Texto do Estatuto Penitenciário Nacional estabelece a concessão de privilégios para detentos, como crime hidratante e biblioteca, e cria o Dia do Encarcerado
Gabriel Castro
Penitenciária Estadual de Charqueadas, no Rio Grande do Sul
(Jefferson Botega/Agência RBS)
Sob o comando de Marco Maia (PT-RS), a Câmara dos Deputados decidiu
acelerar a tramitação de um projeto que prevê a concessão de um pacote
de benefícios aos detentos, como creme hidratante, condicionador de
cabelo, chuveiro quente e biblioteca. O texto do Estatuto Penitenciário
Nacional ainda assegura os direitos políticos a presos sem condenação
transitada em julgado e fixa até o Dia do Encarcerado: 25 de junho.
O estatuto contém um ponto ainda mais controverso: determina a prisão
de diretores de presídios que permitirem a alocação de mais detentos do
que a capacidade máxima da unidade. Segundo dados do Ministério da
Justiça, o déficit carcerário do país, hoje, é de pelo menos 240.000
vagas. Como seria quase impossível erguer presídios em tempo recorde, o
autor da matéria, deputado Domingo Dutra (PT-MA), sugere a ampliação das
chamadas penas alternativas: "A construção de presídios obedece a um
esquema que interessa às construtoras e despreza penas alternativas, a
aplicação de multas, o monitoramento eletrônico".
A proposta lista ainda outros dispositivos como a obrigatoriedade de
presídios com 400 detentos contarem com ao menos cinco médicos - o que
resulta em uma proporção de 1,25 médico por cem pessoas. No Brasil, essa
média é próxima a 0,2 médico por cem habitantes.
O projeto foi apresentado em 2009, como fruto da CPI do Sistema
Carcerário, e retomado em 2011, por iniciativa do deputado Domingos
Dutra. Mas, só no fim do ano passado, já após a condenação dos réus no
processo do mensalão, é que parece ter atraído o interesse da Câmara. O
presidente da Casa, Marco Maia, criou uma comissão especial para
agilizar a tramitação do texto sem que o plenário precise analisar o
assunto. Se aprovado, seguirá para o crivo da Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) e, em seguida, direto para o Senado. Adversário da
proposta, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) reclama: "Dada a pressa
disso tudo, com toda a certeza é para ajudar os mensaleiros".
Domingos Dutra afirma que não há relação entre as condenações de
petistas e a retomada do projeto de lei: "Essa meia dúzia que foi
condenada pelo mensalão vai ter um padrão que a massa carcerária não
tem, porque eles não são da mesma classe social que compõe a esmagadora
maioria dos presos", diz. O texto em análise entraria em vigor um ano
após a sanção.
Hidratante - O projeto em discussão prevê que o agente
penitenciário que não fornecer o material de higiene necessário -
inclusive o hidratante - corre o risco de ser condenado a seis anos de
prisão. O texto determina punições até mesmo para juízes e promotores
que não cumprirem o dever de fiscalizar as condições nas unidades
prisionais - o que pode resultar em até quatro anos de prisão para as
autoridades. O deputado Domingo Dutra não vê excessos na medida: "É
preciso estabelecer punições, inclusive para os juízes e promotores que
não fazem as inspeções que deveriam realizar mensalmente".
Para a professora de Direito Penal Soraia Rosa Mendes, da Universidade
Católica de Brasília, esses dispositivos da proposta dependeriam de uma
alteração na legislação que trata da execução penal. “Não é o diretor do
presídio que manda encarcerar. E o Judiciário trabalha com a legislação
existente, que é encarceradora de grandes massas”, afirma ela, que acha
"grave" a possibilidade de que magistrados sejam condenados por não
resolverem uma situação insolúvel como a das cadeias.
A especialista concorda com o autor do projeto, entretanto, quando
defende a redução do número de presos provisórios (42% do total) e a
aplicação da pena de prisão apenas a criminosos que representem perigo
maior à sociedade - solução que o deputado Bolsonaro não admite:
"Prefiro uma cadeia cheia de vagabundos a um cemitério cheio de
inocentes".
Mais comedido, o deputado Walter Feldman (PSDB-SP) critica o projeto do
Estatuto Penitenciário e diz que é inviável a tentativa de resolver
todos os problemas do sistema prisional em um texto único “É uma medida
profundamente demagógica e absolutamente fora da realidade. Claro que
você pode construir metas, mas só é possível discutir isso a longo
prazo", diz.
Feldman também vê um excesso na inclusão de benefícios como
condicionador de cabelo e creme hidratante em uma lei federal. “Essa
medida é característica de portaria, de decretos. É um equívoco achar
que tudo precisa ser detalhado em lei”, diz ele. Domingos Dutra se
explica: “Infelizmente, nosso país tem uma tradição de que tudo tem que
ser na base da lei.”
Apesar dos pontos questionáveis, o texto de Domingos Dutra também
trata de medidas relevantes para reduzir o caos nas unidades prisionais,
como a colocação de integrantes de facção criminosa em celas
individuais, a realização de trabalho compulsório pelos presos, e a
normatização dos castigos aos detentos indisciplinados. A proposta torna
definitivos alguns benefícios como a benefício da visita íntima, que
hoje é aplicado de forma diferente em cada presídio.