Em 1932, o Cel. Teotônio Dourado Filho, “figura de relevo no município de Irecê”, foi a Salvador a fim de conseguir com o então interventor federal, Ten. Juracy Magalhães, a construção de estradas ligando Irecê à capital baiana e ao São Francisco. Na oportunidade, o Padre Torrend dirigiu-lhe uma carta, na qual lhe pedia “a feitura de uma estrada ligando a Gruta dos Brejões à capital, bastando para isso a construção de um pequeno trecho”.
A carta, que transcrevemos na íntegra, respeitando a ortografia da época, é a seguinte:
Collegio Antonio Vieira, aos 10 de Setembro de 1932.
Prezado amigo Cel. Theotonio Dourado Filho.
Com grande prazer soube que o meu amigo está empenhado em sulcar o município de Morro do Chapéo com estradas de rodagem, uma dellas para Chic-Chic e o São Francisco, e a outra para a zona diamantina, Lençóis e Andarahy. Assim, devido especialmente a seus esforços e a sábia coadjuvação do governo atual, pode-se atingir a Barra do São Francisco em dois dias e meio.
Tomo porém a liberdade de lembrar a meu bom amigo que nos seus traçados de estradas novas não deve esquecer a Gruta dos Brejões nas margens da Vereda Romão Gramacho, mais conhecida com o nome de rio Jacaré.
Com effeito tenho a impressão que seria um grande erro se, ao traçar essas estradas, não se pensasse em tornar accessível aos turistas bahianos, brazileiros e estrangeiros uma das maiores maravilhas em Speleologia do mundo inteiro.
Sem dúvida existem grutas innumeras na velha Europa ou nos Estados Unidos mais extensas que a Gruta dos Brejões, por exemplo a Mammouth Cave com 112 kilometros de comprimento. A própria gruta de Mangueira, em Ituassu, conforme ouvi contar, pois não a conheço de vista, tem uma extensão de cerca de uma légua. Existem outras grutas mais abundantes em águas subterrâneas como as da Terra Ronca e do rio Angélica em Goyaz, visitadas por nós; outras, na Europa com lagos interiores, barcos, electricidade e todo o conforto para passeios e distrações variadas, mas nenhuma que eu saiba, é tão imponente pela entrada, e pelos salões gigantescos de dentro, sem falar nos rendilhados de suas estalactites e estalagmites que tomam os feitios mais bizarros, de balaustradas, mesas redondas, tremias ocas em forma de enormes tinas photographicas, etc. etc.
Logo que houver facilidade de acesso estou certo que muitos amantes da Natureza irão admirar aquellas maravilhas, e os desfiladeiros das serras adjacentes, talhados na rocha calcárea, nos tempos idos, fins da era terciária ou princípios da quaternária, pelo rio Jacaré, então possante e caudaloso, quando os seus esforços titânicos de embate contra a serra em “cul de sac” ou becco sem sahida, se por um lado, num movimento de recuo, talhava um leito espaçoso num Valle lateral, por outro lado, conseguindo enfim abrir uma furna na immensa muralha que lhe embargava a rectidão do curso, acabou por atravessar a montanha por legoa e meia, em curso subterrâneo e a 30 metros de altura acima do nível actual.
No seu traçado de estradas nas vizinhanças da gruta não convem esquecer tão pouco aquelle leito secundário do rio Jacaré, hoje completamente secco, onde elle corria antes da perfuração da serra, ou mesmo depois, quando a furna não dava vasante às enchentes que se accumulavam à entrada della.
Julgo que de Mucambo até Brejões o próprio leito antigo do rio poderia servir de estrada, numa extensão de mais de uma légoa, estrada alias que seria extremamente pittoresca, não só por ter sido cavada pela natureza, mas ainda mais pela beleza peregrina das columnas de erosão, restos da rocha calcárea, que lhe servem de parapeito.
Allias Mucambo é interessante por muitos motivos. Em primeiro logar por que ahi termina a gruta, e uma série de grutas derivadas da principal, por onde jorravam as águas depois de seu percurso subterrâneo; em segundo logar por que ainda hoje ahi brota outra vez à luz o actual rio Jacaré, perdido num sumidoiro na entrada da gruta, embora reduzido a proporções minúsculas em comparação das correntes formidáveis que nas eras longínquas brocaram a serra calcárea por uma extensão de legoa e meia; enfim é também em Mucambo que se offerecem os documentos mais insophismáveis que conhecemos sobre as bandeiras do famoso Robério Dias, pois numa pequena gruta do lado opposto à saída da grande gruta, se encontram numerosas inscripções dos bandeirantes portuguezes, e entre ellas as iniciais bem viziveis do seu chefe mais famoso, ROB. D. Aliás, a 4 légoas do Morro do Chapéo, como o meu amigo sabe melhor do que eu, se encontra o logar, ainda hoje chamado Izabel Dias, nome da irmã de Roberio Dias, com numerosas inscripções e monogramas de Belchior e Roberio Dias, que seu saudoso filho, Dr. Ottacilio, e meu discípulo no collégio Antonio Vieira, tinha cuidadosamente copiado. Tudo isso parece indicar que Roberio Dias, a sua irmã Izabel e seu pae Belchior moraram naquellas grutas solitárias ou faziam dellas o centro preferido de suas excursões, sem contudo, terem notícia da entrada da gruta dos Brejões, pois uma extensa matta virgem lhe tapava a entrada. Creia-me sempre seu dedicado amigo – PADRE CAMILLO TORREND, s. j.”