Gustave Le Bon e
seus discípulos, ao discutir a psicologia das multidões, formularam a ideia de
que o individuo, quando ombro a ombro com a multidão, desce um grau ou dois
intelectualmente e tende a exibir as mesmas reações mentais e emocionais de
pessoas que lhe são inferiores. É assim que eles explicam a bem conhecida
violência e imbecilidade das multidões. A turba, enquanto turba, chega a
extremos de que seus membros, como indivíduos, nunca poderiam ser acusados. Sua
inteligência média é mínima; mas é infecciosa, contagiante, quase simiesca. As
multidões, bem trabalhadas por um esperto demagogo, acreditam em qualquer coisa
e são capazes de tudo.
Ouso dizer que Le
Bon está parcialmente certo, mas também parcialmente errado. Sua teoria é
provavelmente elogiosa demais para com o ignorante médio. Ao misturar este
ignorante com o homem superior nos excessos de uma multidão, dá a entender que
também o ignorante, no meio delas, faz coisas que nunca pensaria em fazer
sozinho. O fato pode ser aceito, mas o raciocínio levanta uma dúvida. O
ignorante se descontrola na multidão, não porque tenha sido inoculado por ela,
mas com o vírus da violência, mas porque a sua própria violência tem ali a
única chance de exprimir-se em segurança. Em outras palavras, o ignorante é
perverso, porém covarde. Ele evita qualquer tentativa de um linchamento a capella, não porque precise de estímulo
para querer linchar alguém, mas porque precisa da proteção de uma multidão para
fazê-lo sentir-se corajoso o suficiente para tentar.
O que acontece
quando uma multidão se descontrola não é exatamente o que Le Bon e seus seguidores
descrevem. Os poucos homens superiores dentro dela não são reduzidos
imediatamente ao nível dos fanfarrões. Ao contrário, costumam manter a cabeça
fria e tentam até conter a multidão. Mas os fanfarrões são maioria; a cerca é
derrubada ou o negro é queimado. E por quê? Não porque os fanfarrões,
normalmente virtuosos, tornam-se subitamente uns insanos criminosos. E sim
porque se dão conta de repente do seu poder em número e porque ali há uma
brecha para exercerem sua selvageria. Em outras palavras, o poder suíno de uma
multidão já existe permanentemente na maioria de seus membros – digamos, uns
90%. Todos os estudos sobre a psicologia das multidões tropeçam nesta
subestimação da selvageria. Os escalões inferiores do homem são, na realidade,
incuravelmente perversos, seja individual ou coletivamente. Decência, autocontrole,
senso de justiça, coragem – estas virtudes pertencem a uma pequena minoria de
homens. Esta minoria raramente se descontrola. Seus traços mais distintos,
aliás, é a resistência ao descontrole. O homem de terceira classe, embora possa
disfarçar-se com as barbas de um homem de primeira, será sempre descoberto por
sua incapacidade de manter a cabeça diante de um apelo às emoções. O mesmo
grito que se dá para estimular um animal a correr põe a nu o seus disfarces.
H. L. Mencken