quarta-feira, 18 de julho de 2012

O mundo do intelecto é uma moradia que tem muitas casas. E quase todas tomadas por canalhas


Luis Felipe Pondé

Sou professor e gosto de dar aulas, coisa rara na área. Na maioria dos casos, professores de universidade (ou não) são pessoas que, além de não gostar dos alunos, têm uma inteligência mediana e foram, quando jovens, alunos medíocres, que fizeram ciências humanas porque sempre foi fácil entrar na faculdade em cursos de ciências humanas. Claro que quase todos pensavam em si mesmos como Marx ou Freud ainda não revelados. Ao final, o que se revela com mais frequência é alguém fracassado que ganha mal e odeia os alunos. Professores normalmente não gostam de ler ou de estudar, mas dizem que esse pecado é apenas dos alunos. Há um enorme sofrimento na maioria dos professores porque têm de fingir o tempo todo que acreditam na importância do que fazem. A maioria sucumbe.
    Se adicionarmos uma pitada de insegurança à própria capacidade intelectual (refiro-me a uma insegurança maior do que aquela que todos nós temos em alguma medida), teremos o perfil da maior parte dos “funcionários da educação, da arte, da cultura e do intelecto”, e não só dos professores. Tal insegurança associada à quase absoluta falta de originalidade (as quais normalmente vêm juntas) explica em grande parte a razão de o politicamente correto encontrar entre esses “funcionários” seu lar ideal. Claro, afora a covardia, sempre necessária para você se transformar em alguém que persegue os outros que pensa diferente de você ou porque é melhor do que você. Nada é mais temido por um covarde do que a liberdade de pensamento. Toda forma de totalitarismo (o politicamente correto é uma forma de totalitarismo, e essa forma está presente na palavra “correto”) sobrevive graças às hordas de inseguros, medíocres e covardes que povoam a educação e o mundo da cultura e da arte. 
    Na escola, a mediocridade vem regada à busca de novas teorias pedagógicas (normalmente com baixíssimo impacto); na universidade, vem vestida de burocracia da produtividade e corporativismo de bando; na arte, nos discursos contemporâneos sobre a “destruição da forma”. Modos distintos de “fazer nada” ocupando tempo e gerando institucionalização e papo-furado cheio de jargão técnico. Mas ela não para aí. Engana-se quem supõe que a mediocridade não se reproduz de várias formas apenas porque aparentemente a espécie não teria sobrevivido se fosse apenas de covardes. Digo isso por dois argumentos. O primeiro porque os medíocres são maioria, e isso pode ser indicativo de que a covardia foi adaptativa  em grande medida. O segundo porque as baratas parecem ser bem adaptadas ao mundo e são maioria absoluta, como já suspeitava Kafka.
    A suspeita de que a mediocridade reina entre os funcionários da educação e do intelecto aparece, por exemplo, na obra de dois grandes intelectuais do século 20, o crítico canadense Northrop Frye e o historiador  do pensamento conservador americano Russel Kirk.
   Frye afirma na introdução do seu monumental Código dos Códigos, seu livro sobre a Bíblia como grande Matriz da literatura ocidental, que a universidade é tomada por pessoas de personalidade insegura e medíocre que se escondem atrás de teorias consagradas a fim de garantir seu espaço “intelectual” nas instituições do conhecimento. Não apenas as universidade, mas também a mídia é povoada por pessoas que afirmam que a maioria quer ouvir, porque isso garante adesões e reduz riscos de confronto. O politicamente correto é um caso típico de opção, por gerar adesões a um discurso autoritário. Basta analisarmos grande parte do que se fala na academia e na mídia para perceber o quanto se repete o mesmo papinho “do bem” que está longe de descrever a realidade, quase sempre intratável ao “Bem”.
    Para pegar um exemplo da mídia, basta pensarmos em figuras como o atual presidente dos Estados Unidos, Obama, e o ex-presidente do mesmo país, Jimmy Carter (ambos claramente incompetentes em assuntos domésticos e internacionais e “líderes para mulherzinhas”), para ter exemplos claros do que é dizer coisas legais para receber as palmas de jovens e feministas. Ambos são gente “muito esperançosa” que mais atrapalha do que ajuda, na medida em que desconhece as realidades à sua volta. A incapacidade, por exemplo, de ambos entenderem o Oriente Médio é sofrível. A mídia muitas vezes parece uma reunião de centro acadêmico de ciências sociais na forma de simplificar o mundo ao nível de uma menina de 12 anos.
     Já Russel Kirk, historiador do pensamento conservador anglo-saxão, nos anos 50 percebia que a universidade corria o risco de virar espaço onde gente “sem posses” busca ascensão social. O que aconteceu. Aqui o que importa não é tanto o “número” de propriedades que alguém tem em seu nome, mas a atitude de “bancário” ou “burocrata” para com a vida universitária. Sujeito “sem posses”, como descreve Kirk, são pessoas que se apropriam da máquina institucional da universidade a fim de garantir seu (e de seus amigos) futuro salarial. O “sem posse” aqui implica antes de tudo a ausência de posse intelectual enquanto tal. Kafka diria: cara de rato, alma de barata. Um funcionário como esse teme antes de tudo a inteligência, por isso age de modo violento quando a percebe, muitas vezes em nome do “coletivo” e da burocracia. Desconfio de todo mundo que usa a palavra “coletivo” numa reunião de professores.
    Juntado os dois argumentos, chegamos à mediocridade enturmada que caracteriza a vida intelectual e acadêmica. Nada há de se esperar da universidade. As ciências duras ainda podem entregar remédios e robots, as ciências humanas não têm nada para entregar. Quando algo de importante nelas acontece, é à revelia das instituições que as sediam. Todos estão quase sempre ocupados com seus miseráveis salários, mas dizem que não. O cotidiano é, assim, corroído pelo esforço do autoengano e da hipocrisia.