terça-feira, 31 de maio de 2011

História de Morro do Chapéu III

Estrada de Jacobina a Rio de Contas – a Estrada Real.

No século XVIII, Jacobina e Rio de Contas eram os maiores produtores de ouro na Bahia. A fim de cobrar o quinto de todo o mineral extraído, o rei de Portugal determinou a Pedro Barbosa Leal, que já edificara as vilas de Jacobina, no Saí, e Rio de Contas, no sopé da serra das Almas, a tarefa de abertura da estrada de ligação dessas duas vilas mineradoras, por onde, mais rapidamente, se deveria deslocar o ouro extraído.
    Leal concluiu sua obra em 1725, como atesta a carta do vice-rei e capitão-general do Brasil, Conde Sabugosa, Vasco Fernandes César de Menezes ao rei D. João V, para dar conta da abertura de um caminho de ligação de Jacobina ao Rio de Contas e da criação de uma vila para cobrar e arrecadar os quintos das minas. Portanto, a cobrança do quinto e o efetivo escoamento do ouro com a segurança e a rapidez possíveis. Por ter sido uma obra determinada pelo rei de Portugal, a primeira estrada aberta no interior da Bahia, ligando as duas minas, ficou conhecida como Estrada Real.
     Na construção das estradas coloniais, em geral, utilizavam-se técnicas rudimentares, apenas de terraplanagem de uma estreita faixa, para o deslocamento, sem embaraços, de cavaleiros e tropas. O sertanista Joaquim de Quaresma Delgado, empreendeu uma viagem por essa essa estrada que caracterizada pelos detalhes, permite identificar praticamente todo o seu curso e a maioria das referências geográficas, das fazendas e povoações, dos caminhos vicinais. Trata-se, pois, de preciosa fonte para o estudo da história colonial da Capitania da Bahia, em particular das regiões mineradoras de Jacobina e Rio de Contas.
   
Roteiro empreendido por Joaquim Quaresma Delgado, respeitando-se a grafia original.

Da Jacobina à Fazenda da Motuca. Da Jacobina à Lagoa dos Padres da Missão da Jacobina uma légua, desta ao pé das serras do Tombadouro2 2 léguas e aqui está uma casa com sua roça desta acima do Tombadouro ao Sorvedouro um quarto de légua e está um poço formado da natureza, cujo fim não se tem ainda vasado e está a direita da estrada debaixo de umas árvores que o cobrem, desate à fazenda de gado cavallar por nome a Motuca um quarto de lágua e fica esta a parte esquerda da estrada. Tem água e pastos.
                
OJatubá3, fazenda do dito gado e 2 léguas. Das Motuca ao Jatubá há 2 léguas e fica esta em direitura da estrada, tem pastos e água pela banda de detraz da fazenda à parte do sudoeste.

Ao meio da Catinga das Flores4 4 léguas. De Jatubá ao meio da Catinga das Flores há 4 léguas, não tem pasto nem água em toda a jornada, somente aqui tem algum pasto antes de chegar a uma porteira que aqui tem e por força se deve fazer esta viagem.

Da fazenda das Flores à fazenda da Volta e o rio Jacuipe5. Das porteiras ao meio da catinga a fazenda das Flores duas léguas, desta à fazenda da Volta pouco menos de 1 légua e mais adiante cousa de meio quarto de légua rancho ao pé do rio Jacuipe. Estas duas fazendas crião gado cavallar e em qualquer dellas se apode arranchar que pasto e água.

A fazenda do Coronel das Estradas  João Peixoto6, districto já do Morro do Chapéo7 4. Do rio Jacuipe à fazenda do coronel João Peixoto há 4 léguas e não há água, mas não falta pasto, mas é conveniente ir a dita fazenda que tem água e pastos e cria gado vacum e cavallar.

Á Boca da Catinga. Desta fazenda à Boca da Catinga são 2 léguas e 1 quarto aqui à parte esquerda fica o Morro do Chapéo e entre elle e o rancho que é ao pé da estrada de uma catinga, fica aguada em um alagadiço.

