sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Uma visita ao Ventura


Pela primeira vez tive a oportunidade de ir numa festa de Nsa Sra da Conceição, padroeira do Ventura. Na realidade foi a primeira vez que ali pisei os pés. Fui com grande expectativa em conhecer um lugar que outrora foi um dos maiores produtores de diamante e carbonatos da Bahia. O trajeto foi tranqüilo vez que a estrada foi recentemente patrolada e estava em excelente condições. Logo após a passagem pelo rio do Ventura depara-se com uma construção feita de pedras amontoadas e que serviam para demarcar as propriedades no início do século XX. As pedras contudo, apesar de ser um patrimônio histórico do lugar, está sendo demolida com a retirada das pedras para se vender ou fazer outras construções. Em muitos trechos não há mais vestígios da mesma.
Durante todo século XX muito se falou em levar energia elétrica para a localidade que já perdeu a condição de Vila. Era uma povoação florescente que até se cogitou em emancipar, mas que encontrou no Coronel Dias Coelho um veemente opositor. Todavia por ser hoje praticamente despovoada, abrigando escassos 13 moradores fixos, não houve justificativa para viabilizar tal projeto. Até que se achou uma brecha colocando-a como área rural e para lá se estendeu a rede de energia elétrica. Não se colocou lâmpadas nos postes para iluminar o trecho de entrada na povoação, nem nas ruas e sua praça principal. A cobrança de tarifa deve ser o mínimo para essa modalidade. Mas a vinda da energia elétrica trouxe também a vinda de carros de som infernizando a vida da pacata localidade. Como nesta festa da padroeira quando trouxeram o famigerado paredão de som que ressoava pela praça toda com suas músicas bregas e até muito além, obliterando qualquer conversação que se queria fazer.
Minhas expectativas no tocante ao turismo foram frustradas. Há mais ruínas do que construções. Na verdade nem se pode classificar de ruínas alguns restos de paredes que mal cobrem a altura de um homem. A praça principal ainda conserva algum calçamento abrigando algumas poucas casas de construção recente. Ali estava o imponente casarão de dois andares que pertenceu ao coronel João Belitardo Sobrinho em sociedade com o Coronel Dias Coelho. Na verdade essa é a única construção que justifica uma visita ao lugar. Um sobrado sustentado por grossas paredes de adobe cru e sólido madeirame de árvores nobres. Mas está num sofrível estado de conservação servindo atualmente como pousada e venda de bebidas em dias festivos. Embaixo da escada que leva ao andar superior as aberturas laterais não tem janelas. Ao lado e nos fundos só há mato e ruínas.
Outra construção bem conservada é a casa de Carlos Navarro logo na entrada da povoação no estilo antigo e com pintura recente. A rua prossegue com restos de construções até chegar na casa de Flamarion Modesto. Uma das poucas casas que restaram e que nos áureos tempos  abrigou uma agência dos Correios e um prédio escolar. Essas três casas; o sobrado, a de Carlos Navarro e de Flamarion se constituem naquilo que restou do Ventura. As outras casas são feitas de tijolos cerâmicos com portas e janelas de madeira maciça.
Seguindo em frente chega-se num lago de águas escuras ao lado de um paredão. Nos tempos idos era o local onde as mulheres lavavam as roupas e os moradores tomavam banho. O lago é um trecho do rio Ventura e que só enche em tempo de chuvas. Seguindo o curso do rio encontra-se a Cachoeira do Ventura, lugar raramente visitado por ser muito distante e de difícil acesso.
A praça principal onde se localiza o sobradão de João Belitardo é composta de algumas poucas casas de construção recente. O resto é ruínas do que outrora foram uma praça que regurgitava de gente em dia de feira e na festa da padroeira. Havia belas residências, prédios comerciais, escola, sede da Filarmônica, Sociedade Comercial, Clube Social, enfim, uma Vila em franco desenvolvimento e que aspirava desmembrar-se de Morro do Chapéu. Havia uma rua lateral que hoje foi tomada completamente pelo mato. No topo da ladeira abriga-se a igrejinha dedicada a Nsa Sra da Conceição em bom estado de conservação. Falta contudo, um forro para impedir as pragas dos passarinhos que fazem os seus ninhos no telhado. Ao lado da igreja vemos uma cancela caindo aos pedaços e que era a entrada da trilha que seguia para Morro do Chapéu. Ao longo dessa estradinha encontrava-se algumas casas e a povoação de Campinas onde Flamarion nasceu e que também era composta de florescente comércio. Hoje dificilmente se identifica o lugar porque o mato tomou conta de tudo. Não restou uma única construção.

Isso é o que hoje consiste o Ventura.


Chama a atenção o fato de que não se encontra nas ruínas restos de telhas, madeiras, portas e janelas, indicando que toda essa destruição foi fruto de mãos humanas. Conforme seus proprietários foram abandonando a localidade, as casas foram sendo demolidas e saqueadas. Levaram as telhas, o madeirame, as portas e janelas para vender ou construir em outro lugar, como agora estão fazendo com as pedras que servem de cercas. Sem proteção contra a ação do tempo as paredes foram ruindo até se transformarem num amontoado de terra. Nem as residências dos coronéis Dias Coelho e Souza Benta escaparam do vandalismo, atestando o pouco valor que davam a memória histórica de um lugar que deixou sua marca no tempo.