João Ubaldo Ribeiro
Estes assuntos de corrupção não são objeto de unanimidade,
em Itaparica. Na verdade, receio ter de admitir que a corrente ideológica liderada
pelos irmãos Toninho e Jorginho Leso – assim chamados, na apenas porque filhos
do finado Roque Leso, mas por serem, no geral, ainda mais lesos que o pai – vem
crescendo em importância e hoje pode ser tida como uma força política de peso. No
entendimento dos Lesos, como já tive oportunidade de explicar aqui, o dinheiro,
por ser público, não tem dono e, portanto, todos os que podem devem botar a mão
nele, está lá para isso mesmo. E quem pode meter a mão trate de dar um jeito de
poder, é assim que se sobe na vida.
Para resumir a
posição dos Lesos, eles nutrem grande
admiração pelos corruptos e não veem xingamento nisso, antes o reconhecimento
do valor de quem se deu bem na vida e, quando passa pela ilha, é em cada
lanchona que só se vê na televisão, tomando seus belos uísques com água de
coco, abocanhando as filhas dos outros, viajando para o mundo todo sem tirar um
tostão do bolso nem para comer, indo para lá e para cá de carro oficial, não
respeitando fila nem repartição, não pagando nem gasolina nem hospital, recebendo
casa de graça, aposentadoria com oito anos de serviço, quinze ou dezesseis
salários sem patrão, sem horário, com assessor até para coçar as costas – é possível
não admirar um homem desses?
Claro que não é
possível, um homem desses venceu na vida e quem fala mal são os invejosos, que
não conseguiram chegar lá. Na ilha cresce o número dos que já não acham os
Lesos tão lesos assim e, sem guardar muito segredo, procuram seguir os passos
que eles consideram acertados. Por exemplo, orientar logo os
meninos para seguir a carreira de corrupto, pois, no dizer já imortal de
Jorginho Leso ‘’quem não tem essa ambição fracassa na criação’’. Quanto às
meninas, apesar dos grandes progressos feitos pelo sexo feminino, podem não
querer nada com estudo ou trabalho, mas devem procurar um bom corrupto para
marido, é futuro garantido.
O Zecamunista que
esteve ausente e retornou a ilha na semana passada, foi informado da revolta dos
Lesos sobre o julgamento do mensalão, uma injustiça para quem trabalhou para
conseguir suas melhoras, perguntado o que achava da posição dos irmãos, respondeu:
- Eu estou de
acordo! – explodiu Zecamunista – Fui o primeiro a expor aqui a tese de
democratização da corrupção. Chega de ladroagem só para as elites, chega de
exclusão! Já tenho até o nosso lema em latim: Omnes rapere volunt, todos querem
furtar, abaixo os privilégios! Os irmãos Lesos tem toda a razão. Agora que já
roubaram, não querem deixar mais ninguém roubar? Se forem condenados, isso abre
um precedente péssimo para os corruptos do futuro, é um desestímulo cruel e um
golpe na economia do país que pode ser fatal. Quantos sonhos desfeitos, quantos
projetos desmoronados, quantas vidas desbaratadas não virão? Quem estiver –
atenção, alienados, idealistas vulgares! – quem estiver querendo melhorar de
vida não olhe para os lados, porque só vai ver otário. Olhe para cima! Quem está
se dando bem é quem está em cima! E não prestem atenção no que eles dizem,
prestem atenção no que eles fazem, é muito diferente! A corrupção é nossa, omnes
rapere volunt!
Os aplausos
prolongar-se-iam, se Jacob não tivesse dado a sacudida de pescoço que prenuncia
a chegada do discurso. Tinha a subida ventura de anunciar que já estavam sendo
traçado planos para que a ilha não ficasse fora da prosperidade a ser trazida
pelo Projeto Mão Grande, nome cogitado para a iniciativa que oficializará de
vez a corrupção e acabará com a hipocrisia que nos faz pecadores. De fonte
limpa, informava que fora criada na ilha a grife Camaleão, destinada a fabricar
e vender trajes adequados à nova era. Cuecas capazes de transportar com
discrição mais de cem mil dólares em notas de cem. Calçoças e calçolões, a
depender da portadora, para mais de quinhentos mil, capacidade do modelo
Canguru XL. Todo o Brasil usaria as roupas íntimas Camaleão, produto de uma
ilha agora na rota irreversível do progresso.
- Todo mundo
faturando, sua propina é nossa adrenalina! – finalizou Jacob, arrepanhando no
ar uma bolada invisível.
- Independência sem
morte!
- Nessa parte
capitalista eu não me envolvo – disse Zeca.
- Vou dirigir o departamento das calçolas, mas somente na
área técnica.