Pronto! Joaquim Barbosa
está fora do Supremo Tribunal Federal. Ainda que o tenha feito por
vontade e determinação pessoal, muita gente suspira aliviada, nem tanto
porque se sentisse ameaçada por ele — não havia como ameaçar ninguém —,
mas porque se sentia traída. Assim: a gritaria contra Barbosa — não a
crítica justa, que pode ser feita — corresponde a uma algaravia de
interesses contrariados e a ódios que traduzem nada mais do que má
consciência. Então vamos ver.
O meu blog
existe há oito anos. O arquivo está disponível a quem queira
consultá-lo. Nunca fui e não sou um fã nem do estilo nem de algumas
ideias de Joaquim Barbosa. Acho que seu temperamento um tanto irascível o
atrapalhou — e à necessária harmonia dos trabalhos no Tribunal — mais
de uma vez. Ele cultiva certa intolerância pessoal com a divergência, e
já o vi repelir com acidez até argumentos que concorriam para a sua tese
porque nem sempre é um ouvinte prudente. Não concordo também, e já
evidenciei isso aqui, com algumas de suas teses sobre racismo — o que, e
não me sinto obrigado a provar, nada tem a ver com a cor da sua pela e a
da minha.
Mas
esperem aí: a gritaria que se armou contra Barbosa se deveu a seu
temperamento? Ou ao eventual descumprimento de rituais processuais ou
mesmo ao entendimento prejudicado desse ou daquele princípios? Uma ova! A
máquina de desqualificação montada pelo petismo e por outros setores da
esquerda o atacou em razão de suas virtudes, não de seus eventuais
defeitos. É mentira que o julgamento do mensalão tenha recorrido a
instrumentos de exceção. É mentira que tenha sido ele — e nem poderia — a
manipular tais instrumentos. É mentira que se tenha usado com petistas
uma régua e uma conjunto de regras particulares. Isso tudo é obra da
guerra política mais rasteira.
Se Lula,
no passado, indicou ou não Joaquim Barbosa porque decidiu exercer a seu
modo uma política de cotas, isso não é de responsabilidade do ministro. O
fato é que os petistas tentaram — e um mensaleiro chegou a vocalizar
isto — cobrar do então ministro uma espécie de dívida. Já que Lula teria
levado o primeiro negro para o Supremo (é mentira: antes, houve Pedro
Lessa e Hermenegildo de Barros), que este então lhe fosse grato, votando
conforme as vontades e as necessidades do PT. E, como é sabido, Barbosa
não caiu no truque. O ex-deputado João Paulo Cunha, o mensaleiro
condenado, não teve vergonha nenhuma de dizer publicamente: “Barbosa
chegou ao Supremo porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de
reparar um pedaço da injustiça histórica com os negros”.
Entenderam
a alma profunda de um petista? Já que Lula levou um negro para o
Supremo, a melhor maneira que esse negro tem de demonstrar que é livre é
violando a sua própria consciência para ser grato a quem o indicou. É
espantoso que algo assim tenha sido dito. E foi. Nos bastidores, então, o
inconformismo dos companheiros com Barbosa, cujo nome sempre vem
associado a palavrões que não se dizem nem em estádios e a acusações de
traição, chega a ser patológico. Não por acaso, ele se tornou o
principal alvo do que chamo “Al Qaeda Eletrônica” — as milícias petistas que atuam nas redes sociais.
Curiosamente,
quando os petistas cantavam as glórias de Barbosa — consultem os
arquivos; isso aconteceu —, eles o faziam porque tinham grande apreço
por seus defeitos. Quando passaram a demonizá-lo, tinham ódio de suas
virtudes.
Assim,
tudo somado e subtraído, com agravantes e atenuantes (para fazer uma
blague…), o saldo da passagem de Barbosa pelo Supremo lhe é amplamente
favorável e também ao país. Num dado momento, uma poderosa coordenação
de forças atuou de modo deliberado para desmoralizar o Supremo e o
Judiciário como um todo, alvos permanentes de correntes autoritárias que
estão no poder em vários países da América Latina.
Lula é
hoje um desafeto pessoal de Barbosa porque descobriu que este acabou se
tornando o homem certo, no lugar certo e no momento certo — sempre
levando em conta os interesses do país, não os do próprio Lula e do PT. O
tempo dirá que não
conseguiremos dizer o mesmo de muito engomadinho de fala mansa. Arroubos
de temperamento podem ser controlados. Rombos de caráter não têm cura.
Joaquim Barbosa fez o seu trabalho com dignidade.