo presidente, “se encarregará da Presidência da República o presidente ou presidente da Assembleia Nacional”.
Fim de papo
Segundo o que estabelece a própria Constituição da dita “República Bolivariana da Venezuela”, fim de papo. Chávez não tem condições de comparecer diante da Assembleia na próxima quinta-feira. Antes de deixar o país para uma nova cirurgia em Cuba, ele próprio acenou com a possibilidade de uma nova eleição — sabia lhe restar pouco tempo e anteviu a possibilidade do impedimento definitivo — e pediu apoio a Nicolás Maduro.
Segundo o que estabelece a própria Constituição da dita “República Bolivariana da Venezuela”, fim de papo. Chávez não tem condições de comparecer diante da Assembleia na próxima quinta-feira. Antes de deixar o país para uma nova cirurgia em Cuba, ele próprio acenou com a possibilidade de uma nova eleição — sabia lhe restar pouco tempo e anteviu a possibilidade do impedimento definitivo — e pediu apoio a Nicolás Maduro.
Nem o
próprio Chávez foi tão, digamos, “ousado” na interpretação do texto
constitucional. O mais curioso, ou nem tanto, desse debate é que o
presidente da Assembleia, que tem de assumir o controle do país por 30
dias, marcando as novas eleições, é o também chavista Diosdado Cabello.
Ele e Maduro lideram correntes distintas do chavismo, e ninguém sabe,
nem eles dois, com quais forças podem contar. O impasse constitucional
artificialmente criado é, na verdade, um impasse do próprio chavismo sem
Chávez. Para onde vai?
Vitória muito provável
A Venezuela realizou eleições regionais no dia 16 do mês passado. As forças sob o comando de Chávez conquistaram o governo de 20 dos 23 estados. Ainda que uma disputa em âmbito nacional tenha características peculiares, a vitória dos “bolivarianos” numa eventual nova disputa — que teria Maduro como o candidato — seria praticamente certa. Chávez, vivo ou morto, seria o grande eleitor. Como todos estamos cansados de saber, na ditadura venezuelana, só as forças governistas têm acesso à televisão. O confronto se realiza em condições absolutamente desiguais.
A Venezuela realizou eleições regionais no dia 16 do mês passado. As forças sob o comando de Chávez conquistaram o governo de 20 dos 23 estados. Ainda que uma disputa em âmbito nacional tenha características peculiares, a vitória dos “bolivarianos” numa eventual nova disputa — que teria Maduro como o candidato — seria praticamente certa. Chávez, vivo ou morto, seria o grande eleitor. Como todos estamos cansados de saber, na ditadura venezuelana, só as forças governistas têm acesso à televisão. O confronto se realiza em condições absolutamente desiguais.
Então por
que não aplicar a Constituição, escrita pelos próprios bolivarianos se a
vitória é praticamente certa? A resposta está na pergunta: PORQUE A VITÓRIA É PRATICAMENTE CERTA.
Uma
eleição colocaria Nicolás Maduro — ou quem quer que fosse escolhido para
representar o chavismo — acima dos outros “bolivarianos” que disputam o
espólio. Os chavistas tentam adiar
a nova eleição não por receio de que a oposição possa vencer. O que
eles não querem precipitar é a sucessão no próprio movimento
bolivariano. Em qualquer hipótese, no entanto, o tempo é curto. Por quê?
Segundo o
tal Artigo 233, se um presidente é impedido nos primeiros quatro anos de
governo — e se sabe que Chávez não terá tanto tempo, se é que ainda
está vivo —, novas eleições têm de ser marcadas em 30 dias. O vice só
assume o poder caso o impedimento se dê nos dois anos finais. Percebam: a
menos que se golpeie a Constituição uma segunda vez, haverá eleições
presidenciais na Venezuela em breve, mesmo que o ditador tenha
reconhecido o novo mandato.
A boa notícia
Tudo bem pensado, há uma boa notícia nesse imbróglio: os chavistas tentam adiar ao máximo as eleições, ainda que por alguns dias, não porque estejam unidos, mas porque estão divididos. Não é da oposição que têm medo, mas de si mesmos. Não é só o tirano que agoniza, mas também o movimento que ele inspirou. É por isso que a ditadura tenta dar um golpe em si mesma.
Tudo bem pensado, há uma boa notícia nesse imbróglio: os chavistas tentam adiar ao máximo as eleições, ainda que por alguns dias, não porque estejam unidos, mas porque estão divididos. Não é da oposição que têm medo, mas de si mesmos. Não é só o tirano que agoniza, mas também o movimento que ele inspirou. É por isso que a ditadura tenta dar um golpe em si mesma.