sábado, 13 de abril de 2013

O sertanejo sitiado pela seca é antes de tudo um frágil dependente das vigarices forjadas por espertalhões federais


Charge: Boopo
A seca no Nordeste é a maior dos últimos 50 anos e não tem prazo para terminar. Além da chuva e do caminhão-pipa, incontáveis brasileiros esperam sentados pelas águas do São Francisco que Lula prometeu para 2006, 2008 e 2010 mas continuam onde sempre estiveram. “Esta é uma das maiores obras já feitas no mundo que beneficiará 12 milhões de pessoas, o que significa vida e que nossos filhos não serão vítimas de doenças”, desandou Dilma Rousseff há quatro anos, numa das escalas da expedição de ministros liderada pelo chefe supremo (veja o post no Vale Reprise). Ainda no comando da Casa Civil, o neurônio solitário naufragou de vez no fecho do falatório: “O setor está virando mar e desta vez o sertão vai virar mar”.
Conversa de 171. As carcaças de animais, a terra esturricada e os rostos mumificados antes da morte física atestam que o sertão só virou mar em palavrórios eleitoreiros. Incumbida de concluir o que o padrinho mal começou, a Mãe do PAC deixou na orfandade o colosso forjado para transformar um palanque ambulante em D. Pedro III (ou simplesmente “Predo”). Os canteiros de obras desertos confirmam que a transposição do São Francisco descansa no porão onde o trem-bala apita desde 2009. A presidente preferiu tapear o povo com vigarices menos complicadas. Por exemplo, mudar o nome do problema, aumentar a gastança com a  “bolsa-estiagem” e nadar de braçada no oceano de flagelados que pagam com votos as esmolas federais.
“O sertanejo é antes de tudo um forte”, escreveu Euclides da Cunha no começo do século 20. Passados 100 anos, o sertanejo castigado pela seca é antes de tudo um dependente de favores engendrados por espertalhões no poder. Conformado com o ofício de bolsista, parece satisfeito com a vida não vivida: não morrer de fome e de sede já está de bom tamanho. O voto dos desvalidos ficou bem mais barato que o apoio dos ricos, porque o governo que jura só pensar nos pobres anda cada vez mais ágil e mais pródigo na hora de estender a mão a bilionários em apuros.
Nesta semana, por exemplo, durante a troca de ideias sem pé nem cabeça com o roqueiro Bono Vox, Lula repetiu que tirou 35 milhões de brasileiros da miséria. Também informou que, com o dinheiro desperdiçado em guerras pelo imperialismo ianque, acabaria com a pobreza no mundo. Talvez conseguisse que todos os habitantes do planeta usassem de fraque, cartola e polainas se aplicasse nesse projeto as fortunas embolsadas pelos corruptos que protege e a dinheirama torrada no pronto-socorro financeiro montado para impedir que Eike Batista continue despencando no ranking da Forbes.
Em Londres, o camelô de empreiteiro reafirmou que tem algo a dizer sobre tudo, com exceção do escândalo protagonizado em parceria com Rosemary Noronha e das denúncias que o envolvem na roubalheira do mensalão. Em Brasília, entre um e outro passeio pelo exterior, Dilma faz de conta que administra uma Noruega com sol, praia, carnaval e Copa do Mundo. A inflação engordou mais um pouco? O PIB continua emagrecendo? A produção industrial caiu de novo? Nada que uma boa conversa com Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo não resolva. Os apagões se sucedem? Que se acrescente alguns centavos de desconto na tarifa de energia.
A Petrobras foi reduzida a uma usina de números perturbadores e falcatruas de dimensões amazônicas? Que se encomende ao marqueteiro João Santana um anúncio de página inteira festejando a fantasia do pré-sal. As escolas públicas ensinam que falar errado está certo? As melhores redações do Enem torturam a gramática e espancam a ortografia? O ministro Aloizio Mercadante saberá apressar o parto da cota para analfabetos. O sistema de saúde está em frangalhos? A supergerente de araque logo comunicará à nação que todos os brasileiros, doentes ou não, poderão internar-se dois dias por ano na UTI do Sírio-Libanês.
Quem finge que entende uma presidente que não diz coisa com coisa engole sem engasgos qualquer embuste. O brasileiro deste começo de século, pelo menos o que mora em institutos de pesquisa, é antes de tudo um crédulo. Acredita no que não existe, como as 6 mil creches da campanha de 2010,  e acha admirável o que ninguém vê, como as 6 mil casas prometidas em janeiro de 2011 aos sobreviventes dos temporais na Região Serrana do Rio. Ultimamente, deu de entusiasmar-se com legados imaginários.
O que sobrou do legado do Pan-2007 vai sendo demolido. O Engenhão foi fechado antes que sucumbisse a uma ventania. O Maracanã terá de ser reformado assim que for encerrada a reforma em andamento. Os estádios planejados para a Copa de 2014 não estão prontos, os novos aeroportos nem saíram do papel e os antigos estão a poucas milhas do colapso. Em compensação, a ferradura do Itaipava Fonte Nova, na opinião de Dilma, é uma ousadia arquitetônica que reduz a trabalho de estagiário a mais audaciosa criação de Oscar Niemeyer. E tudo vai dar certo, repetem a presidente e o presidente-adjunto. O Brasil Maravilha demora, atrasa, complica e rouba, mas faz.
Neste outono, anda fazendo coisas de que até Deus duvida. Por decisão do Planalto, acabam de ser promovidos a segredos de Estado os empréstimos concedidos pelo BNDES aos companheiros no poder em Cuba e Angola. Só em 2027 serão conhecidas as tenebrosas transações monitoradas pelo inevitável Fernando Pimentel. Sobram bandidagens a investigar e problemas de grosso calibre a resolver. Faltam interessados em enfrentá-los. O governo mente. A oposição continua de férias. E aos olhos da plateia,  nada parece mais importante que o Fla-Flu de terceira  divisão disputado pelas torcidas dos deputados Jean Wyllys e Pastor Feliciano.
O espaço reservado ao assunto é tanto que notícias relevantes acabam escondidas em alguns centímetros de jornal ou comprimidas em menos de meio minuto na TV. Talvez por isso, o País do Carnaval ainda não descobriu que o governo só gasta: todas as despesas são bancadas pelos pagadores de impostos. E pouca gente soube que vai terminando agora a estação das chuvas que não vieram. Nem virão tão cedo: começam em abril os meses de estiagem no sertão nordestino. A maior das secas desde 1963 está longe do fim.