Na cidade grande nosso personagem teve de se adequar à
sociedade civilizada. Nada de pum, e traques quando havia gente por perto.
Começou a levar uma vida pacata que estava enchendo-o de tédio. Cultivava uma triste
saudade do tempo em que era o foco central da cidadezinha onde morava; se bem
que de um modo nada saudável. Mas como as pessoas reagiriam se ele abrisse o
roscofe e soltasse seus gases venenosos? Podia levar uma surra, ser levado para
a cadeia ou quem sabe até morto. Na dúvida era melhor deixar quieto.
Até que um dia de passeio num shopping começou a sentir um ronco inusitado na
barriga. E esse ronco foi se transformando num reboliço e uma pressão violenta
começou a forçar o esfíncter. Era preciso ir ao banheiro urgente e ele sabia
quais as consequências que adviriam. Entrou no sanitário e foi logo convocando
todo mundo a sair dali. É claro que todos o olharam como um débil mental; mais
um para encher o saco. Mas diante de sua expressão desesperada começaram a
desconfiar que havia algo errado. Mas como ninguém atinava com o que, todos
continuaram com suas atividades fecais.
E aí aconteceu a tragédia. Assim que sentou na bacia
primeiro vieram os gases intestinais. Depois seguiu-se a matéria sólida. Não
podemos nem classificar de matéria sólida àquela enxurrada de água turva extremamente
fedorenta. Assim que os gases começaram a se espalhar no recinto os usuários
iam ficando atordoados. Do atordoamento veio o pânico. O que era aquilo? Será
que a polícia invadiu o ambiente e estava soltando bombas de gás
lacrimogêneo? Ultimamente estava na moda
por causa da onda de protestos. Mas não havia tempo para reflexão; urgia sair
dali e o mais rápido possível. Foi uma correria que quase deixou alguns
feridos. Tão loucos ficaram os cagões desprevenidos que alguns saiam com as
calças ainda arriadas.
Avisada, a administração do shopping chamou a polícia e o
Corpo de Bombeiros. Ao sentirem o drama, os bravos soldados do fogo foram
entrando no banheiro cautelosamente sem máscaras contra gases, o que foi uma
temeridade. Ao sentirem o impacto dos gases em suas narinas alguns desmaiaram,
outros providenciaram alguma proteção contra aquela violenta fedentina. Aos
trancos e barrancos foram evacuando a toalete contaminada arrastando seus
infortunados companheiros que haviam dado passamento (desmaio na linguagem
sertaneja).
A essa altura dos acontecimentos a área já tinha sido
isolada para proteção do público presente e também para facilitar a ação do
batalhão de choque, único talvez capaz de resolver àquele imbróglio. Até um
começo de passeata tinha sido suspenso para acompanhar o desenrolar dos
acontecimentos. Mas assim que o Batalhão de Choque ultimava os preparativos
para invadir o banheiro, nosso personagem que tinha ficado todo esse tempo
quietinho no vaso sanitário aliviando as tripas, começou a ficar preocupado com
o tumulto lá fora. Levantou-se, limpou o anel de couro e foi espiar o que
estava acontecendo (claro que ele sabia que não podia ser coisa boa). Mas nem
precisou ir até a porta de saída para notar que a coisa toda tinha atingido
graves proporções. Se saísse dali tranquilamente podia ser preso por
perturbação da ordem pública. Depois saberia que a operação toda visava anular
um ataque terrorista.
De modo que botou a cachola para funcionar e bolou uma
estratégia esperta: deitado no chão, e com o blusão no nariz, foi se arrastando
até a saída acenando por socorro. Com muita cautela, uma equipe do SAMU (até
ela foi convocada) foi se aproximando (a equipe estava com máscara contra
gases) e com muito cuidado colocou-o na maca. Já dentro da ambulância,
deixaram-no ali enquanto iam verificar se havia mais algum paciente para ser
atendido. Vendo-se livre da vigilância, o nosso personagem aproveitou a
oportunidade e caiu na catinga, ou melhor, saiu da catinga que o termo mais
correto, e foi procurar ares mais respiráveis.
É claro que ele não foi besta de ir lá dar uma olhada
para ver como ia terminar aquele pandemônio. As primeiras vítimas que tinham
sido socorridas no balão de oxigênio podiam identificá-lo assim que se
recuperassem e ele seria alvo da fúria da multidão ali presente. Podia até ser
linchado, quem sabe? E lá se foi ele muito satisfeito de ter recuperado sua
antiga celebridade.
(Não deixem de acompanhar nosso próximo episódio)