sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Quando fui radialista


Lauro Adolfo

A primeira emissora de rádio que foi inaugurada na região de Irecê foi a Rádio Regional. Foi uma novidade tão expressiva que nesse ano Nobelino Dourado,seu falecido  proprietário  foi homenageado como o patrono dos radialistas de Irecê. Foi a única vez em que fui locutor de rádio comandando  um programa sertanejo chamado Sertão Querido. O que posso dizer é que apesar de não ganhar nada como acontece nas emissoras de rádio por esse sertão afora, foi muito divertido.
No começo, como não sabia o que dizer, aproveitando minhas habilidades na escrita, escrevia os comentários num papel e a medida que o programa ia seguindo, falava o que tinha escrito arriscando uns improvisos.  Depois peguei prática.
Havia um comercial nas grandes emissoras de rádio da bebida Jurubeba Leão do Norte, onde um sertanejo falava das virtudes afrodisíacas da mesma. O comercial iniciava-se com o sertanejo chegando num bar e pedindo: “O meu filho, me dá uma talagada de jurubeba Leão do Norte aí. Com  jurubeba Leão do Norte eu dou no couro em qualquer quarto de lua”. Aproveitei esse mote e volta e media falava na “talagada”. Foi o que bastou para me chamarem de Lauro Talagada. Na sexta feira, ao microfone eu dizia: “dona Maria, hoje é sexta, o véio trabalhou a semana toda, tá cansado, deixe ele tomar umas talagadas, coitado”. Isso me possibilitou fazer grandes amizades entre os talagadeiros.
Como radialista era novidade por aquelas plagas, tínhamos prestígio de artistas. Promoveram uma festa em Baixão dos Honoratos no município de São Gabriel e fui convidado. Quando cheguei e desci do carro uma pequena multidão que estava a minha espera, começou a murmurar:
- Será que é o Lauro Talagada?
- Não sei. Vá lá e pergunte.
- Ei, você é o Lauro Talagada?
- Sou eu mesmo e pronto para as talagadas.
Aí  foi só alegria. A pequena multidão me cercou, alguém botou um copo de cerveja na minha mão e lá fomos para a festa. Fizeram questão de me mostrar uma geladeira topada de cerveja e perguntaram se dava para encarar a noite. E deu. Amanhecemos o dia na farra e assim começou minha vitoriosa carreira como boca vazia.
Daí então, éramos convidados para tudo quanto era festa. Periguetes tinha a rojão. Chegamos até a montar um time de futebol para possibilitar ainda mais convites. Depois do futebol havia um jantar onde os bocas vazias se fartavam de galinha caipira. Mas, num desses jantares, a comida era pouca. Havia uns belos bifes no centro da mesa e todo mundo estava de olho. Alguém apagou a luz por uns minutos e quando ela acendeu havia um monte de garfos espetados nos bifes.  Eram garfos demais para poucos bifes e não houve acordo.
O mais divertido era os pedidos dos fãs e os presentes que ganhávamos. Como do pessoal de Ibititá que gostava de caçar no Cruel, no município de Jussara. Eu mandava um alô para a turma e avisava: “Se caçarem um caititu, olha o meu aí”. Um dia chego na rádio e recebo um belo pedaço assado de caititu. Naturalmente que tive de dividir com todos os colegas.
A leitura das cartinhas era a parte mais divertida do programa. Coisas como:
Vai cartinha vai
Rolando pela grama
Vai dizer a Lauro
Que adoro o seu programa

Vai cartinha vai
No bico do passarinho
Vai dizer a Lauro
Que eu quero o seu carinho.

Eu tinha uma fã apaixonada chamada Rosália que morava em Canarana. Era quem mais mandava cartinhas. Uma vez ganhei um galo vivo e botei no quintal de casa esperando ouvi-lo cantar ao amanhecer do dia. Acordei de manhã e nada de galo cantar. Quando fui conferir tinham-no roubado. Furioso, esculhambei com os ladrões em meu programa, não sabendo que meus próprios colegas eram os autores do roubo. Foi o que bastou para Rosália me enviar a seguinte cartinha:

Em cima daquela mesa
Tem um prato de biscoito
Quem roubar galo de Lauro
Vai gemer no meu trinta e oito.

Após ler a cartinha solidária, dei o recado aos ladrões:”Venham agora cabras safados roubar galo no meu quintal para gemer no trinta e oito da Rosália”.

Depois vim morar aqui em Morro do Chapéu e nada de rádio, nada de cartinhas, nada de presentes, só as talagadas e os bocas vazias.