A Lagoinha 3. da Boca da Catinga em distancia de 1 légua, descendo para baixo, se dá em uma várzea que em tempo de água há de ter água e bons pastos mas agora não tem e d´aqui uma légoa se dá uma várzea grande que aqui chamam Lagoinha e fica a parte direita da estrada ao despedir de uma catinga baixa e aqui se vê o rancho também a parte direita mais agora não tem nem uma acousa nem outra e por força se há de descançar aqui.

Ao Riacho das Pedras9 cinco léguas. Desta Lagoa Riacho das Pedras há cinco léguas e aqui descendo para baixo em uma varzinha como Riacho ao pé a parte direita e o Rancho debaixo de uma grande árvore. Aqui tem pasto e água, mas agora na seca tem água em Caldeirão e pasto nenhum, mas quando o tem se vai por um caminho que fica para a parte do sul pela catinga dentro e um bocado de caminho que fica para a parte do sul pela catinga dentro e um bocado de caminho se dá em cima de um monte sem matto aonde cria capim.

A estrada prossegue passando por várias localidades que depois se tornariam municípios, mas optamos encerrar a descrição até aqui, pois nosso objetivo é descrever a história de Morro do Chapéu, portanto a estrada chegou ao limite do município com Cafarnaum.

1         Pedro Barbosa Leal, baiano, filho de um coronel de ordenança homônimo e de Antonia Maria de Vasconcelos, capitão de infantaria em 1691, senhor de engenho, sesmeiro entre os rios Sergipe e Japaracuba. Por determinação do governador geral João de Lancastre (1694-1702), procurou Belchior da Fonseca Saraiva, o Moribeca, para se  informar sobre minas de prata que o seu bisavô teria descoberto no interior da Bahia. Com pequena expedição, palmilhou os montes de Picaraçá e  Jacobina, até as margens do São Francisco, onde descobrira ametistas e salitre. De Itabaiana regressou a Salvador. Em 1697, voltou a Jacobina, depois de nomeado por Lancastre administrador do salitre de Curaçá, onde permaneceu até 1702. no ano seguinte, descobriu ouro em Jacobina e, em seguida, acompanhou Lancastre em inspeção à fábrica de salitre de Curaçá. Decepcionado por não conseguir sesmarias no rio de São Francisco, pleiteou e obteve terras entre o rio Doce e Itacambira onde pesquisou minerais e guerreou contra populações nativas. Por determinação do vice-rei, em 1720 edificou Jacobina, em 1724, Rio de Contas, e em 1725, a estrada de interligação dessas vilas pioneiras nos sertões da Bahia. Nesse mesmo ano, comunicou ao vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes (1720-1736), a descoberta por Antonio Carlos Pinto, das minas do rio Paramirim (FRANCO, 1989:207).

2         Ramificação da cordilheira do Espinhaço que atravessa o municipio de Jacobina de norte a sul, no qual se desenvolveu a atual povoação de Tombadouro do Araújo.

3         Atual povoado de Praça do Jatobá, na serra do Tombadouro, nascente do Itapicuru-Mirim.

4         Atual povoado de Flores, no município de Morro do Chapéu.

5         Curso d´água que nasce nas cercanias de Morro do Chapéu e deságua na Bahia de Todos os Santos.

6         João Peixoto Viegas, neto do português de Viana do Castelo, de nome idêntico, e Bárbara Fernandes; filho de Francisco de Sá Peixoto e Ângela Bezerra. Combateu índios no Paraguaçu com Antonio Veloso da Silva e Francisco Alves Correia, em 1727, quando se feriram no ataque à aldeia de João Amaro. Cinco anos depois, com André da Rocha Pinto e Manoel Queiroz Sampaio explorou ouro em Rio de Contas (CALMON, 1985: 491-494; FRANCO, 1989:438).

7         Municipio criado em 1864, com território da freguesia de N. S. das Graças do Morro do Chapéu, desmembrado de Jacobina e da freguesia de N. S. da Conceição  de Mundo Novo, que se emancipou de Monte Alegre, atual Mairi. Em 1880, a freguesia de Mundo Novo se reincorporou a Monte Alegre.

8         Povoação do município de Morro do Chapéu, limítrofes do atual município de Cafarnaum.

9         Atual povoado de Lagoa das Pedras, no município de Cafarnaum.