sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Protesto dos bocas vazias

Estamos retados com esse negócio de chamar a gente de boca vazia. E quem é a gente? Somos aquele povo que não pode ver um tira gosto dando sopa e lá vamos nós meter bronca. E onde é que tem tira gosto por aí onde a gente pode meter a mão? Na barraca do Jarionei lá no Araguaia. Nós da categoria (bocas vazias), ficamos a vontade lá. Também, o que é que sai? Umas tripas gordurentas, úbere de vaca, passarinha, coração de boi, língua de boi, tudo coberto de uma boa camada de sal que é para abrir o apetite para uma geladinha. Geladinha? Coitado de nóis. Pra nóis só sobra aquela surrapa que chamam de pinga com raiz. O Lauro Adolfo ainda debocha dizendo que o tira gosto só sobe a pressão um pouco, depois baixa. Enquanto não vem a eleição de prefeito, quando aparece algum candidato a vereador para pagar uma gelada tirando nossa barriga da miséria, vamos tomando nossas jurubebas, quebra facão, pra tudo, jatobá, pitú, cinqüenta e um, cambuí e por aí vai.

Somos uns heróis e vou dizendo logo que quem levanta aquele campeonato do Araguaia somos nóis, os bocas vazias. Afinal que é que tem coragem de comer aquelas tripas, aqueles úberes, passarinhas e demais luxos da barraca do Jarionei? Parece que todo mundo tá cheio de colesterol, pressão alta, diabetes e só querem coisa fina. Se não fosse a gente pra mastigar tudo isso o que seria da barraca do Jarionei? O Glauber e seu companheiro Lisandro mais conhecidos por mala sem alça e barca furada, só comem lingüiça assada. Nunca vi nenhum dos dois mandar brasa numa tripa recheada de gordura, daquelas que deixa uma boa camada de sebo no céu da boca. Ainda bem que eles servem a gente também e aí é a maior alegria. Talvez a categoria até vote no Glauber na próxima eleição. Mas tem de sair cerveja. Tá pensando que nóis somos bobo? Que vai ganhar voto só com lingüiça? Uma ova. Pode trazer carne e da boa. Nada daquelas cheia de osso que é para enganar os trouxas. Tem uma carne que combina bem como nóis: é o vazio do boi. A turma mal falada chama de picanha de pobre. O vazio para os boca vazia; não deu certo? Foi uma pena o Dodô abandonar o Campeonato do Araguaia. Ele sempre trazia uns corações de galinha, petisco de alto luxo que os boquinhas nervosas caiam de pau em cima. Era um sufoco pegar um coraçãozinho, mas a gente sempre dava um jeito.

O Jarionei é um cara legal. Uma ora ele enche o espeto de tripa, outra hora bota uma carne de costela. Mas quando sai a carne boa, aí a gente tem de disputar com os engomadinhos, aquela gente doente que anda na dieta. Nós fazemos dieta desde que nascemos. A gente tem de empurrar com o cotovelo para poder mastigar um pedacinho de carne. E ainda tem uns gozadores que debocham dizendo: “vai comendo boca vazia, eu já passei fome e sei o que é isso”. A gente não liga porque a gente não sabe se vai encontrar almoço quando chegar em casa. Por isso vamos forrando logo o estomago que é para prevenir.

Nós temos orgulhos da categoria e já estamos até pensando em fundar um sindicato. Precisamos defender nossos interesses. Tipo exigir que lavem as carnes antes de botar na churrasqueira, servir farinha sem caroço, botar pimenta só quando a gente pedir, essas coisas. Talvez a gente até exija que mostrem o certificado de saúde do animal. Isso ainda vamos discutir.

Nós não temos colesterol, pressão alta, diabete, essas doenças de gente rica. Então a gente pode até fazer palestra para mostrar como a gente faz para evitar essas doenças. Talvez até aceitem. Mas duvido que botem no cardápio o fato de boi, do porco e do bode. E duvidamos muito que bebam a nossa velha e querida surrapa.

O campeonato do Araguaia está acabando e agora vai ser o campeonato do campinho preto, o nosso purgatório. Tira gosto ali? Nem pensar.