quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A professora energúmena, o politicamente correto e ainda Rafinha Bastos. Ou: O fascismo dos monopolistas da virtude

Os idiotas agora resolveram aderir à política de cotas: também querem o seu quinhão. Evidentemente, não me refiro à idiotia clínica, mas àquela ignorância propositiva que costuma caracterizar os energúmenos, com suas soluções simples e erradas para problemas complexos, para lembrar H. L. Mencken. Ontem, dei uma esculhambada numa professora de português que me enviou um texto em que tentava me ofender. Ofendia, antes de tudo, a língua pátria.

Fico imaginando aquela anta na sala de aula, a vitimar dezenas, talvez centenas de jovens pobres, que deveriam ter na escola, como tive, a chance de aprender, de melhorar a vida da família e a sua própria vida, podendo garantir aos filhos condições iniciais que eles próprios não tiveram. Assim se faz o progresso. Mas não! A tia sindicaleira diz com todas as letras que, sem uma redução das desigualdades sociais, não há o que fazer na educação; tudo seria inútil! Como, sem educação, tal redução não acontece — não, ao menos, a ponto de mudar a qualidade de vida dos pobres, garantindo-lhes autonomia —, tem-se o ciclo vicioso do mal: os pobres têm uma educação ruim porque pobres e são pobres porque têm educação ruim.

Houve quem tivesse ficado com peninha. Uns tolos disseram que esculhambei a sua gramática para não ter de responder a seus argumentos. Quais? Um deles é essa delinqüência (com trema!) que se lê acima. Trata-se de uma tese realmente irrespondível. Ela pense o que quiser. É livre para isso. Se leva tal concepção para a sala de aula, no entanto, tem uma conduta que chega a ser criminosa porque atua para condenar os alunos à pobreza.

Dei aula durante uns bons anos. A principal tarefa de um professor é alargar os horizontes dos alunos POR MEIO DA SUA DISCIPLINA, não da peroração moral ou ideológica. Ensinei literatura, gramática e redação. Não deixam de ser “ciências da natureza” — da natureza humana ao menos. A tarefa “progressista” de um professor de gramática é ensinar gramática para que os alunos possam ler com olhos mais competentes qualquer texto, do autor “X” ou de quem pensa o contrário.

Ocorre que esquerdopatas e politicamente corretos de modo geral querem nos impor a sua pauta como expressão do “bem”. Os seus adversários fazem escolhas ideológicas; eles apenas estão preocupados com o bem-estar da humanidade. Esses caras têm a ambição de não debater as suas idéias porque se consideram, para usar uma expressão de Jonah Goldberg, no livro “Fascismo de Esquerda” (Editora Record), “monopolistas da compaixão”. A direita, os conservadores, os reacionários, ah, esses precisam sempre dar explicações e se justificar. Um esquerdista ou “progressistas” tem apenas de se declarar preocupado com os pobres, a favor da natureza, defensor dos negros, das mulheres, dos gays, dos sem-isso, sem-aquilo… Se o que propõe funciona ou não, eis algo absolutamente irrelevante. O importante é saber que ele tem idéias para nos salvar.

Demonstrei isso aqui ontem ou anteontem (os meus horários me deixam meio confuso, hehe) quando tratei da questão da redução do desmatamento. Alguém, em algum momento, cobrou de Marina Silva que expusesse o caminho do raciocínio que a levava a dizer que o texto de Aldo Rebelo provocara um aumento do desmatamento? Não! Bastava saber que era Marina falando. Como ela defende a floresta, conclui-se, pois, que tudo o que disser será positivo para a floresta, mesmo que seja uma mentira. Como se supõe que um “ruralista” quer avançar no mato para plantar soja, não se deve acreditar, de saída, no que ele tem a dizer.

Foi com esse raciocínio que o ministro Ayres Britto, do Supremo, contribuiu para a favelização dos índios da reserva Raposa Serra do Sol e desempregou centenas de famílias. Aceitar as terras contínuas, com a expulsão dos brancos e dos arrozeiros, estava entre as chamadas “idéias do bem”, que não devem ser questionadas, a menos que o sujeito seja um desses (Reinaldo, Diogo e mais uns dois ou três) que gostam de ir na contramão, que supostamente fariam questão de se dizer politicamente incorretos. Essa é outra tolice. Eu só faço questão de me ater aos fatos.

Os que agora acusam — e eles se tornaram mais virulentos depois do episódio Rafinha Bastos — a existência de uma espécie de conspiração dos “politicamente incorretos” querem, na verdade, nos impor a sua pauta como expressão superior de racionalidade, de modo que os que não comungam de suas teses seriam ou maus ou irracionais. Assim, quando defendi que os arrozeiros ficassem em Raposa Serra do Sol, é claro que eu não poderia estar preocupado com o emprego de centenas de pessoas, com a produção de comida, com o bem-estar daquelas pessoas. Não! Eu só o fazia porque, vocês sabem, sou um homem mau ou um defensor natural dos plutocratas do arroz… No caso do novo Código Florestal, eu o apóio porque estou na categoria que quer mesmo é devastar a natureza para cobrir o mundo ou de pasto ou de lavoura de soja… Além, claro de torcer pelo aquecimento global e não dar bola para os bagres…

E tudo isso nasce, segundo esses vigaristas, do fato de não haver um “controle democrático” dos meios de comunicação — ou seja, um comitê de censura, que seria integrado, naturalmente, por eles. Como são os monopolistas do bem, os que discordam deles estariam impedidos de falar. Aquela professora que me enviou o texto impossível está convicta de que eu só sou contra o corte de aulas de português e matemática em benefício da filosofia e da sociologia porque tenho “medo” de que os pobres comecem a pensar. Não! Eu quero uma escola com muito português e muita matemática, como tive, competentemente ministradas, justamente para que os pobres possam se libertar da pobreza! Mas como eu poderia ter uma boa intenção se eu não sou de esquerda, se eu não sou da turma? O mais fabuloso é que o método deles está sendo testado há anos. As escolas brasileiras se converteram em centros de reclamação e doutrinação. Com as exceções de sempre, são professores reclamando da vida e propondo aos alunos uma nova aurora… Como pode anunciar um novo tempo quem faz da sua própria infelicidade, real ou suposta, um programa de ação?

Não! Eu não me deixo intimidar por essa canalha, não! Até porque ela não quer debater. E a chamo pelo nome merecido. Não cairei na conversa que consiste em transformar escolhas ideológicas em virtudes inquestionáveis. O repúdio às piadas infelizes de Rafinha Bastos — e escrevi ontem que o humor não é uma categoria absoluta, mas também é importante que ele não seja tomado na sua literalidade — demonstra, diga-se, que ninguém precisa que um Comissariado do Povo decida o que é e o que não é aceitável.

Comigo, esses fascistas assanhados não se criam —na escola, na Internet, na TV, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê…

Por Reinaldo Azevedo