Pela primeira vez tive a oportunidade de ir numa festa de
Nsa Sra da Conceição, padroeira do Ventura. Na realidade foi a primeira vez que
ali pisei os pés. Fui com grande expectativa em conhecer um lugar que outrora
foi um dos maiores produtores de diamante e carbonatos da Bahia. O trajeto foi
tranqüilo vez que a estrada foi recentemente patrolada e estava em excelente
condições. Logo após a passagem pelo rio do Ventura depara-se com uma
construção feita de pedras amontoadas e que serviam para demarcar as
propriedades no início do século XX. As pedras contudo, apesar de ser um
patrimônio histórico do lugar, está sendo demolida com a retirada das pedras
para se vender ou fazer outras construções. Em muitos trechos não há mais
vestígios da mesma.
Durante todo século XX muito se falou em levar energia
elétrica para a localidade que já perdeu a condição de Vila. Era uma povoação
florescente que até se cogitou em emancipar, mas que encontrou no Coronel Dias
Coelho um veemente opositor. Todavia por ser hoje praticamente despovoada,
abrigando escassos 13 moradores fixos, não houve justificativa para viabilizar
tal projeto. Até que se achou uma brecha colocando-a como área rural e para lá
se estendeu a rede de energia elétrica. Não se colocou lâmpadas nos postes para
iluminar o trecho de entrada na povoação, nem nas ruas e sua praça principal. A
cobrança de tarifa deve ser o mínimo para essa modalidade. Mas a vinda da energia
elétrica trouxe também a vinda de carros de som infernizando a vida da pacata
localidade. Como nesta festa da padroeira quando trouxeram o famigerado paredão
de som que ressoava pela praça toda com suas músicas bregas e até muito além, obliterando
qualquer conversação que se queria fazer.
Minhas expectativas no tocante ao turismo foram frustradas.
Há mais ruínas do que construções. Na verdade nem se pode classificar de ruínas
alguns restos de paredes que mal cobrem a altura de um homem. A praça principal
ainda conserva algum calçamento abrigando algumas poucas casas de construção
recente. Ali estava o imponente casarão de dois andares que pertenceu ao
coronel João Belitardo Sobrinho em sociedade com o Coronel Dias Coelho. Na
verdade essa é a única construção que justifica uma visita ao lugar. Um sobrado
sustentado por grossas paredes de adobe cru e sólido madeirame de árvores
nobres. Mas está num sofrível estado de conservação servindo atualmente como
pousada e venda de bebidas em dias festivos. Embaixo da escada que leva ao
andar superior as aberturas laterais não tem janelas. Ao lado e nos fundos só há
mato e ruínas.
Outra construção bem conservada é a casa de Carlos Navarro
logo na entrada da povoação no estilo antigo e com pintura recente. A rua prossegue
com restos de construções até chegar na casa de Flamarion Modesto. Uma das
poucas casas que restaram e que nos áureos tempos abrigou uma agência dos Correios e um prédio
escolar. Essas três casas; o sobrado, a de Carlos Navarro e de Flamarion se constituem
naquilo que restou do Ventura. As outras casas são feitas de tijolos cerâmicos
com portas e janelas de madeira maciça.
Seguindo em frente chega-se num lago de águas escuras ao
lado de um paredão. Nos tempos idos era o local onde as mulheres lavavam as
roupas e os moradores tomavam banho. O lago é um trecho do rio Ventura e que só
enche em tempo de chuvas. Seguindo o curso do rio encontra-se a Cachoeira do
Ventura, lugar raramente visitado por ser muito distante e de difícil acesso.
A praça principal onde se localiza o sobradão de João
Belitardo é composta de algumas poucas casas de construção recente. O resto é
ruínas do que outrora foram uma praça que regurgitava de gente em dia de feira
e na festa da padroeira. Havia belas residências, prédios comerciais, escola,
sede da Filarmônica, Sociedade Comercial, Clube Social, enfim, uma Vila em
franco desenvolvimento e que aspirava desmembrar-se de Morro do Chapéu. Havia
uma rua lateral que hoje foi tomada completamente pelo mato. No topo da ladeira
abriga-se a igrejinha dedicada a Nsa Sra da Conceição em bom estado de
conservação. Falta contudo, um forro para impedir as pragas dos passarinhos que
fazem os seus ninhos no telhado. Ao lado da igreja vemos uma cancela caindo aos
pedaços e que era a entrada da trilha que seguia para Morro do Chapéu. Ao longo
dessa estradinha encontrava-se algumas casas e a povoação de Campinas onde
Flamarion nasceu e que também era composta de florescente comércio. Hoje
dificilmente se identifica o lugar porque o mato tomou conta de tudo. Não
restou uma única construção.
Isso é o que hoje consiste o Ventura.
Chama a atenção o fato de que não se encontra nas ruínas
restos de telhas, madeiras, portas e janelas, indicando que toda essa
destruição foi fruto de mãos humanas. Conforme seus proprietários foram
abandonando a localidade, as casas foram sendo demolidas e saqueadas. Levaram
as telhas, o madeirame, as portas e janelas para vender ou construir em outro
lugar, como agora estão fazendo com as pedras que servem de cercas. Sem proteção
contra a ação do tempo as paredes foram ruindo até se transformarem num
amontoado de terra. Nem as residências dos coronéis Dias Coelho e Souza Benta
escaparam do vandalismo, atestando o pouco valor que davam a memória histórica
de um lugar que deixou sua marca no tempo.