Olavo de Carvalho
Há anos venho tentando chamar a atenção
das nossas elites empresariais, políticas e militares
para o fenômeno da degradação cultural
brasileira, mas não creio que até agora tenha
conseguido fazê-las enxergar a real dimensão
do problema – até porque as elites mesmas são
as primeiras vítimas dele e não há nada
mais difícil do que fazer alguém tomar consciência
da sua inconsciência progressiva. É como tentar
parar uma queda em pleno ar.
Desde logo, a palavra “cultura” já evoca,
na mente desse público, a ideia errada. “Cultura”,
no Brasil, significa antes de tudo “artes e espetáculos”
– e as artes e espetáculos, por sua vez, se resumem
a três funções: dar um bocado de dinheiro
aos que as produzem, divertir o povão e servir de caixa
de ressonância para a propaganda política.
Que a cultura devesse também tornar as pessoas mais
inteligentes, mais sérias, mais adultas, mais responsáveis
por suas ações e palavras, é uma expectativa
que já desapareceu da consciência nacional faz
muito tempo. Se o artista cumpre as três funções
acima, nada mais lhe é exigido nem mesmo para lhe garantir
o rótulo de gênio. Foi preciso, no festival de
Paraty, uma escritora irlandesa (Edna O’Brien) vir avisar
aos brasileiros que Chico Buarque de Holanda não faz
parte da literatura. Por si mesmos, eles jamais teriam percebido
isso. Nos cursos universitários de letras, produzem-se
milhares de teses sobre Caetano Veloso e o próprio
Chico, enquanto escritores de primeira ordem e já consagrados
pelo tempo, como Rosário Fusco, Osman Lins ou José
Geraldo Vieira, são ignorados já não
digo só pelos estudantes, mas pelos professores. Até
a Academia Brasileira, nominalmente incumbida de manter alto
o padrão das letras nacionais, de há muito já
não sabe distinguir entre o que é um escritor
e o que não é. A hipótese de que o sejam
os srs. Luís Fernando Veríssimo, Paulo Coelho
e Marco Maciel jamais passaria pela cabeça de alguém
habilitado, digamos, a compreender razoavelmente um poema
de Eliot ou a perceber a diferença de fôlego
entre Claudel e Valéry, isto é, de alguém
que tenha ao menos uma idéia aproximada do que é
literatura.
A alta cultura simplesmente desapareceu do Brasil –
desapareceu tão completamente que já ninguém
dá pela sua falta.
Como posso fazer ver a gravidade disso a pessoas que, não
pertencendo elas próprias ao círculo das letras
e das artes, recebem dele, prontos, os critérios de
julgamento em matéria de cultura e, ao segui-los, acreditam
estar em dia com os mais elevados padrões internacionais?
Como posso mostrar ao político, ao empresário,
ao oficial das Forças Armadas, que cada um deles está
sendo ludibriado por usurpadores subintelectuais e encaixilhado
numa moldura mental incapacitante?
Um exemplo talvez ajude. Não conheço um só
membro das nossas elites que não tenha opiniões
sobre a política norte-americana. A base dessas opiniões
é o que lêem nos jornais e vêem na TV.
Acontece que o instrumento básico do debate político
nos EUA é o livro, não o artigo de jornal, o
comentário televisivo ou a entrevista de rádio.
Não há aqui uma só idéia ou proposta
política que, antes de chegar aos meios de comunicação
de massas, não tenha se formalizado em livro, demarcando
as fronteiras do debate que, nessas condições,
é sempre pertinente e claro. Também não
há um só desses livros que, em prazo breve,
não seja respondido por outros livros, condensando
e ao mesmo tempo aprofundando a discussão em vez de
limitá-la às reações superficiais
do primeiro momento.
Ora, esses livros praticamente nunca são traduzidos
ou lidos no Brasil. Se alguém os lê, deve mantê-los
em segredo, pois nunca os vejo mencionados na nossa mídia,
seja pelos comentaristas usuais ou pelos acadêmicos
iluminados que os chefes de redação tomam como
seus gurus. Resultado: a elite que confia nos canais jornalísticos
como sua fonte básica de informação acaba
sendo sistematicamente enganada. Não só forma
opiniões erradas sobre o quadro internacional, mas,
com base nelas, diagnostica erradamente a situação
local e toma decisões estratégicas desastrosas,
que só a enfraquecem e a tornam dia a dia mais sujeita
aos caprichos da quadrilha governante.
Só para tornar o exemplo ainda mais nítido:
quem quer que tenha lido, além das autobiografias de
Barack Obama, as investigações sobre sua vida
pregressa feitas por Jerome Corsi, Brad O’Leary e Webster
Griffin Tarpley (anti-obamistas por motivos heterogêneos
e incompatíveis), sabia de antemão que, se eleito,
ele usaria o prestígio da própria nação
americana para dar respaldo ao anti-americanismo radical dentro
e fora dos EUA; que, no Oriente Médio, isso significaria
sonegar apoio a Israel e aceitar pacificamente o Irã
como potência nuclear; na América Latina, elevar
Hugo Chávez, as Farc e o Foro de São Paulo ao
estatuto de árbitros supremos da política continental.
Como no Brasil ninguém leu nada disso, o que se impregnou
na mente do público foi a visão de Obama como
um progressista moderado, algo como um novo John F. Kennedy
ou Martin Luther King. Nos EUA, com a ajuda da grande mídia
cúmplice, Obama enganou metade do eleitorado. No Brasil,
enganou a opinião pública inteira. Agora, só
resta aos ludibriados atenuar retroativamente o vexame do
engano mediante um novo engano, persuadindo-se de que, se
até o governo americano apóia Hugo Chávez,
é porque ele não é tão perigoso
quanto parecia...