Tempos atrás, num programa cômico de televisão, uma jovem
americana radicada no Brasil, a cada comentário sobre violência ou malandragem
nesse país, pronunciava com muita graça: “Brasileiro bonzinho!”. E a gente se
divertia. Hoje nos sentiríamos insultados, pois não somos bonzinhos nem sequer
civilizados. O crime se tornou banal, a vida vale quase nada. poucos de meus
conhecidos não foram assaltados ou não conhecem alguém assaltado: ser assaltado
é quase natural – não só em bairros ditos perigosos ou nas grandes cidades, mas
também no interior se perdeu a velha noção de bucolismo e segurança.
Em São Paulo, só para dar um exemplo, os arrastões são tão
comuns que em alguns restaurantes o cliente é recebido por dois ou quatro
seguranças fortemente armados, com colete à prova de bala, que o acompanham
olhando para os lados – atentos como em séries criminais americanas. Quem,
nessas condições, ainda se arrisca a esta coisa tão normal e divertida, comer
fora? Pessoas inocentes são chacinadas: vemos protestos, manifestações, choro e
imprensa no cemitério, mas nada compensará o desespero das famílias ou pessoas
destroçadas, cujo número não para de crescer. Em nossas ruas não se vê um só
policial, daqueles que poucos anos atrás andavam em nossas calçadas. A gente
até os cumprimentava com certo alívio. Não sei onde foram parar, em que
trabalho os colocaram, nem por que desapareceram. Mas sumiram. Morar em casa é
considerado loucura, a não ser em alguns condomínios, e mesmo nesses o crime
controla o porteiro, entra, rouba, maltrata, mata. Recomenda-se que moremos nos
edifícios: ”mais seguros”, seria uma ideia. Mas, mesmo nos edifícios, nem
pensar, a não ser com boa portaria, ou será alto risco, diz a própria polícia,
aconselhando ainda porteiros preparados
e instruídos para proteger dentro do possível nossos lares agora
precários.
Somos uma geração assustada, desamparada, confinada,
gradeada – parece sonho que há não tanto tempo fosse natural morar em casa, a
casa não ter cerca, a meninada brincar na calçada; e não morávamos em ilhas
longínquas de continentes remotos, mas aqui mesmo, em bairros de cidades
normais. Éramos gente “normal”. Hoje, a população, apavorada, está nas mãos de
criminosos, frequentemente impunes. Na desorganização geral, presídios
superlotados onde não se criariam porcos também abrigam pessoas inocentes ou
que nunca foram julgadas. A impunidade é
tema de conversas cotidianas, leis atrasadas ou não cumpridas nos regem, e
continua valendo a inacreditável lei de responsabilidade criminal só depois dos
18 anos. Jovens monstros, assassinos frios, sem remorso, drogados ou
simplesmente psicopatas saem para matar e depois vão beber no bar, jogar na lan
house, curtir o Facebook, com cara de bons meninos. Num artifício semântico
insensato e cruel, se apanhados, não os devemos chamar de assassinos: são
infratores, mesmo que tenham violentado, torturado, matado. Não são presos, mas
detidos em chamados centros socioeducacionais. E assim se quer disfarçar nosso
incrível atraso em relação a países civilizados. No Canadá, Holanda e outros, a
idade limite é de 12 anos; na Alemanha e outros, 14 anos. No Brasil,
consideramos incapazes assassinos de 17 anos, onze meses e 29 dias.
Recentemente, um criminoso de 15 anos confessou
tranquilamente ter matado doze pessoas. “Me deu vontade”, explicou sem problema
e sorria: “Hoje a gente saiu a fim de matar”, comentou outro adolescentezinho,
depois de assaltar, violentar e mata um jovem casal junto com outro comparsa.
Esses e muitos outros, caso estejam em uma dessas instituições em que se
pretende educar e socializar indiscriminadamente psicopatas e infratores
eventuais, logo estarão entre nós, continuando a matança. Quem assume a
responsabilidade? Ninguém, pois estamos em uma guerra civil que autoridades não
conseguem resolver, uma vez que nem a lei ajuda. Estamos indefessos e
apavorados, nas mãos do acaso. Até quando?
Lia Luft