sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O pum assassino – II - Pânico no shopping

Na cidade grande nosso personagem teve de se adequar à sociedade civilizada. Nada de pum, e traques quando havia gente por perto. Começou a levar uma vida pacata que estava enchendo-o de tédio. Cultivava uma triste saudade do tempo em que era o foco central da cidadezinha onde morava; se bem que de um modo nada saudável. Mas como as pessoas reagiriam se ele abrisse o roscofe e soltasse seus gases venenosos? Podia levar uma surra, ser levado para a cadeia ou quem sabe até morto. Na dúvida era melhor deixar quieto.
Até que um dia de passeio num shopping  começou a sentir um ronco inusitado na barriga. E esse ronco foi se transformando num reboliço e uma pressão violenta começou a forçar o esfíncter. Era preciso ir ao banheiro urgente e ele sabia quais as consequências que adviriam. Entrou no sanitário e foi logo convocando todo mundo a sair dali. É claro que todos o olharam como um débil mental; mais um para encher o saco. Mas diante de sua expressão desesperada começaram a desconfiar que havia algo errado. Mas como ninguém atinava com o que, todos continuaram com suas atividades fecais.
E aí aconteceu a tragédia. Assim que sentou na bacia primeiro vieram os gases intestinais. Depois seguiu-se a matéria sólida. Não podemos nem classificar de matéria sólida àquela  enxurrada de água turva extremamente fedorenta. Assim que os gases começaram a se espalhar no recinto os usuários iam ficando atordoados. Do atordoamento veio o pânico. O que era aquilo? Será que a polícia invadiu o ambiente e estava soltando bombas de gás lacrimogêneo?  Ultimamente estava na moda por causa da onda de protestos. Mas não havia tempo para reflexão; urgia sair dali e o mais rápido possível. Foi uma correria que quase deixou alguns feridos. Tão loucos ficaram os cagões desprevenidos que alguns saiam com as calças ainda arriadas.
Avisada, a administração do shopping chamou a polícia e o Corpo de Bombeiros. Ao sentirem o drama, os bravos soldados do fogo foram entrando no banheiro cautelosamente sem máscaras contra gases, o que foi uma temeridade. Ao sentirem o impacto dos gases em suas narinas alguns desmaiaram, outros providenciaram alguma proteção contra aquela violenta fedentina. Aos trancos e barrancos foram evacuando a toalete contaminada arrastando seus infortunados companheiros que haviam dado passamento (desmaio na linguagem sertaneja).
A essa altura dos acontecimentos a área já tinha sido isolada para proteção do público presente e também para facilitar a ação do batalhão de choque, único talvez capaz de resolver àquele imbróglio. Até um começo de passeata tinha sido suspenso para acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. Mas assim que o Batalhão de Choque ultimava os preparativos para invadir o banheiro, nosso personagem que tinha ficado todo esse tempo quietinho no vaso sanitário aliviando as tripas, começou a ficar preocupado com o tumulto lá fora. Levantou-se, limpou o anel de couro e foi espiar o que estava acontecendo (claro que ele sabia que não podia ser coisa boa). Mas nem precisou ir até a porta de saída para notar que a coisa toda tinha atingido graves proporções. Se saísse dali tranquilamente podia ser preso por perturbação da ordem pública. Depois saberia que a operação toda visava anular um ataque terrorista.
De modo que botou a cachola para funcionar e bolou uma estratégia esperta: deitado no chão, e com o blusão no nariz, foi se arrastando até a saída acenando por socorro. Com muita cautela, uma equipe do SAMU (até ela foi convocada) foi se aproximando (a equipe estava com máscara contra gases) e com muito cuidado colocou-o na maca. Já dentro da ambulância, deixaram-no ali enquanto iam verificar se havia mais algum paciente para ser atendido. Vendo-se livre da vigilância, o nosso personagem aproveitou a oportunidade e caiu na catinga, ou melhor, saiu da catinga que o termo mais correto, e foi procurar ares mais respiráveis.
É claro que ele não foi besta de ir lá dar uma olhada para ver como ia terminar aquele pandemônio. As primeiras vítimas que tinham sido socorridas no balão de oxigênio podiam identificá-lo assim que se recuperassem e ele seria alvo da fúria da multidão ali presente. Podia até ser linchado, quem sabe? E lá se foi ele muito satisfeito de ter recuperado sua antiga celebridade.
 
Lauro Adolfo
(Não deixem de acompanhar nosso próximo episódio)