Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 19 de junho de 2013
Quaisquer que venham a ser os
desenvolvimentos da onda de protestos no Brasil, sua primeira vítima
está ali, caída no chão para não se levantar nunca mais, e ninguém
sequer se deu conta da sua presença imóvel e fria: é a "direita"
brasileira.
Durante décadas, desde os tempos do
governo militar, os partidos e movimentos de esquerda vieram
construindo sistemática e obstinadamente o seu monopólio das
mobilizações de massa, enquanto o que restava da "direita" , atropelado e
intimidado por acontecimentos que escapavam à sua compreensão, ia se
contentando cada vez mais com uma concorrência puramente eleitoral,
tentando ciscar nas urnas umas migalhas do que ia perdendo nas ruas.
Não sei quantas vezes tentei
explicar a esses imbecis que o eleitor se pronuncia anonimamente de
quatro em quatro anos, ao passo que a militância organizada se faz ouvir
quantas vezes bem deseje, todos os dias se o quiser, dando o tom da
política nacional e impondo sua vontade até mesmo contra um eleitorado
numericamente superior.
Mas a ideia de formar uma
militância liberal e conservadora para disputar o espaço na praça
pública lhes inspirava horror. Como iriam bater de frente na hegemonia
do discurso "politicamente correto", se este, àquela altura, já se havia
impregnado tão fundo nos seus próprios cérebros que já não viam
perspectiva senão imitá-lo e parasitá-lo, na ânsia de ludibriar o
eleitor e conservar assim os seus cargos, ainda que ao preço de
esvaziá-los de qualquer mensagem ideológica diferenciada e própria?
Era inútil tentar fazê-los ver que,
com isso, se enredavam cada vez mais, voluntariamente, na "espiral do
silêncio" (v. Elisabeth Noelle-Neumann, The Spiral of Silence,
The University of Chicago Press, 1993), técnica de controle hegemônico
em que uma das facções é levada sutilmente a abdicar da própria voz,
deixando à inimiga o privilégio de nomeá-la, defini-la e descrevê-la
como bem entenda.
Alguns eram até idiotas o bastante
para se gabar de que faziam isso por esperteza, citando o preceito de
Maquiavel: aderir ao adversário mais forte quando não se pode vencê-lo.
Belo mestre escolheram. O autor doPríncipe foi um bocó em matéria de política prática, um fracassado que esteve sempre do lado perdedor.
Assim, foram se encolhendo, se
atrofiando, se adaptando servilmente ao estado de coisas, até o ponto em
que já não tinham outra esperança de sobrevivência política senão
abrigar-se sob o guarda-chuva do próprio governo que nominalmente diziam
combater.
Ao longo de todo esse tempo, ia
crescendo a insatisfação popular com um partido que fomentava
abertamente o banditismo assassino, cultivava a intimidade obscena com
terroristas e narcotraficantes, tomava terras de produtores honestos
para dá-las à militância apadrinhada e estéril, estrangulava a indústria
mediante impostos, demolia a educação nacional ao ponto de fazer dela
uma piada sinistra e, last not least, expandia a corrupção até
consagrá-la como método usual de governo.
Milhões de brasileiros frustrados,
humilhados, viam claramente o abismo em que o país ia mergulhando. Essa
massa de insatisfeitos, como o demonstravam as pesquisas, era
acentuadamente cristã e conservadora.
Em 2006 escrevi: "Com ou sem nome, a
direita é 70 por cento dos brasileiros. Um programa político
ostensivamente conservador teria portanto sucesso eleitoral garantido".
Mas, com obstinação suicida, a "direita" se recusava a assumir sua
missão de porta-voz da maioria. Apostava tudo nas virtudes alquímicas da
autocastração ideológica.
"Um pouco mais adiante – escrevi na
mesma ocasião – , ela agravou mais ainda a sua situação, quando, após a
revelação dos crimes do PT, perdeu a oportunidade de denunciar toda a
trama comunista do Foro de São Paulo e, por covardia e comodismo, se
limitou a críticas moralistas genéricas e sem conteúdo ideológico."
Etanto tempo se passou, tão grande
foi o vazio, que de recuo em recuo essa direita foi abrindo, que a
própria esquerda acabou notando a necessidade de preenchê-lo, mesmo ao
preço de sacrificar uma parte de si própria e, como sempre acontece nas
revoluções, cortar as cabeças da primeira leva de revolucionários para
encerrar a fase de "transição" e saltar para as rupturas decisivas, as
decisões sem retorno. Há mais de um ano o Foro de São Paulo vinha
planejando esse salto, contando, para isso, com os recursos do próprio
governo, somados aos da elite globalista fomentadora de "primaveras".
Como não poderia deixar de ser em
tais circunstâncias, o clamor da massa conservadora acaba se mesclando e
se confundindo com os gritos histéricos do esquerdismo mais radical e
insano, tudo agora instrumentalizado e canalizado pela única liderança
ativa presente no cenário.
Condensando simbolicamente essa
absorção, a vaia despejada sobre a presidenta Dilma Rousseff no Estádio
Nacional de Brasília, autêntica manifestação popular espontânea, já não
se distingue da agitação planejada e subsidiada que acabou por
utilizá-la, retroativamente, em proveito próprio.
Não se pode dizer que a esquerda
tenha "roubado a voz" da direita, pois a recebeu de presente. A opção
pelo silêncio, o hábito reiterado da autocastração expulsou a direita
nacional de um campo que lhe pertencia de direito e de fato, e terminou
por matá-la. Ela não se levantará nunca mais.
A insatisfação conservadora
transmutou-se em baderna revolucionária e já não tem nem mesmo como
reconhecer de volta o seu próprio rosto. Talvez algumas cabeças
esquerdistas venham a rolar no curso do processo, mas as da direita já
rolaram todas.