Daniela
Mercury se casou com a jornalista Malu Verçosa, a quem chamou de
“esposa”. O anúncio foi feito pelas redes sociais. Deve ser coisa
importante — ou não seria notícia no Jornal Nacional.
“Esposa”…
Engraçado esse termo. Na primeira vez em que chefiei uma redação, há
mais de 25 anos, eu o proibi — a não ser como referência irônica. Eu
perguntava então: “Quem consegue se deitar com uma esposa”? Neste
jornal, a gente vai escrever ‘marido’ e ‘mulher’, nunca ‘esposa’ e
‘esposo’”. Noto, no entanto, que alguns áreas da militância gay parecem
ter certa nostalgia da família tradicional, ainda que sejam, por
definição, uma desafio à tradição, né? Percebo uma certa compulsão para
brincar de casinha.
Não estou
tentando ser irônico, não. Apenas constato certo apelo regressivo no que
parece ser, assim, tão vanguardista. Defendo há muito tempo a união
civil — embora alguns idiotas façam questão de ignorar esse dado
objetivo porque, assim, podem babar o seu rancor —, mas acho estranha
essa fixação no “casamento”. Fica no ar uma tentação de “como nossos
pais”, só que de homem com homem e mulher com mulher. Ainda que pudesse e
que não tivesse sido vítima de uma legislação estúpida, será que Oscar
Wilde teria se casado com aquele tontinho do Lorde Douglas? E Proust
reivindicando “casamento”? Ou André Gide?
Que se
casem quantos queriam se casar, é o que penso. Não apoio é que hordas
fascistoides tentem meter o pé na porta da legalidade para impor o seu
ponto de vista e que convertam o discurso da tolerância em violência.
Não aceito é que se recrie no país o delito de opinião. No que concerne a
Daniela, desejo felicidades na união com a sua “esposa”, bastando-me
que não me obriguem a ouvir axé e a tirar “o pééé do chãããooo”.
Fiquei
sabendo pelo Jornal Nacional que ela criticou o deputado Marco Feliciano
(PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara. Então tá! Doravante, gays e progressistas devem criticar
Feliciano ao comprar um Chicabon, ao informar as horas, ao dizer um
simples “bom dia!”… Essa passou a ser a única clivagem realmente
relevante da política brasileira, da sociedade brasileira, da vida
brasileira. Só isso nos desune…
Até o “progressismo” brasileiro consegue ser cafona e retrô!