Posso oferecer uma sugestão de leitura?
"The Revolt of Man" (a revolta do homem), de Walter Besant
(1836-1901). O leitor não conhece? Acredito. Sir Walter foi um respeitável
cavalheiro vitoriano que a história da literatura inglesa acabou por esquecer.
Injusto. O livro, uma novela distópica
brilhantemente escrita, é um exemplo de misoginia que diverte as almas
saudáveis.
Enredo: na Inglaterra do futuro, o
mundo é governado pelas mulheres. Elas controlam tudo: política, economia,
cultura, trabalho. E os homens? Os homens, pobre raça, são reduzidos a bestas
de carga e escravos sexuais das triunfantes donzelas.
Fatalmente, essa vaginocracia começa a
sair dos eixos: a sociedade a empobrecer, o caos a reinar, as instituições a
colapsar --e as mulheres, em desespero de causa, apelam aos homens para salvar
a honra do convento.São eles que regressam das catacumbas
para repor a ordem e a felicidade universal.Besant viveu no século 19. Mas o que diria ele do nosso século 21?
Olho em volta. E concluo que só tenho
amigas solteiras ou divorciadas. Casamento é artigo raro e breve por estas
bandas.
A situação, confesso, seria a ideal
para um rapaz disponível como eu, com hábitos de higiene adquiridos e uma
sanidade mental, digamos, satisfatória. O problema é que os homens deixaram de
ser ideais para elas.
As solteiras encontraram no trabalho a
independência econômica que as mães e avós não tinham. Os homens, quando muito,
servem para necessidades ocasionais que esta Folha, um jornal de família, me
impede de mencionar.
As divorciadas já passaram pela
experiência e não gostaram. Depois da paixão e do idílio dos primeiros anos (ou
meses), descobriram com espanto que o príncipe, afinal, sempre foi um sapo. A
barriga do infeliz cresceu. A comunicação desapareceu. E o sexo passou a ser,
nas imortais palavras de Nelson Rodrigues, "uma mijada". Conclusão?
Depois de o amor virar farsa, elas
pegaram nos respectivos girinos e jogaram-nos no charco da inutilidade.
Homem só atrapalha. E nem para filhos
serve mais: ser mãe é como fazer inscrição na academia. Basta escolher o banco
certo e a questão, nove meses depois, está resolvida.
Um livro recente, aliás, enfrenta o
problema. Foi escrito por Hanna Rosin, intitula-se apocalipticamente "The
End of Men: And the Rise of Women" (o fim do homem: e a ascensão da
mulher) e, segundo resenha da "Economist", tem números que podem
interessar aos brasileiros: 1/3 das mulheres do país já ganham mais do que os
seus companheiros. Existe até um grupo de apoio para esses homens infelizes,
sintomaticamente intitulado "Homens de Lágrimas". Será verdade,
leitor? Não minta, não minta.
O Brasil não é caso único. Na Coreia do
Sul, o excesso de mulheres na carreira diplomática obrigou o governo a
instituir as fatídicas cotas para homens.
Moral da história? Os homens começam a
ser bichos em vias de extinção. Sem a importância econômica, reprodutiva ou até
social de outros tempos, os pobres coitados ainda tiveram uma suprema
humilhação com a crise financeira de 2008: conta a mesma "Economist"
que 3/4 dos empregos destruídos pela hecatombe --nas finanças, nas fábricas, na
construção civil-- eram tradicionalmente masculinos.
Pelo contrário: a nova economia
emergente, baseada cada vez mais em qualidades como "comunicação" e
"adaptação", está pronta para o triunfo da sensibilidade feminina.
Se Edward Besant viajasse do século 19
para o século 21, imagino que a sua distopia seria outra: sim, o mundo estaria
nas mãos das mulheres. Mas, dessa vez, os homens já não existiriam para o
salvar.
Estariam demasiado ocupados, de
bermudão e cerveja, com os amigos no botequim.
Porque essa talvez seja a verdade mais
dolorosa de todas, que a "Economist" refere sem desenvolver o tema
competentemente: não foi a economia ou a libertação sexual feminina que fez dos
homens seres inúteis.
Os homens deixaram de ser úteis quando
deixaram de ser homens --na atitude, nos comportamentos, nos "hobbies",
até no vestuário e nas "tendências" (horrenda palavra).
Nenhuma mulher gosta de ter em casa
dois adolescentes retardados: o filho e o pai.
João
Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em
Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário
português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida
Paulista" (Record). Escreve às terças na versão impressa de
"Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, no site.