terça-feira, 23 de outubro de 2012

São Paulo, Rio e o jornalismo. Ou: Males opostos e combinados

 

São Paulo faz bem e faz mal ao espírito crítico do jornalismo. O Rio também. São situações opostas, porém combinadas. Posso explicar?
Em São Paulo, jornalista é pago para desconfiar das autoridades — especialmente se elas forem não-petistas (ou, mais amplamente, estiverem fora do arco do lulismo). Há um lado bom nisso. Jornalista tem mesmo de ser crítico, desconfiado. Há o lado ruim: quem não sabe dosar as contraditas acaba atacando até o que deveria ser elogiado. Pior: pautados pela ideologia ou por afinidades eletivas, o fato frequentemente é espancado em benefício do norte moral adotado pelo observador ou pelo veículo. Assim se deu com a retomada da cracolândia. Houve uma quase unanimidade contra a ação do poder público. Só a população apoiou.
No Rio, o jornalismo parece ser pago para dar um voto de confiança às autoridades, especialmente se elas estiverem sob o guarda-chuva do lulismo. Há um lado bom nisso. Jornalistas podem apoiar o que consideram correto, especialmente se beneficiarem a população. Há o lado ruim: quem não sabe dosar o aplauso acaba elogiando até o que deveria ser criticado. Pior: pautados pela ideologia ou por afinidades eletivas, o fato frequentemente é espancado em benefício do norte moral adotado pelo observador ou pelo veículo. Assim se dá com a chegada das UPPs aos morros — um bem em si, que traz consigo, não obstante, a fuga em massa de criminosos, que não são presos. Há uma quase unanimidade em favor da ação. Estou entre os poucos críticos.
Muito bem. Eu quero que vocês leiam o que informa o Portal G1 hoje (em vermelho). Prestem bem atenção.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, anunciou nesta segunda-feira (22), quepretende criar, em caráter emergencial, cerca de 600 vagas para a internação compulsória de adultos dependentes de crack. Paes, no entanto, não estabeleceu prazos para o início da internação, já que precisa ser feito um estudo para ver onde serão instalados os centros de acolhimento e reabilitação.
O anúncio foi feito durante visita à comunidade do Jacarezinho, onde funcionava uma das maiores cracolândias da cidade.
Segundo a assessoria da Prefeitura do Rio, uma reunião de Paes e representantes do Ministério da Saúde e secretarias do setor está agendada para o dia 5 de novembro. Na ocasião, além da escolha dos locais para abrigar os centros de acolhimento, serão discutidos também os modelos das instalações e de tratamento.
Atualmente, somente os menores de idade – crianças e adolescentes – usuários de crack flagrados em situação de risco são internados compulsoriamente em unidades da Secretaria de Assistência Social.
VolteiEstá claro, certo? O prefeito quer criar 600 vagas em caráter emergencial para a internação compulsória. E não há prazo. A reunião com o governo federal só acontecerá daqui a 14 dias. Tudo claro? Claro!
Então agora peço que vocês leiam reportagem da Agência Brasil de 13 de abril de 2012, que foi reproduzida em praticamente todos os veículos de comunicação.FAZ SEIS MESES. Também em vermelho.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, defenderam hoje (13) a internação compulsória de adultos viciados em crack,durante o lançamento do programa “Crack, é possível vencer” para o Rio de Janeiro – uma parceira entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, criada em dezembro passado, com previsão de R$ 4 bilhões em recursos federais até 2014.Segundo Padilha, o consumo de crack é uma epidemia no país e a internação involuntária de adultos deve ser uma decisão do médico que fizer o atendimento do dependente.
“A lei estabelece que, quando um profissional de saúde avalia que uma pessoa corre risco de vida ou coloca em risco a vida de outro, está previsto o mecanismo da internação involuntária. A pessoa deve ser levada para uma unidade de acolhimento ou um hospital para que se faça o tratamento”, afirmou o ministro.
Padilha disse que a internação é uma medida emergencial e que a reconstrução do projeto de vida dos dependentes do crack e sua reinserção em relação à família e à sociedade são fundamentais para a cura do vício.
“Essas internações devem ser feitas com todos os critérios e protocolos aprovados por especialistas, mas não podemos deixar essas pessoas à mercê da droga. São pessoas que perderam completamente o bom senso” afirmou o prefeito Eduardo Paes.
Há cerca de um ano, a prefeitura realiza internações compulsórias de crianças e adolescentes moradores de rua para tratamentos de cerca de seis meses. Atualmente, 117 crianças estão internadas em quatro abrigos da prefeitura.
Segundo a Secretaria de Assistência Social do estado, das cerca de 50 crianças que passaram pelo abrigamento compulsório até o momento, aproximadamente dez conseguiram reconstruir laços com a família ou foram acolhidas por “famílias substitutas”, que são remuneradas pela prefeitura.
Até o fim do ano, cerca de R$ 36 milhões serão repassados para os governos estadual e municipal para o combate ao crack. Estão previstas a criação de seis novos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de atendimento 24 horas, a criação de 27 consultórios de rua, a instalação de 427 leitos em enfermarias especializadas e a qualificação de 71 leitos em hospitais gerais.“Precisamos de médicos treinados para cuidar do dependente químico e pessoal da área policial capacitado. Por isso, um dos seguimentos do plano é dar capacitação aos agentes que vão atuar. É necessário multiplicar esse conhecimento e em cada estado estamos desenvolvendo unidades onde cursos serão dados”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, também presente no evento.
VolteiEntenderam? Em seis meses, o tal programa federal não saiu do papel. Não passa de uma fantasia. São Paulo retomou a área conhecida como Cracolândia e ofereceu, ao mesmo tempo, o Complexo Prates para atender aos dependentes.
– A imprensa escrita foi contra.
– As TVs foram contra.
– A Defensoria Pública foi contra.
– O Ministério Público foi contra.
– O PT, como sempre!, foi contra.
– A Maria do Rosário foi contra.
– O Gilberto Carvalho foi contra.
– O José Eduardo Cardozo foi contra.
– O Alexandre Padilha foi contra.
– O Fernando Haddad foi contra.
Só a população foi a favor. O prefeito Gilberto Kassab e o governador Geraldo Alckmin tinham de dar entrevistas defensivas a respeito, como se tivessem cometido um crime.
O Rio resolveu retomar uma de suas 10 cracolândias — o que, em si, reitero, é correto. Mas não havia algo como o Complexo Prates. 
– A imprensa escrita foi a favor.
– As TVs foram a favor.
– A Defensoria Pública foi a favor.
– O Ministério Público foi a favor.
– O PT, como sempre!, foi a favor.
– A Maria do Rosário foi a favor.
– O Gilberto Carvalho foi a favor.
– O José Eduardo Cardozo foi a favor.
– O Alexandre Padilha foi a favor.
Agora peço que vocês cotejem a reportagem de hoje com a de seis meses atrás. A imprensa — não me refiro à reportagem do G1 em particular, mas ao conjunto — nem mesmo se dedica a cobrar das autoridades o cumprimento da palavra. Ou acusa o descumprimento.
Concluo: não é São Paulo que faz bem ou mal ao jornalismo. Não é o Rio que faz bem ou mal ao jornalismo. No Rio, em São Paulo ou em qualquer lugar, o que faz mal ao jornalismo é a agenda que está além dos fatos.
Há, obviamente, uma agenda contra os poderes instituídos em São Paulo.
Há, obviamente, uma agenda a favor dos poderes instituídos no Rio.