quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Vaquejada é inconstitucional, sustenta Janot

Por Frederico Vasconcelos

PGR questiona no STF lei do Ceará que considera a prática “desportiva e cultural”.
 
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, considera a vaquejada uma “prática inconstitucional, ainda que realizada em contexto cultural”. A vaquejada consiste na tentativa de uma dupla de vaqueiros derrubar um touro puxando-o pelo rabo, dentro de uma área demarcada.
O parecer de Janot foi juntado no último dia 3 na ação direta de inconstitucionalidade proposta pela PGR contra lei do Estado do Ceará que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural. (*) O relator é o ministro Marco Aurélio.
 
 Janot sustenta que a prática viola o artigo 225 da Constituição e “fere a proteção constitucional ao ambiente por ensejar danos consideráveis aos animais e tratamento cruel e desumano”.
O governador Cid Gomes sustenta que a vaquejada é amparada pelo disposto no art. 215, § 1º da Constituição, ao prever que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
A PGR argumenta que Constituição determina caber ao Poder Público a proteção da fauna e da flora, sendo vedadas práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Em decisões anteriores, o Supremo já julgou inconstitucionais práticas que maltratam animais, como a “farra do boi”, em Santa Catarina, e as brigas de galo, no Rio de Janeiro.
A ação foi ajuizada com base em representação do procurador da República Alessander Wilckson Cabral Sales, do Ceará, enviada em janeiro ao então procurador-geral, Roberto Gurgel.
A lei nº 15.299, de 8/1/2013, foi assinada na ocasião pelo governador em exercício Domingos Gomes de Aguiar Filho.
Segundo o procurador Sales, “a atividade causa maus-tratos destes animais, submetendo-os a crueldade, em proveito do enriquecimento dos promotores dos eventos, dos vaqueiros e de todos que, direta ou indiretamente, usufruem do dinheiro gerado por estas competições”.
Em agosto, Cid Gomes prestou informações ao STF. O governador admite que “em muitas vaquejadas ocorrem maus-tratos aos bovinos”. Mas a lei questionada, segundo ele, ”em momento algum permite ou legaliza tais atrocidades, ao contrário, determina como obrigação a adoção de medidas que protejam a integridade física e a saúde dos animais, estabelecendo, por sua vez, sanções ao seu descumprimento”.
O texto destaca o seguinte artigo da lei estadual:
 Art. 4 – Fica obrigado aos organizadores da vaquejada adotar medidas de proteção à saúde e à integridade física do público, dos vaqueiros e dos animais.
§ 1º O transporte, o trato, o manejo e a montaria do animal utilizado na vaquejada devem ser feitos de forma adequada para não prejudicar a saúde do mesmo.
 Segundo o governador, “não se pode desconsiderar o fato de que a prática da vaquejada, além de reconhecida pela Lei Federal nº 10.220/2001, é um elemento difícil de extirpar da nossa cultura”.
“Deixar uma prática tão tradicional, que faz parte da cultura do nordestino de maneira tão arraigada, ao léu, sem regulamentação ou mesmo proibida, só trará mais malefícios do que benefícios”, diz Gomes.
Finalmente, o governador alega que o MPF, em sua peça inicial, reconhece que “a prática movimenta milhões, alavancando o turismo, comércio, e sendo o ‘ganha-pão’ de muitos nordestinos”.
Segundo Janot, “a alegação do governador do Estado, de que a lei seria válida por buscar evitar os maus tratos ocorrentes em apenas algumas vaquejadas, não é apta a emprestar constitucionalidade à norma”.
“A violência contra os bovinos e equinos envolvidos nas disputas de vaquejadas é inerente à prática. O fato de a lei reduzir tal violência não torna a conduta aceitável”, diz Janot.
Para o PGR, “o fato de a atividade resultar em algum ganho para a economia regional tampouco basta a convalidá-la, em face da necessidade de respeito ao ambiente que permeia toda a atividade econômica” (art. 170, VI, da Constituição).
“O diploma legal não apenas consolida a histórica violação à fauna e à dignidade humana, como, ainda pior, lhe dá ares de juridicidade”, sustenta a PGR.