J. R. GUZZO
Mais alguns dias, já na semana que vem, começa finalmente essa Copa do Mundo que fez o governo
brasileiro exibir a si próprio e ao resto do planeta alguns dos piores
momentos de toda a história do Brasil como país de segunda categoria. O
que dá vontade de dizer, nessa hora, é: “Até que enfim”. Com a bola rolando, e os melhores jogadores de futebol do mundo em campo, explode,
sem
controle de nenhuma força conhecida, a emoção incomparável que só os
jogos heroicos conseguem criar – com seus momentos sublimes de
habilidade sobrenatural, a crueldade dos acasos ou os milagres de último
minuto. No caso da Copa de
2014, junto com o primeiro jogo vem a esperança de que o futebol, a
mais potente magia esportiva jamais criada pelas sociedades humanas,
possa proporcionar aos brasileiros um momento de alívio numa tirania de
sete anos que os governos do ex-presidente Lula e da presidente Dilma
Rousseff impuseram à população durante os preparativos para o grande
evento. Que tipo de tirania? Simples: a que forçou o país a testemunhar
(e a pagar por) uma exibição inédita de incompetência em engenharia
elementar, e de arrogância na negação de sua própria inépcia.
“Já perdemos a Copa fora do campo”, disse o deputado Romário de Souza
Faria. “Agora só nos resta rezar para irmos bem lá dentro.” Ninguém
poderia resumir melhor a realidade do que Romário. Antes mesmo do primeiro jogo, nada mais sobra daquela Copa de 2014 que Lula,
em 2007, festejou como a glória máxima de seu governo. Prometeu, na
ocasião, fazer a “melhor” Copa que o mundo já tinha visto desde a
primeira, em 1930, um empreendimento que transformaria a vida das
classes populares com quantidades prodigiosas de obras públicas e mais
uma tonelada de pura conversa mole. Desde então o que aconteceu na vida
real foi um massacre de mentiras oficiais, de humilhações na obediência
servil a exigências feitas fora do Brasil
e de suas leis e de promessas grosseiramente não cumpridas – como a de
que não seria gasto “um tostão” de dinheiro público na Copa, quando no
fim das contas o Erário vai pagar quase 100% dos custos. Os famosos
benefícios para a população, como a “mobilidade” e outras palavras tolas
inventadas para fazer propaganda de fantasias, são uma piada – as obras
estão atrasadas, são de má ou péssima qualidade ou simplesmente foram
abandonadas. “Estou envergonhado de ser brasileiro”, disse Ronaldo
Nazário, até há pouco um dos mais entusiasmados promotores oficiais da
Copa. Ronaldo, por sinal, lembra que todas as exigências da Fifa (que a
presidente Dilma, agora, exige que lhe tirem “das costas”) foram aceitas
em 2007, sem discussão alguma, pelo governo brasileiro.
Não tendo como responder à sua incapacidade, comprovada em sete anos,
de organizar a Copa, o PT e admiradores fazem o de sempre: ficam
agressivos e falam bobagens desesperadas. O primeiro a sacar o revólver
foi o próprio Lula: disse que era uma “babaquice” reivindicar metrôs que
chegassem aos portões dos estádios. Toda a ideia que sustenta o metrô,
em qualquer lugar do mundo, é exatamente esta: levar o máximo de pessoas
ao ponto mais próximo
possível dos lugares aonde queiram ir. Para o ex-presidente, isso é um
luxo idiota de que o brasileiro não precisa. “Vão a pé, vão descalços,
vão de jumento”, concluiu. Como é que um homem que se considera o maior
líder popular do mundo fala uma coisa dessas? Como um cidadão que
construiu toda a sua vida dizendo que é um trabalhador pode tratar assim
os trabalhadores – os mais necessitados de transporte coletivo de boa
qualidade? No mesmo embalo, revelou que não estava preocupado em saber
se a Copa ia movimentar “30 ou 40 bilhões de dólares” na economia
brasileira – a seu ver, uma mixaria. Por que, então, não disse isso
sete anos atrás? Lula, no fim das contas, não terá dificuldades de
transporte – já anunciou que não vai comparecer a nenhum jogo da Copa.
Não faz nexo: se era uma obra tão fabulosa, como é possível que bem
agora, no que deveria ser seu maior triunfo, ele diga que não vai a
“nenhum” jogo? Justo ele, que inaugura até maquete de abrigo de ônibus?
Lula disse que prefere ver a Copa pela TV, pois terá muito mais conforto
do que em seus estádios, tomando “uma cervejinha”. Cervejinha coisa
nenhuma. Não vai porque tem medo de levar uma vaia que ficará na
história. A Copa de 2014 era para ser uma coisa. Saiu outra. Paciência. O
único remédio para isso chama-se coragem moral – a hombridade de que
cada um precisa para assumir as consequências de seus atos. É artigo que
saiu de linha no governo